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sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Capitulo 8

16:47 da tarde






Mamãe uma vez me levou para um cassino. Estavamos indo de férias no Lago

Crater e paramos num resort numa reserva indigna para almoçar. Mamãe

decidiu jogar um pouco, e eu fui com ela enquanto papai ficou com Teddy, que

estava dormindo em sua cadeirinha. Mamãe sentou numa mesa de blackjack. O

distribuidor de cartas olhou para mim, então para mamãe, que devolveu sue

olhar suspeito com um olhar afiado o bastante para cortar diamentes seguido

por um sorriso mais brilhante que qualquer gema. O distribuidor de cartas

sorriu em resposta e não disse nada. Eu observei mamãe jogar, hipnotizada.

Parecia que estavamos lá por 15 minutos mas quando papai e Teddy vieram

procurando nós, os dois estavam emburrados. Acabou que ficamos lá por mais

de uma hora.

Na UTI é assim. Você não sabe que horas são ou quanto tempo passou. Não

tem luz natural. E tem um constante barulho de fundo, só que ao invés de bipes

eletrônicos dos caça-níquel e gritos satisfeitos dos jogadores, é o zunido e

zumbido dos equipamentos médicos, as infinitas paginas por cima da maquina

que media pressão arterial, e a conversa das enfermeiras.

Eu não tenho certeza absoluta de a quanto tempo estou aqui. Um tempo

atrás, a enfermeira que eu gostava com o sotaque alegre disse que estava indo

para casa. “Eu volto amanhã, mas quero ver você aqui, querida,” ela disse. Eu

achei que isso era estranho a principio. Ela não ia querer que eu fosse pra casa,

ou movida para outra parte do hospital? Mas então percebi que ela quis dizer

que ela queria me ver nessa ala, ao invés de morta.

Os médicos ficavam voltando e erguendo minha pálpebra colocando uma

lanterna no meu olho. Eles são grossos e apressados, como se não

considerassem pálpebras dignas de gentileza. Nos faz perceber o quão pouco

em vida tocamos os olhos uns dos outros. Talvez seus pais segurem sua

pálpebra para tirar uma sujeira, ou talvez seu namorado beije suas pálpebras,

tão de leve quanto uma borboleta, logo antes de você adormecer. Mas

pálpebras não são como cotovelos ou joelhos ou ombros, partes do corpo

acostumadas a ser tocadas.

A assistente social está ao lado da minha cama agora. Está olhando minha

ficha e conversando com uma enfermeira que normalmente fica sentada numa

mesa grande no meio da sala. É incrível o jeito que eles de observam aqui. Se els

não estão colocando luzes nos seus olhos ou lendo exames que saem das

impressoras na nossa cama, então eles estão observando seus sinais vitais de

uma tela do computador central.

Se qualquer coisa ficar levemente alterado, um dos monitores começa a

bipar. Tem sempre um alarme disparando em algum lugar. A principio, me

assustou, mas agora percebi que na metade do tempo, quando os alarmes

disparam, são as maquinas que estão funcionando errado, não as pessoas.

A assistente social parece exausta, como se ela não fosse se importar de

deitar em uma das camas vagas. Eu não sou a sua única pessoa doente. Ela tem

ido e voltado entre pacientes e familiares a tarde toda. Ela é a ponte entre os

médicos e as pessoas, e você pode ver o balanço entre esses dois mundos.

Depois que ela lê minha ficha e conversa com as enfermeiras, ela volta para o

andar de baixo para minha família, que parou de falar em tons baixos e agora

está engajada em atividades solitárias. Vovó está tricotando.Vovô está fingindo

dormir. Tia Diane está jogando sudoku. Meus primos estão se revezando no

Game Boy, o som está no mudo.

Kim foi embora. Quando ela voltou para sala de espera depois de visitar a

capela, ela encontrou a Sra. Schein um caos total. Ela parecia tão envergonhada

e ela correu para levar sua mãe para fora. Na verdade, eu acho que a ter a Sra.

Schein aqui provavelmente ajudou. Confortar ela deu a todo mundo algo a

fazer, um jeito que de se sentir útil. Agora eles voltaram a se sentir inúteis, de

volta a espera sem fim.

Quando a assistente social entra na sala de espera, todos se levantam, como

se estivessem saudando a realeza. Ela dá um meio sorriso, que eu já vi várias

vezes hoje, Eu acho que é o sinal dela de que tudo está bem, ou status quo, e

ela está aqui apenas para dar um update, não para jogar uma bomba.

“Mia ainda está inconsciente, mas seus sinais vitais estão melhorando,” ela

diz a meus parentes reunidos, que abandonaram suas distrações nas suas

cadeiras. “Ela está com o terapeuta respiratório agora mesmo. Eles estão

fazendo testes para ver como os pulmões dela estão funcionando e se ela pode

sair do ventilador.”

“Essa é uma boa noticia, então?” Tia Diane pergunta. “Eu quero dizer, se ela

puder respirar sozinha, então ela vai acordar logo?”

A assistente social dá um pratico aceno simpático.

“É um bom passo se ela puder respirar sozinha. Mostra que os pulmões dela

estão curando e seus ferimentos internos estão se estabilizando. A duvida ainda

são as contusões no cérebro dela.”

“Porque?” prima Heather interrompe.

“Não sabemos quando ela vai acordar sozinha, ou a extensão dos danos no

cérebro dela. Essas primeiras 24 horas são as mais criticas e Mia está recebendo

o melhor cuidado.”

“Podemos ver ela?” vovô pergunta.

A assistente social concorda. “É por isso que estou aqui. EU acho que vai ser

bom para Mia receber uma curta visita. Só uma ou duas pessoas.”

“Nós vamos,” vovó diz, dando um passo para frente. Vovô ao lado dela.

“Sim, foi o que pensei,” a assistente social diz. “Não vamos demorar,” ela diz

para o resto da família.

Os três andam pelo corredor em silencio. No elevador, a assistente social

tenta preparar meus avós para me ver, explicando a extensão dos meus

ferimentos externos, que parecem ruins, mas são tratáveis. São os ferimentos

internos com que eles estão preocupados, ela diz.

Ela está agindo como se meus avós fossem crianças. Mas eles são mais

durões que parecem. Vovô foi um médico na coréia. E vovó, ela está sempre

resgatando coisas: pássaros com asas quebradas, castor doente, um cervo

atingido por um carro. O cervo foi para um santuário de vida selvagem, o que é

engraçado porque vovó odeia eles; eles comem o jardim dela. “Ratos bonitos,”

ela chama eles. “Ratos saborosos” é do que vovô chama eles quando ele grelha

um bife. Mas aquele cervo, vovó não suportou ver sofrer, ela o resgatou. Parte

de mim suspeita que ela achou que fosse um dos anjos dela.

Ainda sim, quando eles passam pelas portas automáticas de UTI, os dois

param, como se estivessem repelidos por um barreira invisível. Vovó pega a

mão de vovô, e eu tento lembrar se eu já vi os dois darem as mãos antes. Vovó

olha as camas procurando por mim, mas assim que a assistente social começa

apontar onde estou, vovô me vê e se dirige a minha cama.

“Olá, querida,” ele diz. Ele não me chama assim a séculos, não desde que eu

era mais nova que Teddy. Vovó anda devagar até onde estou, dando pequenas

arfadas de ar enquanto se aproxima. Talvez aqueles animais feridos não tenham

sido muito úteis para preparar ela afinal de contas.

A assistente social trás duas cadeiras, as colocando no pé da minha cama.

“Mia, seus avós estão aqui.” Ela faz menção que eles sentem. “Vou deixar vocês

sozinhos.”

“Ela pode nos ouvir?” vovó pergunta. “Se conversarmos com ela, ela vai

entender?”

“Eu realmente não sei,” a assistente social responde. “Mas sua presença pode

ser apaziguadora desde que o que você diga for apaziguador.” Então ela dá a

eles um olhar severo, como se dissesse a eles para não dizer nada ruim para me

chatear. Eu sei que é o trabalho dela avisar a eles sobre coisas assim e que ela

está ocupada com centenas de outras coisas e nem sempre pode ser sensível,

mas por um segundo, eu odeio ela.

Depois que a assistente social parte, vovó e vovô sentam em silencio por um

minuto. Então vovó começa a falar sobre as orquídeas que ela está cuidado na

sua estufa. Eu noto que ela tirou a roupa de jardineiro e está usando uma calça

limpa de veludo. Alguém deve ter passado na casa dela e trazido uma muda

nova de roupas. Vovô ainda está muito parado, e suas mãos estão tremendo.

Ele não é muito falador, então deve ser difícil para ele ser ornado a conversar

comigo agora.

Outra enfermeira aparece. Ela tem cabeço e olhos escuros iluminada com

muita maquiagem nos olhos. Suas unhas são de acrílico e tem decalque de

corações nelas. Ela deve se esforçar muito para manter suas unhas tão lindas.

Eu admiro isso.

Ela não é minha enfermeira mas ela vai até vovó e vovô do mesmo jeito.

“Não duvidem nem por um segundo que ela pode ouvir vocês,” ela diz a eles.

“Ela está ciente de tudo que está acontecendo.” Ela fica parada ali com as mãos

nos quadris. Eu posso quase imaginar ela estourando uma bola de chiclete.

Vovó e vovô a encaram, absorvendo o que ela disse a eles.

“Vocês podem achar que são os médicos ou as enfermeiras ou tudo isso que

está controlando o show,” ela diz, gesticulando para a parede de equipamentos

médicos. “Nuh-uh. Ela está controlando o show. Talvez ela esteja simplesmente

guardando seu tempo. Então conversem com ela. Digam para ela levar o tempo

que precisar, mas para voltar. Vocês estão esperando por ela.”

Mamãe e papai nunca chamaram Teddy e eu de erros. Ou acidentes. Ou

surpresas. Ou nenhum desses eufemismos estúpidos. Mas nenhum de nós foi

planejado, e eles nunca tentaram esconder isso.

Mamãe ficou grávida de mim quando ela esta jovem. Não jovem adolescente,

mas jovem para os amigos deles. Ela tinha 23 e ela e papai já estavam casados a

um ano.

De um jeito engraçado, papai sempre usou gravata borboleta, sempre um

pouco mais tradicional do que você imaginaria. Porque embora ele tivesse

cabelo azul e tatuagens e usasse uma jaqueta de couro e trabalhasse numa loja

de discos, ele queria casar com mamãe numa época em que o resto de seus

amigos ainda estavam tendo casos de um noite. “Namorada é uma palavra tão

idiota,” ele disse. “Não agüentava chamar ela assim. Então, tínhamos que nos

casar, para poder chamar ela de ‘esposa.’”

Mamãe, para sua vez, tinha uma família problemática. Ela não entrou em

detalhes comigo, mas eu sabia que o pai dela a muito tinha falecido e por um

tempo ela esteve sem contato com sua mãe, embora agora víssemos vovó e

Papa Richard, que é como chamamos o padrasto de mamãe, algumas vezes por

ano.

Então mamãe foi tomada não só por papai mas pela grande, e na maior parte

intacta, relativamente normal família que ele pertencia. Ela concordou em se

casar com papai embora eles estivessem juntos a apenas um ano. É claro, eles

ainda fizeram isso no seu jeito. Foram casados por uma juíza de paz lésbica,

enquanto seus amigos tocavam a versão em guitarra da “Marcha de

casamento.” A noiva usou um vestido branco e botas com espinhos. O noivo

usou couro.

Eles ficaram grávidos de mim por causa do casamento de outra pessoa. Um

dos amigos musicais de papai que se mudou para Seattle e engravidou sua

namorada, então eles estavam casando. Mamãe e papai foram para o

casamento, e na recepção, eles ficaram um pouco bêbados e na volta para o

hotel eles não tiveram o cuidado de sempre. Três meses mais tarde tinha uma

pequena linha azul no teste de gravidez.

Do jeito que eles contam, nenhum dos dois se sentia particularmente pronto

para ser pai. Nenhum deles se sentia como um adulto ainda. Mas não havia

duvidas sobre se eles deveriam me ter. Mamãe era pró-escolha. Ela tinha um

adesivo no carro que dizia Se você não pode confiar em mim em relação a uma

escolha, como pode confiar em mim com um filho? mas no caso dela foi de me

ter.

Papai hesitou mais. Ficou mais assustado. Até o minuto que o médico me

tirou e então ele começou a chorar.

“Isso é um exagero,” ele dizia quando mamãe recontava a história. “Eu não

fiz tal coisa.”

“Você não chorou então?” mamãe perguntava numa diversão sarcástica.

“Eu derramei algumas lágrimas. Eu não chorei.” Então papai piscava para

mim e imitava o choro de um bebê.

Porque eu era a única criança no grupo de amigos de mamãe e papai, eu era

novidade. Eu fui criada pela comunidade musical, com dezenas de tias e tios que

me pegavam como sua própria filha, mesmo depois que eu comecei a mostrar

uma estranha preferência pela música clássica. Eu não queria para valer,

também. Vovó e vovô viviam perto, e ficavam felizes em cuidar de mim nos

finais de semana para que mamãe e papai pudessem agir selvagemente e ficar

acordados a noite toda para um dos show de papai.

Perto da época em que eu fiz quatro anos, eu acho que meus pais

perceberam que eles estavam realmente conseguindo – criando uma criança –

embora não tivessem uma tonelada de dinheiro ou empregos “de verdade.”

Tinhamos uma boa casa com aluguel barato. Eu tinha roupas (mesmo que

tivessem pertencido a meus primos) e eu estava crescendo feliz e saudavel.

“Você foi como um experimento,” papai diz. “Surpreendentemente sucedido.

Pensamos que devia ser um golpe. Precisávamos de outro filho como um tipo

de controle do grupo.”

Eles tentaram por 4 anos. Mamãe ficou grávida duas vezes e teve dois

abortos. Eles ficaram tristes, mas eles não tinham o dinheiro para fazer aquelas

coisas de fertilidade que as pessoas fazem. Quando eu tinha nove, eles

decidiram que talvez fosse para o melhor. Eu estava me tornando

independente. Eles pararam de tentar.

E como se fosse para convencer a si mesmos do quão incrível era não estar

amarrado a um bebê, mamãe e papai compraram passagens para nós visitarmos

Nova Iorque por uma semana. Devia ser um passeio musical. Iriamos ao CBGB´s

e ao Carnegia Hall. Mas quando, para surpresa dela, mamãe descobriu que

estava grávida, e então para uma surpresa maior ainda, permaneceu grávida

depois do primeiro semestre, tivemos que cancelar a viagem. Ela estava

cansada e enjoada e tão mau humorada que papai brincava que ela

provavelmente ia assustar os nova-iorquinos. Além do mais, bebês são caros e

precisamos poupar.

Eu não me importei. Eu estava excitada pelo bebê. E eu sabia que o Carnegie



Hall não ia a lugar nenhum. Eu vou chegar lá um dia.

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