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sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Capitulo 7

16:39 da tarde






Eu tenho uma bela multidão agora. Vovó e vovô. Tio Greg. Tia Diane. Tia Kate.

Meus primos Heather e John e David. Papai é um de cinco filhos, então ainda

tem muitos parentes por ai. Ninguém está falando sobre Teddy, o que me leva a

acreditar que ele não está aqui. Ele provavelmente ainda está no outro hospital,

sendo cuidado por Willow.

Os parentes estão reunidos na ala de espera. Não a pequena no andar

cirúrgico onde vovó e vovô estiveram durante minha cirurgia, mas uma maior

no andar principal do hospital que é decorado de bem gosto em tons de malva,

e tem cadeiras confortáveis e sofás e revistas que são quase atuais. Todos

conversam em tom baixo, como se estivessem respeitando as outras pessoas

esperando, embora esteja apenas minha família ali. Tudo é tão sério, tão

sinistro. Eu volto para o corredor para fazer uma pausa.

Fico tão feliz quando Kim chega; feliz por ver a familiaridade do seu longo

cabelo negro em uma única trança. Ela usa a trança todo dia e sempre, até a

hora do almoço, os cachos do seu grosso cabelo deram um jeito de escapar em

mexas rebeldes. Mas ela se recusa a se render aquele cabelo dela, e toda

manhã, ela volta a usar trança.

A mãe de Kim está com ela. Ela não deixa Kim dirigir por longas distancias, e

eu suponho que depois do que aconteceu, de jeito nenhum ela faria uma

exceção hoje. Sra. Schein está com o rosto vermelho e manchado, como se ela

estivesse chorando ou prestes a chorar. Eu sei disso porque a vi chorar muitas

vezes. Ela é muito emocional. “Rainha do drama,” é como Kim coloca. “É o gene

de mãe judia. Ela não consegue evitar. Eu suponho que eu vou ser assim um dia

também,” Kim diz.

Kim é tão o oposto disso, tão engraçada de um jeito discreto que ela

sempre tem que dizer “só brincando” para as pessoas que não entendem seu

senso de humor sarcástico, que eu não consigo imaginar ela sendo como sua

mãe. Mas de novo, não tenho muita base para comparar. Não tem muitas mãos

judias na nossa cidade ou muitos garotos judeus em nossa escola. E os que são

judeus são normalmente apenas em parte, então tudo que isso significa é que

eles colocam um menorah junto com suas arvores de natal.

Mas Kim é realmente judia. As vezes eu tenho jantares sexta a noite com a

família dela quando eles acendem velas, comem pão trançado, e bebem vinho

(a única hora que eu imagino que a neurótica Sra. Schein permite que Kim

beba). Se espera que Kim namore apenas caras judeus, o que significa que ela

não namora. Ela brinca que essa é a razão de sua família ter se mudado para cá,

quando na verdade é porque o pai dela foi contratado para fazer um chip de

computador. Quando ela tinha 13 anos, ela fez um bat mitzvah em um templo

em Portland, e durante a cerimônia de acender velas na recepção, eu fui

chamada para acender uma. Todo verão, ela vai para o acampamento de judeus

em New Jersey. Se chama Acampamento Torah Habonim, mas Kim chama de

Torah Whore,* porque tudo que os garotos fazem o verão todo é ficar.

“Como no acampamento de bandas,” ela brinca, embora o meu verão no

programa de conservatório não seja em nada parecido com American Pie.

Agora eu posso ver que Kim está irritada. Ela está andando rapidamente,

mantendo uma boa distancia entre ela e sua mãe enquanto marcham pelos

corredores. De repente seus ombros se erguem como um gato que acabou de

ver um cachorro. Ela vira para enfrentar sua mãe.

“Pare!” Kim exige. “Se eu não estou chorando, de jeito fudido nenhum você

pode.”

Kim nunca fala palavrão. Então isso me choca.

“Mas,” a Sra. Schein protesta, “como você pode ser tão...” – choro – “tão

calma quando – “

“Pare com isso!” Kim diz. “Mia ainda está aqui. Então não vou perder o

controle. E se eu não perder, então você também não pode!”

Kim anda em direção a sala de espera, sua mãe seguindo ela atrás. Quando

eles alcançam a sala de espera e vêem minha família reunida, Sra. Schein

começa a fungar.

Kim não xinga dessa vez. Mas suas orelhas ficam rosa, que é como sei que

ela ainda está furiosa. “Mãe. Vou deixar você aqui. Vou dar uma volta. Volto

mais tarde.”

Eu sigo ela de volta para o corredor. Ela perambula pelo lobby principal,

passa pela loja de presentes, visita a lancheria. Ela olha para o diretório do

hospital. Eu acho que eu sei onde ela está indo antes dela ir.

Tem uma pequena capela no porão. Está apertada ali, quieta como uma

biblioteca. Tem cadeiras estofadas como as do cinema, e uma trilha sonora

baixa está tocando como um tipo de música New Agey.

Kim se balança na cadeira. Ela tira seu casaco, que é preto e de veludo e que

eu tenho invejado desde que ela o comprou em um shopping em New Jersey

em uma viagem para visitar seus avós.

“Eu amo Oregon,” ela diz em uma tentativa soluçante de rir. Eu percebo pelo

tom sarcástico dela que ela está falando comigo, não com Deus. “Essa é a ideia

do hospital de não denominação.” Ela aponta pela capela. Tem um crucifixo na

parede, uma bandeira em um púlpito e um quadro da virgem Maria e seu Filho

nos fundos. “Temos uma estrela de Davi,’ ela diz, gesticulando para a estrela de

seis pontas na parede. “Mas e quanto aos mulçumanos? Nenhum tapete de

reza ou símbolo para mostrar qual é o leste em direção ao Mecca? E quanto aos

budistas? Eles não podiam ter um sino? Quer dizer, provavelmente tem mais

budistas do que judeus em Portland mesmo.”

Eu estou sentada numa cadeira ao lado dela. Parece tão natural o jeito que

Kim está falando comigo como ela sempre faz. Fora a paramédica que me disse

pra agüentar firme e a enfermeira que fica me perguntando como estou indo,

ninguém falou comigo desde o acidente. Eles falam sobre mim.

Eu nunca vi Kim rezar. Eu quero dizer, ela rezou no seu bat mitzvah e ela faz

a benção de Shabbat no jantar, mas isso é porque ela precisa. Na maior parte,

ela lida levianamente com sua religão. Mas depois que ela fala comigo por um

tempo, ela fecha seus olhos e move seus lábios murmurando coisas em uma

linguagem que eu não entendo.

Ela abre seus olhos e esfrega as mãos como se estivesse dizendo chega

disso. Então ela reconsidera e acrescenta uma ultima coisa. “Por favor não

morra. Eu posso entender o porque de você querer, mas pense nisso: se você

morrer, vai haver aqueles memórias toscos estilo Princesa Diana na escola, onde

todos colocam flores e velas e notas perto do seu armário.” Ela limpa uma

lagrima renegada com as costas da mão. “Eu sei que você odeia esse tipo de

coisa.”

Talvez fosse porque somos muito parecidas. Assim que Kim apareceu em cena,

todos assumiram que éramos melhores amigas porque nós duas éramos

silenciosas, estudiosas, e, pelo menos para os outros, sérias. O négocio é,

nenhuma de nós era particularmente uma ótima estudante (Notas B direto) ou,

para falar a verdade, tão sérias. Nós éramos sérias sobre certas coisas – música

no meu caso, arte e fotografia no dela – e no mundo simples do ensino

fundamental, isso era o bastante para nos tomar como gêmeas de algum tipo.

Imediatamente fomos colocadas juntas para tudo. No terceiro dia de aula de

Kim, ela foi a única pessoa a se voluntariar para ser capitão do time durante

uma partida de futebol em Educação Física, o que eu achei que era além do

puxa saquismo dela. Enquanto ela colocava seu casaco vermelho, o técnico

avaliou a turma para escolher o capitão do time B, seus olhos parando em mim,

embora eu fosse a menos atlética das garotas. Enquanto eu colocava meu

casaco, eu passei por Kim, murmurando “muito obrigado.”

Na semana seguinte, nosso professor de inglês nos colocou em duplas para

uma discussão oral sobre To Kill a Mochingbird. Sentamos na frente uma da

outro em um silencio pesado por cerca de 10 minutos. Finalmente, eu disse, “Eu

acho que deveríamos falar sobre racismo no Antigo Sul, ou algo assim.”

Kim virou olhos, o que me fez querer jogar um dicionário nela. Eu fui pega de

guarda baixa por o quão intensamente eu já a odiava. “Eu li esse livro na minha

antiga escola,” ela disse. “O negócio do racismo é meio obvio. Eu acho que a

maior coisa é a bondade das pessoas. Elas são naturalmente boas e se tornam

más por coisas como racismo ou eles são naturalmente ruins e precisam

trabalhar muito para não ser?”

“Tanto faz,” eu disse. “É um livro idiota.” Eu não sabia porque havia dito isso

porque na verdade eu amei o livro e tinha conversado com papai sobre ele; ele

está usando ele para ensinar seus alunos. Eu odiei Kim ainda mais por me fazer

trair o livro que eu amava.

“Tudo bem. Vamos fazer sua ideia então,” Kim disse, e quando recebemos

um B-, ela pareceu brilhar com nossa nota medíocre.

Depois disso, simplesmente não conversamos. Isso não impediu os

professores de nos colocar juntas ou de todos na escola assumirem que éramos

amigas. Quanto mais isso acontecia, mas resistíamos – uma a outra. Quanto

mais o mundo nos unia, mais nos empurrávamos para longe – e uma contra a

outra. Tentamos fingir que a outra não existia embora a existência de nossa

inimiga nos mantivesse ocupadas por horas.

Eu me senti compelida a me dar razões do porque eu odiava Kim: Ela não faz

nada errado. Ela é irritante. Ela é exibida. Mais tarde, descobri que ela fazia a

mesma coisa sobre mim, embora a maior reclamação dela era que ela achava

que eu era uma vaca. E um dia, ela até escreveu isso para mim. Na aula de

inglês, alguém lançou um pedaço de papel no chão perto do meu pé direito. Eu

o peguei e abri. Lia-se, Vaca!

Ninguém tinha me chamado disso antes, e embora tenha ficado

automaticamente furiosa, no fundo fiquei tão lisonjeada por ter trazido

emoções o bastante para ser digna desse nome. As pessoas chamam mamãe

disso bastante, provavelmente porque ela tem dificuldade de segurar a língua e

poderia ser brutalmente sincera quando descorda de você. De qualquer forma,

ela não se importava que as pessoas chamassem ela de vaca. “Só outra palavra

para feminista,” ela me disse com orgulho.Até papai chamava ela disso as vezes,

mas sempre brincando, de um jeito elogioso. Nunca durante uma briga. Ele

sabia melhor.

Eu olhei para cima do meu livro de gramática. Só havia uma pessoa que

podia ter mandado o bilhete para mim, mas eu ainda não acreditava. Eu olhei

para a turma. Todos estavam olhando seus livros. Com exceção de Kim. As

orelhas dela estavam tão vermelhas que faziam as mexas laterais de seu cabelo

negro parecer que também estavam corando. Ela estava me encarando. Eu

podia ter 11 anos e ser um pouco socialmente imatura, mas reconheço um

desafio sendo feito quando eu vejo, e eu não tinha escolha se não aceitar.

Quando ficamos mais velhas, gostávamos de brincar de que ficamos felizes

com nossa briga. Não apenas cimentou nossa amizade mas também nos

providenciou nossa primeira e provavelmente única oportunidade para uma

boa disputa. Onde mais duas garotas como nós vão brigar? Eu brigo no chão

com Teddy, e as vezes belisco ele, mas uma briga de socos? Ele era só um bebê,

e mesmo que fosse mais velho, Teddy era como metade irmão e metade meu

filho. Eu cuido dele desde que ele tinha apenas algumas semanas. Nunca

poderia machucar ele assim. E Kim, filha única, não tinha irmãos para socar.

Talvez no acampamento ela poderia se meter numa briga, mas as

conseqüências seriam ruins: seminários de horas sobre resolver conflitos com o

conselheiro e o rabino. “Minha gente sabe como lutar com seu melhor, mas

com palavras, com muitas, muitas palavras,” ela me disse uma vez.

Mas naquele dia, brigamos de soco. Depois do ultimo sino, sem uma

palavra, nos seguimos para o parquinho, soltamos nossas mochilas no chão, que

estava molhado do chuvisco firme daquele dia. Eu soquei ela na lateral da

cabeça, punho fechado, como os homens fazem. Uma multidão de garotos se

reunião para assistir o espetáculo. Uma briga era novidade na nossa escola.

Garotas lutando era extra especial. E boas garotas fazendo isso era perfeito.

Quando os professores nos separaram, metade da sexta série estava nos

vendo (na verdade, foi o amontoado de estudantes que alertou os monitores

que algo estava acontecendo). A briga foi um empate, eu suponho. Eu tinha um

lábio cortado e um pulso machucado, que eu tinha infringido a mim mesma

quando tentei acertar o ombro de Kim, errei, e bati no poste da rede de vôlei.

Kim tinha um olho inchado e um arranhão feio no quadril como resultado dela

ter tropeçado na sua mochila numa tentativa de me chutar.

Não fizemos as pazes sinceramente, nem nenhum aperto de mão oficial.

Assim que os professores nos separaram, Kim e eu olhamos uma para a outra e

começamos a rir. Depois de fazer uma visita para o diretor, mancamos para

casa. Kim me disse que a única razão para ela ter se voluntariado para ser capitã

de um time era porque se ela fizesse isso no começo do ano escolar, os técnicos

tendem a lembrar e isso faz com que eles não te escolham no futuro (um truque

que eu aprendi dali em diante). Eu expliquei para ela que eu concordei com ela

no trabalho do To Kill a Mochinbird, que era um dos meus livros favoritos. E foi

isso. Eramos amigas, assim como todo mundo assumiu o tempo inteiro que

seriamos. Nunca mais colocamos a mão uma na outra, e embora tenhamos nos

xingado bastante, nossos ataques tendem a acabar do jeito que nossa briga

acabou, com a gente rindo.

Mas depois da nossa briga, a Sra. Schein se recusou a deixar Mia vir para

minha casa, convencida que sua filha iria voltar machucada. Mamãe se ofereceu

para ir lá e resolver as coisas, mas eu acho que papai e eu percebemos que

graças ao temperamento dela, sua missão diplomática podia terminar com uma

medida cautelar contra nossa família. No fim, papai convidou os Scheins para

um frango assado, e embora pudéssemos ver que a Sra. Schein ainda estava um

pouco desconfiada com nossa família – “então você trabalha numa loja de

discos enquanto estuda para se tornar professor? E você cozinha? Que

estranho,” – ela disse para papai – Sr. Schein declarou meus pais decentes o

bastante e nossa família não violenta e disse a mãe de Kim que Kim podia ir e vir

quando quisesse.

Por aqueles meses na sexta série, Kim e eu começamos a formar nossas

personalidades. Rumores sobre nossa briga circularam, os detalhes se tornando

mais exagerados – costelas quebradas, unhas quebradas, mordidas. Mas

quando voltamos para a escola depois das férias de inverno, tudo foi esquecido.

Voltamos a ser as gêmeas boas e quietas.

Não nos importávamos mais. Na verdade, conforme os anos passavam essa

reputação nos serviu bem. Se, por exemplo, as duas ficamos ausentes no

mesmo dia, as pessoas automaticamente assumiam que tínhamos ficado

doentes da mesma coisa, não que matamos aula para ver filmes de arte sendo

mostrados numa turma na universidade. Quando, por brincadeira, alguém

colocou nossa escola a venda, cobrindo ela com placas e anúncios no eBay²,

olhos suspeitos se viraram para Nelson Baker e Jenna McLaughlin, não nós.

Mesmo que tivéssemos confessado a brincadeira – como planejamos se mais

alguém se metesse em problemas – teríamos dificuldades em convencer alguém

que foi realmente nós.

Isso sempre fazia Kim rir. “As pessoas acreditam no que querem acreditar,”



ela disse.

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