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terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Capitulo 3


Thomas ficou ali sentado por vários minutos, esgotado demais
para se mexer. Finalmente, obrigou-se a olhar para o edifício decadente.
Um grupo de garotos aglomerava-se do lado de fora, olhando
ansiosos para as janelas superiores como se esperassem que um monstro
horrendo saltasse para fora em meio a uma explosão de vidros e madeira.
Um tilintar metálico entre os galhos acima chamou-lhe a atenção,
atraindo seu olhar; um raio de luz prateada e vermelha capturou seus olhos
imediatamente antes de desaparecer do outro lado do tronco.
Ele se levantou e deu a volta na árvore, esticando o pescoço em
busca de um sinal do que acabara de ouvir, mas só encontrou galhos nus,
cinzentos e marrons, abrindo-se em forquilhas como dedos esqueléticos - e
parecendo vivos.
- Isso era um daqueles escaravelho robôs mecânicos - disse alguém.
Thomas virou-se para a direita e encontrou um garoto em pé ao seu
lado, baixo e rechonchudo, olhando na sua direção. Ele era bem jovem -
provavelmente o mais novo de todo o grupo, pelo menos dos que ele
conhecera até então, talvez com uns doze ou treze anos de idade. O cabelo
castanho caía-lhe sobre as orelhas e o pescoço, roçando os ombros.
Os olhos azuis brilhavam num rosto triste, fofo e corado.
Thomas fez um sinal para ele com um movimento de cabeça.
- Um escaravelho... o quê?
- Um escaravelho robô - repetiu o garoto, apontando para o alto da
árvore.
- Não fazem mal nenhum, a menos que você seja burro o bastante
para encostar num deles. - Fez uma pausa. ...shank (trolha). - Não se sentiu
à vontade dizendo essa última palavra, como se não tivesse entendido
direito a gíria da clareira.
Outro grito, dessa vez longo e arrepiante, rasgou o ar, e Thomas
sentiu o coração parar. O medo espalhava-se como uma capa gelada sobre a
sua pele.
- O que está acontecendo lá? - perguntou, apontando para o
edifício.
- Sei lá - o garoto rechonchudo respondeu; a sua voz ainda tinha os
agudos esganiçados da infância. - O velho Ben está lá, sofrendo como um
cão. Eles o pegaram.
- Eles? - Thomas não gostou do tom malicioso com que o garoto
pronunciara a palavra.
- É.
- Quem são Eles?
- Melhor que você nunca descubra - respondeu o garoto, parecendo
à vontade demais na situação. Ele estendeu a mão. - Eu sou Chuck. Eu era
o Novato até você aparecer.
“É esse o meu guia esta noite?”, pensou Thomas. Mal conseguia
superar o mal-estar extremo e agora já começava a se irritar. Nada fazia
sentido; a cabeça doía.
- Por que todo mundo está me chamando de Novato? - quis saber,
ao apertar rapidamente a mão de Chuck, logo soltando-a.
- Porque você é o mais novo Calouro. - Chuck apontou para
Thomas e riu. Outro grito partiu da casa, como se viesse de um animal
faminto sendo torturado.
- Como pode estar rindo? - revoltou-se Thomas, horrorizado com
o ruído. - Parece que alguém está morrendo lá.
- Ele vai ficar bem. Ninguém morre se conseguem trazê-lo a tempo
para aplicar o Soro. É tudo ou nada.
Morto ou vivo. Só que dói bastante.
Thomas pensou depressa.
- O que dói bastante?
Chuck desviou o olhar como se não soubesse ao certo o que dizer.
- Hã... ser picado pelos grievers (verdugos)
Chuck deu de ombros, depois desviou o olhar e rolou os olhos para
o alto.
Thomas suspirou frustrado e abandonou-se de encontro à árvore.
- Parece que você sabe pouco mais do que eu - disse, mas com
certeza aquilo não era verdade. A sua perda de memória era estranha.
Conseguia se lembrar de muita coisa da vida, porém faltavam os
dados específicos, os rostos, os nomes. Como um livro intacto, mas em que
faltasse uma palavra a cada dez, tornando a leitura cansativa e confusa.
Ele nem sequer sabia a própria idade.
- Chuck, quantos... quantos anos você acha que eu tenho?
O garoto olhou-o de cima a baixo.
- Eu diria uns dezesseis. E para o caso de estar em dúvida... um
metro e oitenta... cabelos castanhos. Ah, e feio como um churrasquinho de
fígado torrado. - Ele deu uma risada.
Thomas estava tão atordoado que nem ouviu a última parte.
Dezesseis?
Tinha dezesseis anos? Sentia-se muito mais velho do que isso.
- Está falando sério? - Fez uma pausa, procurando as palavras. -
Como... - Nem mesmo sabia o que perguntar.
- Não se preocupe. Vai ficar meio chapado nos primeiros dias, mas
logo vai se acostumar com o lugar. Eu me acostumei. Vivemos aqui, só
isso. Melhor do que viver num monte de klunk (merda). - Ele deu uma
piscada, como que prevendo a próxima pergunta de Thomas. - Klunk é
outra palavra para cocô. O cocô faz klunk quando cai no vaso...
Thomas olhou para Chuck, incapaz de acreditar que estava tendo
aquela conversa.
- Legal - era tudo o que conseguiu dizer. Levantando-se, passou
por Chuck em direção ao edifício decadente; choça seria um nome melhor
para aquele lugar. Parecia ter três ou quatro andares de altura e estar prestes
a desabar a qualquer momento - um amontoado maluco de troncos e tábuas
presos com cordas, as janelas parecendo ter sido dispostas a esmo, os
imensos muros de pedra cobertos de hera elevando-se por trás. Enquanto
atravessava o pátio, o cheiro penetrante de uma fogueira e de algum tipo de
carne assada fez o seu estômago contrair. Saber agora que os gritos vinham
apenas de um garoto com dores era um certo alívio para Thomas. Até
pensar no que causara a dor...
- Qual é o seu nome? - indagou Chuck atrás dele, correndo para
alcançá-lo.
- O quê?
- O seu nome! Ainda não nos contou... e sei que isso você deve se
lembrar muito bem.
- Thomas. - Ele mal ouviu a si próprio... os seus pensamentos
corriam em outra direção. Se Chuck estivesse certo, acabara de descobrir
uma ligação com os outros garotos. Um padrão comum de perda de
memória. Todos se lembravam do próprio nome. Por que não do nome dos
pais? Por que não do nome dos amigos? Por que não do sobrenome?
- Legal conhecê-lo, Thomas – falou Chuck. Não precisa se
preocupar, vou tomar conta de você. Cheguei há um mês e conheço tudo
isso aqui. Você pode confiar no Chuck, certo?
Thomas estava quase chegando à porta da frente da choça e ao
pequeno grupo de garotos aglomerados ali quando era tomado por um
repentino e surpreendente acesso de raiva.
Virou-se para encarar Chuck.
- Você nem consegue me contar nada.
Não diria que isso é tomar conta de mim.
Ele se voltou em direção à porta, com a intenção de entrar e
encontrar algumas respostas. De onde tirara a coragem e a determinação
súbitas não fazia a menor ideia.
Chuck encolheu os ombros.
- Nada do que eu disser vai fazer você se sentir melhor - falou. -
Basicamente, ainda sou um Novato também. Mas posso ser seu amigo...
- Não preciso de amigos - Thomas o interrompeu.
Chegou à porta, uma lousa de madeira sombria e desgastada pelo
sol, então abriu-a para ver vários garotos de expressão séria esperando ao pé
de uma escada torta, os degraus e corrimãos retorcidos e virados em todas as
direções. As paredes da entrada e do corredor eram forradas com papel
escuro já descascando em alguns pontos. Os únicos elementos decorativos à
vista eram um vaso empoeirado sobre uma mesa de três pernas e um retrato
em preto e branco de uma mulher idosa usando um vestido branco fora de
moda. Aquilo lembrou a Thomas uma casa mal-assombrada de um filme ou
coisa parecida. Faltavam até mesmo tábuas do assoalho.
O lugar recendia a poeira e bolor – um grande contraste com os
aromas agradáveis do lado de fora. Luzes fluorescentes piscantes brilhavam
no teto. Não tinha pensado nisso ainda, mas ficou se perguntando de onde
vinha a eletricidade em um lugar como a clareira. Olhou para a senhora na
fotografia. Teria morado ali um dia? Teria cuidado daqueles habitantes?
- Ei, olhem, é o Novato - falou um dos rapazes mais velhos.
Sobressaltado, Thomas percebeu que era o garoto de cabelos pretos
que lhe dirigira aquele olhar sinistro na chegada. Parecia ter uns quinze
anos, era alto e magro. O nariz, do tamanho de um pequeno punho,
lembrava uma batata deformada.
- Esse shank (trolha) provavelmente deve ter cagado nas calças
quando ouviu o velho Ben gritar como uma menina. Está precisando trocar
a fralda,shuck-face (Cara de mértila) (cara de mértila)?
- O meu nome é Thomas. - Tinha de se safar daquele cara. Sem
mais palavras, encaminhou-se para a escada, só porque ela estava próxima,
só porque não tinha a menor ideia do que fazer ou dizer. Mas o importuno
postou-se na sua frente, levantando a mão.
- Alto lá, Fedelho. - Apontou com o dedo para o andar de cima. -
Os Novatos não têm permissão para ver alguém que foi... pego. Newt e
Alby não deixam.
- Qual é o seu problema? - reagiu Thomas, tentando não revelar o
medo na voz, tentando não pensar no que o garoto quisera dizer com pego.
- Nem mesmo sei onde estou. Só estou procurando ajuda.
- Escute aqui, Novato. - O garoto enrugou a face, cruzando os
braços.
- Já vi você antes. Alguma coisa cheira mal em você e vou descobrir
o que é.
Uma onda de calor percorreu as veias de Thomas.
- Nunca vi você em toda a minha vida.
Não faço ideia de quem você é, e não me interessa saber
-desfechou. Mas de fato como ele saberia?
E como aquele garoto podia lembrar-se dele?
O valentão soltou uma risadinha misturada com um bafo de
catarro.
Depois ficou sério, cerrando as sobrancelhas.
- Eu.. vi você, trolha. Não há muitos neste lugar que podem dizer
que foram ferroados. - Ele apontou para o alto da escada. - Eu fui. E sei o
que o Ben está passando. Já estive lá. E vi você durante a transformação. -
Estendeu a mão e bateu no peito de Thomas. - E aposto a sua primeira
refeição do Frypan que o Ben vai dizer a mesma coisa também.
Thomas recusou-se a desviar o olhar, mas decidiu não dizer nada.
O pânico começava a devorá-lo de novo.
Será que as coisas nunca iam parar de piorar?
- Os grievers já o fizeram molhar as calças? - o garoto indagou com
um sorriso irônico. - Está um pouquinho assustado agora? Não quer ser
ferroado, né?
Lá vinha aquela palavra de novo.
Ferroado. Thomas tentou não pensar nela e apontou para a escada,
de onde os gemidos do garoto doente ecoavam pelo prédio.
- Se o Newt está lá em cima, então quero falar com ele.
O garoto não disse nada, limitou-se a olhar para Thomas por vários
segundos. Então balançou a cabeça.
- Quer saber? Você está certo, Tommy?
Eu não devia me preocupar tanto com os Calouros. Suba lá e tenho
certeza de que Alby e Newt vão deixar você por dentro de tudo. Sério, pode
ir. Me desculpe.
Deu um tapinha nas costas de Thomas e afastou-se para o lado,
fazendo um gesto em direção à escada. Mas Thomas sabia que o garoto
estava tramando alguma coisa. Não é porque alguém perde parte da
memória que se transforma em um idiota.
- Qual é o seu nome? - indagou Thomas, para ganhar tempo
enquanto decidia se deveria subir ou não.
- Gally. E não se deixe enganar por ninguém. Sou eu quem
realmente manda aqui, não as duas velhotas shank (trolha) lá em cima. Eu.
Pode me chamar de Comandante Gally se quiser.
- Sorriu pela primeira vez; os dentes combinando com o nariz
desagradável. Faltavam uns dois ou três e nenhum deles nem de longe se
aproximava de algo de cor branca. A respiração que ele deixou escapar era o
bastante para Thomas sentir o bafo, fazendo-o lembrar-se de algo horrível
na memória que não conseguia identificar. Aquilo fez o seu estômago
revirar.
- Tudo bem - disse, com tanto nojo do garoto que teve vontade de
gritar e dar-lhe um murro na cara. - Comandante Gally então. - Fez uma
continência exagerada, sentindo uma descarga de adrenalina ao perceber
que havia passado do limite.
Umas risadinhas escaparam do grupo e Gally olhou em volta, com
o rosto vermelho. Voltou a encarar Thomas, a raiva encrespando as suas
sobrancelhas e enrugando o nariz monstruoso.
- Apenas suba a escada - falou Gally.
- E fique longe de mim, cabeção.
- Apontou de novo para o alto, mas não tirou os olhos de Thomas.
- Ótimo. - Thomas olhou ao redor uma vez mais, embaraçado,
confuso, com raiva. Sentia o calor do sangue no rosto. Ninguém esboçou
Ninguém se moveu para detê-lo como ele Gally que havia sido solicitado,
exceto Chuck, que estava parado na porta da frente balançando a cabeça.
- Você deveria, disse o garoto. Você é novato, você não pode subir.
- Vai, Gally disse com um suspiro. - Sobe.
Thomas lamentou ter chegado lá, em primeiro lugar, mas queria
falar com o tal do Newt.
Ele começou a subir as escadas. Cada etapa estava reclamando do
seu peso, poderia ter parado por medo de cair pela madeira podre, se não
fosse porque tivesse deixado uma situação muito embaraçosa lá embaixo.
Subiu, estremecendo, fazendo uma careta com cada um estalo ouvido.
As escadas chegaram a um destino que virava à esquerda, em
seguida, terminou em uma antiga passagem que levava a várias habitações.
Apenas uma porta tinha luz que saía pela ranhura de dentro.
- transformação! Gally gritou de baixo. Vai buscá-lo, shuck-face
(Cara de mértila)!
Como se o desafio teria dado a Thomas alguma coragem,
caminhou para a porta iluminada, ignorando as tábuas do assoalho e as
risadas de que vinham de baixo ignorando o ataque não conseguia entender
as palavras, suprimindo os terríveis sentimentos que lhe causavam, pegou na
maçaneta, a girou e abriu a porta.
Dentro da habitação, Newt e Alby estavam inclinados sobre alguém
em uma cama.
Thomas se aproximou para ver o que todo o alarido era, mas
quando tinha uma visão clara da condição do paciente, seu coração gelou.
Ele teve conter a bile que subiu em sua garganta.
O que ele viu foi rápido, por só alguns segundos, mas era o
suficiente para o perseguir para sempre. Uma figura torcida e pálida em
agonia, com o peito nu e repulsivo. Tenso e sequências rígidas de um verde
doentio dobraram o corpo do garoto e apêndices, como cordas sob sua pele.
Contusões o cobriam, manchas vermelhas e arranhões
ensanguentados. Seus olhos injetados de sangue saíam de suas órbitas,
movendo-se para a frente e para trás do seu lugar. A imagem ficou gravada
na mente de Thomas e antes de que Alby ficasse em pé bloqueando a sua
visão, mas não os gemidos e gritos, empurrando Thomas para fora do
quarto, logo fechando a porta atrás deles.
- O que você está fazendo aqui, Novato? Alby exclamou, fechando
os lábios com raiva, suas os olhos abem abertos.
Thomas sentiu-se débil. - Eu, uh, eu quero respostas, ele
murmurou, mas não conseguiu Colocar força em suas palavras e se sentiu
vencido por dentro.
O que aconteceu com esse cara? Thomas inclinou-se no corrimão
do corredor e viu o chão, não sabia ao certo o que fazer agora.
- Desça esse seu rabo para aquelas escadas, agora, ordenou Alby. -
Chuck você ajude-o. Só vou ver você de novo amanhã de manhã. Caso
contrário você não vai viver pra ver outro de novo estando vivo, me
entendeu?
Thomas se sentiu humilhado e assustado. Era como se tivesse
reduzido ao tamanho de um rato. Sem dizer uma palavra, empurrou Alby
para passar e foi para as escadas, indo tão rápido quanto podia.
Ignorando a opinião de todos abaixo, especialmente a de Gally, saiu
pela porta, puxando o braço Chuck ao fazê-lo.
Thomas odiava esses habitantes. Em tudo. Menos a Chuck. Leveme
para longe de esses caras - Thomas disse, e percebeu que o Chuck
realmente era o único amigo tinha neste mundo.
- Claro, respondeu Chuck, com sua voz animada, como se estivesse
feliz de que precisassem dele. Mas primeiro vou conseguir comida pra você
com Frypan.
- Eu não sei se posso comer de novo, não depois que ele tinha
acabado de ver.
- Sim, sim, você vai, eu vou te ver na mesma árvore como antes, em
10 minutos.
Thomas estava mais do que feliz em deixar a casa, e voltou para a
árvore.
Já bastava pra ele saber o que era viver ali e já queria que aquilo
tudo terminasse. Ele desejava com toda a força, recordar alguma coisa sobre
a sua vida passada. Alguma coisa sobre, sua mãe, ou seu pai, sua escola,
algum passatempo, ou alguma menina.
Ele piscou várias vezes, tentando tirar a imagem de dentro de sua
mente.
A transformação, Gally tinha chamado de a transformação.
Não fazia frio, mas Thomas sentia arrepios.

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