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sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Capitulo 2

Eu não dormi aquela noite. Parte disso era apenas o mudança de horário. O

meu vôo de volta a Palm Springs foi agendado para as seis horas da manhã – o

que era três horas da madrugada no fuso-horário que meu corpo ainda pensava

que estava. Dormir parecia sem sentido.

E, é claro, havia o pequeno fato de que era meio difícil de relaxar depois de

tudo que testemunhei no abrigo dos Alquimistas. Se eu não estivesse visualizando

os aterrorizantes olhos de Liam, então eu estava repassando os constantes avisos

que ouvi sobre aqueles que chegaram muito perto de vampiros.

Não ajudava em nada eu ter uma Caixa de Entrada cheia de mensagens do

grupo de Palm Springs. Normalmente, eu checava meu e-mail automaticamente

pelo meu telefone enquanto estava para cima e para baixo. Agora, no meu quarto

de hotel, encarando várias mensagens, eu me enchia de dúvidas. Isso era

verdadeiramente profissional? Eles eram muito amigáveis? Eles obscureceram as

linhas do protocolo Alquimista? Depois de ver o que aconteceu com Keith, era

mais do que óbvio que não precisava de muito para entrar em apuro s com minha

Organização.

Uma mensagem era de Jill, escrito na linha de assunto: “Angeline... suspiro.”

Isso não era surpresa para mim, e eu não me incomodaria com isso ainda.

Angeline Dawes, uma dhampira recrutada para ser a colega de quarto de Jill e lhe

fornecer uma camada-extra de segurança, tem tido um pequeno problema em se

encaixar em Amberwood. Ela sempre estava encrencada pro algo, e eu sabia que

independente do que era dessa vez, não havia nada que eu pudesse fazer sobre

isso agora.

Outra mensagem era da própria Angeline. Eu também não li. O assunto era:

“LEIA ISSO! TÃO ENGRAÇADO!” Angeline havia descoberto recentemente o email.

Mas ela não havia, aparentemente, descoberto como desligar o Caps Lock.

Ela também não tinha discernimento quando se tratava se piadas para se

encaminhar, esquemas de fraudes e advertências de vírus. E falando sobre o

último... nós tivemos que, finalmente, instalar um programa de proteção infantil no

seu laptop, para bloquear certos sites e propagandas. Isso depois de ela baixar

acidentalmente quatro vírus diferentes.

Foi o último e-mail de minha Caixa de Entrada que me fez parar. Era de

Adrian Ivashkov, a única pessoa do nosso grupo que não estava posando de

estudante na Academia Preparatória de Amberwood. Adrian era um Moroi de vinte

e um anos, então seria um tipo de estiramento passá-lo no high school. Adrian

estava conosco porque ele e Jill compartilhavam um laço psíquico que havia sido

inadvertidamente criado quando ele usou magia para salvar sua vida. Todos os

Moroi manejavam algum tipo de elemento mágico, e o dele era o Espírito – um

misterioso elemento ligado á vida e cura. O laço permitia que Jill visse os

pensamentos e emoções de Adrian, o que era embaraçoso para ambos. Ele perto

dela ajudou-lhes a trabalharem juntos em um jeito de driblar o laço. Também, ele

não tinha nada melhor para fazer.

O assunto de sua mensagem era: “MANDE AJUDA IMEDIATAMENTE”.

Diferente de Angeline, Adrian sabia das regras de capitalização e estava

simplesmente optando por um efeito dramático. Eu também sabia que se tivesse

qualquer dúvida sobre qual das mensagens era relacionada ao meu trabalho, essa

era de longe a menos profissional. Adrian não era minha responsabilidade. Ainda,

eu cliquei na mensagem de qualquer jeito.

“Dia 24. A situação está piorando. Meus captores continuam achando novos

e horríveis jeitos de me torturar. Quando não está trabalhando, Agente Escarlet

passa seus dias examinando amostras de tecidos para vestidos de madrinha e

devaneando sobre o quanto ela está apaixonada. Isso usualmente leva o Agente

Borscht* Tedioso a nos entreter com histórias sobre os casamentos russos, que

são ainda mais tediosos que os usuais. Minhas tentativas de fuga vêm sendo

frustradas até agora. Também, estou sem fumar. Qualquer assistência ou

produtos de tabaco que você puder mandar serão imensamente apreciados.

-- Prisioneiro 24601.”

* Borscht é uma sopa adocicada consistindo de beterraba fatiada ou ralada cozida

em caldo de galinha, originaria da Ucrânia.

Eu comecei a sorrir, apesar de mim mesma. Adrian me mandava mensagens

como essa quase todos os dias. Nesse verão, nós havíamos descoberto que

aqueles que foram forçadamente transformados em Strigoi poderiam voltar com o

uso do Espírito. Foi um ardiloso, complicado processo... mais ainda pelo fato de

que há poucos usuários de Espírito. Os fatos mais recentes sugeriam que os que

haviam sido restaurados de ser um Strigoi, nunca poderiam se tornar um

novamente. Isso eletrizou tanto Alquimistas como Moroi. Se houvesse algum jeito

de prevenir a conversão à Strigoi, loucos como Liam não seriam mais um

problema.

Aí era aonde Sonya Karp e Dimitri Belikov entravam – ou, como Adrian os

chamava em palavras cheias de angústia, “Agente Scarlet” e “Agente Borscht

Tedioso.” Sonya era uma Moroi; Dimitri era um dhampiro. Ambos haviam vindo até

Palm Springs no último mês para trabalhar com Adrian em uma usina de idéias*

para descobrir o que poderia proteger contra transformação em Strigoi. Era uma

tarefa extremamente importante, que poderia ter vários desdobramentos se bemsucedida.

Sonya e Dimitri eram uma das pessoas mais trabalhadoras que eu

conhecia – o que nem sempre engrenava com o estilo de Adrian.

*Usinas de Ideias são organizações que produzem pesquisas, análises e conselhos.

Muito do trabalho deles envolvia experimentos cuidadosos e lentos, - muitos

envolvendo Eddie Castile, um dampiro que estava igualmente disfarçado em

Amberwood. Ele estava servindo de controle regulamentar já que, ao contrário de

Dimitri, Eddie era um dampiro intocado pelo Espírito ou uma história de Strigoi.

Não havia muito que eu poderia fazer para ajudar Adrian com sua frustração sobre

o seu grupo de pesquisas – e ele sabia disso. Ele só gostava de descarregar o

drama e direcioná-lo para mim. Consciente do que era e o que não era essencial

no mundo dos Alquimistas, eu estava prestes a deletar a mensagem, mas...

Algo me fez hesitar. Adrian assinou seu e-mail com uma referência a Os

Miseráveis, de Vitor Hugo. Esse era um livro sobre a Revolução Francesa que era

tão grosso que poderia ser facilmente usado como uma arma. Eu havia lido-o em

francês e inglês. Considerando que Adrian uma vez ficou entediado enquanto lia

um cardápio particularmente longo, eu tinha dificuldades de imaginar que ele leria

um livro de Hugo em qualquer linguagem. Então como ele sabia da referência?

Isso não importa, Sydney, uma voz inflexível Alquimista disse em minha cabeça.

Apague isso. É irrelevante. O conhecimento literário de Adrian (ou a falta dele) não

é sua preocupação.

Mas eu não podia fazer isso. Eu precisava saber. Esse era o tipo de detalhe

que poderia me levar a loucura. Eu escrevi de volta uma rápida mensagem:

“Como você sabia sobre 24601? Eu me recuso a acreditar que você leu o livro.

Você viu o musical, certo?”

Eu apertei “enviar” e recebi uma resposta dele quase que imediatamente:

“SparkNotes”*

* Sparknotes é um site originado por alunos de Harvard, oferece guias de estudos sobre

vários assuntos para alunos e etc.

Típico. Eu gargalhei e imediatamente me senti culpada. Não deveria ter

respondido. Essa era minha conta pessoal de e-mail, mas se os Al quimistas em

algum momento sentissem necessidade de me investigar, eles não teriam

escrúpulos em fazê-lo. Esse tipo de coisa era prejudicial, e eu deletei a troca de emails

– não que importasse. Nenhum dado era verdadeiramente perdido, sempre.

Quando aterrissei em Palm Springs ás sete horas da manhã seguinte, era

dolorosamente óbvio que eu transpassei o limite de cafeína do meu corpo. Eu

estava muito exausta. Nenhuma quantia de café poderia me ajudar mais. Eu

quase caí no sono no meio-fio do aeroporto, esperando pela minha carona.

Quando ela chegou, eu não notei até ouvir meu nome sendo chamado.

Dimitri Belikov pulou para fora de um carro azul alugado e ficou em frente a

mim, agarrando minha mala antes de eu poder proferir uma palavra. Algumas

mulheres ao redor pararam de falar para encará-lo com admiração. Eu me

recuperei. “Você não tem que fazer isso”, eu disse, mesmo que ele já estivesse

carregando minha mala no porta-malas.

“É claro que eu tenho”, ele disse com suas palavras levemente tocadas por

um sotaque russo. Ele me deu um pequeno sorriso. “Você pareceu sonolenta.”

“Eu devo ser tão sortuda,” eu disse, entrando no banco do passageiro.

Mesmo que eu estivesse bem acordada, eu sabia que Dimitri teria pegado minha

mala de qualquer jeito. Assim era ele, um resquício perdido de cavalheirismo no

mundo moderno, sempre pronto para ajudar os outros.

Essa era uma das muitas coisas impactantes sobre Dimitri. Só seus olhares

eram certamente suficientes para paralisar alguém. Ele tinha cabelo castanhoescuro

puxado para trás em um curto rabo de cavalo, com correspondentes olhos

castanhos que pareciam misteriosos e sedutores. Ele era alto, algo como dois

metros de altura, rivalizando até com alguns Moroi. Dampiros eram indistinguíveis

de humanos para mim, então eu até poderia admitir que ele marcava um placar

bem alto na escala de atração.

Também havia uma energia ao redor dele que não havia como você não ser

afetado. Ele estava sempre alerta, sempre preparado para o inesperado. Eu nunca

havia o visto com a guarda baixa. Ele estava constantemente pronto para atacar.

Ele era perigoso, sem dúvidas, e eu estava confortada por ele estar no nosso lado.

Eu sempre me senti segura perto dele – e um pouco cautelosa.

“Obrigada pela carona,” eu adicionei. “Eu poderia ter chamado um táxi.”

Mesmo que eu falasse, eu sabia que minhas palavras eram tão inúteis como

quando eu lhe disse que não precisava ajudar com minha bolsa.

“Sem problemas,” ele me assegurou, dirigindo adentro do subúrbio de Palm

Springs. Ele limpou suor de sua testa e de algum jeito fez isso parecer atrativo.

Mesmo tão cedo na manhã, o calor estava começando a aparecer. “Sonya

insistiu. Ainda mais, sem experimentos hoje.”

Eu franzi a testa para isso. Esses experimentos e o grande potencial que

representavam para prevenir a criação de mais Strigoi eram vastamente

importantes. Dimitri e Sonya sabiam disso e eram muito dedicados a causa –

especialmente nos fins de semana, quando Adrian e Eddie não tinham aulas – o

que fez essa notícia tão confusa. Minha própria ética de trabalho tinha dificuldades

em entender o porquê de não haver pesquisa acontecendo no domingo.

“Adrian?” eu adivinhei. Talvez ele não estivesse “no clima” para pesquisas

hoje.

“Parcialmente,” disse Dimitri. “Nós também estamos sem controle

regulamentar. Eddie disse que tinha alguns problemas e não poderia vir.”

Meu franzido se aprofundou. “Qual poderia ser o problema de Eddie?”

Eddie era intensamente dedicado também. Adrian as vezes o chamava de

mini-Dimitri. Embora Eddie estivesse indo para o ensino médio e completando

tarefas assim como eu, eu sabia que ele largaria qualquer tarefa de casa em um

instante para ajudar com o bem maior. Eu poderia achar apenas uma coisa que

seria mais importante do que achar uma “cura” para transformação em Strigoi.

Meu coração de repente acelerou.

“Jill está bem?” ela tinha que estar. Alguém teria me dito, certo? O principal

propósito de Eddie – e o meu também – em Palm Springs era mantê-la e salvo. Se

ela estivesse em perigo, isso alardearia todo o resto.

“Ela está bem,” disse Dimitri. “Eu falei com ela essa manhã. Não tenho

certeza do que está acontecendo, mas Eddie não estaria longe sem um bom

motivo.”

“Espero que não,” eu murmurei ainda desconcertada.

“Você se preocupa tanto quanto eu,” Dimitri provocou. “Não achei que isso

fosse possível.”

“É meu trabalho se preocupar. Eu sempre me certifico de que todos estão

bem”

“Algumas vezes não é algo ruim se certificar de que você está bem também.

Talvez você descubra que isso, na verdade, ajuda os outros.”

Eu zombei. “Rose sempre fez piadas sobre sua ‘Filosofia de Mestre Zen.’

Estou tento um gosto disso? Porque, se sim, eu consigo entender o motivo de ela

não ter chances contra o seus charmes.”

Isso me ganhou uma das risadas raras e genuínas de Dimitri. “Eu acho que

sim. Se você perguntar a ela, ela irá dizer que foi o empalamento e as

decapitações. Mas eu tenho certeza de que foi a Filosofia Zen que a ganhou no

final.”

Meu sorriso de resposta imediatamente se transformou em uma bocejo. Era

incrível que eu podia brincar com um dampiro. Eu costumava ter ataques de

pânico só de estar no mesmo cômodo que eles ou os Moroi. Lentamente, nos

últimos seis meses, minha ansiedade começou a se dissolver. Eu nunca deixei o

sentimento de “diferença” que tinha sobre eles, mas já havia percorrido um longo

caminho. Parte de mim sabia que era uma coisa boa que eu ainda desenhava

uma linha entre eles e humanos, mas também era bom ser flexível e fazer do meu

trabalho mais fácil. “Não tão flexível”, aquela voz Alquimista interior me avisou.

“Aqui estamos nós,” Dimitri disse, parando em frente ao meu dormitório no

Preparatório Amberwood. Se ele percebeu minha mudança de humor, não havia

dito. “ Você deveria descansar.”

“Eu vou tentar,” eu disse. “Mas eu preciso descobrir o que está acontecendo

com Eddie antes.”

O rosto de Dimitri se transformou em puro trabalho. “Se você encontrá-lo,

deveria trazê-lo hoje a noite, e nós podemos tentar deixar um pouco de trabalho

pronto. Sonya adoraria isso. Ela tem algumas novas ideias.”

Eu assenti, me lembrando que esse era o tipo de nível que precisávamos

atingir. Trabalho, trabalho e trabalho. Nós devíamos nos lembrar de nossas metas

mais altas. “Vou ver o que posso fazer.”

Eu o agradeci novamente e então adentrei, cheia de determinação em

continuar minha missão. Então, foi um pouco decepcionante quando minha mais

elevada meta foi estilhaçada tão rapidamente.

“Senhorita Melrose?”

Eu me virei imediatamente ao som do sobrenome que assumi aqui em

Amberwood. Sra. Weathers, nossa gorducha e idosa diretora de dormitório, estava

se apressando até mim. Sua face estava revestida de preocupação, o que não era

um bom presságio.

“Estou feliz que você está de volta,” ela disse. “Creio que teve uma boa visita

a sua família?”

“Sim senhora.” Se com ‘boa’ ela quis dizer ‘assustadora e perturbadora’.

Sra. Weathers acenou sobre sua mesa. “Eu preciso falar com você sobre sua

prima.”

Eu impedi uma careta enquanto me lembrava do e-mail de Jill. Prima

Angeline. Todos nós estávamos em Amberwood sob a fachada de familiares. Jill e

Eddie eram meus irmãos. Angeline era nossa prima. Isso ajudava explicar o

porquê de estarmos sempre juntos e nos envolvermos nos assuntos uns dos

outros.

Eu sentei com a Sra. Weathers e pensei exageradamente na minha cama. “O

que aconteceu?” Eu perguntei.

Sra. Weathers suspirou. “Sua prima está tendo problemas com nosso código

de vestuário.”

Isso não era uma surpresa. “Mas nós temos uniformes, senhora.”

“É claro,” ela disse. “Mas não fora das aulas.”

Isso era verdade. Eu estava usando uma calça cáqui formal e uma camisa

verde de mangas curtas, juntamente com a pequena cruz dourada que sempre

usei. Eu fiz um resumo mental do guarda roupa de Angeline, tentando lembrar se

eu havia quanto a isso. Provavelmente a parte mais assombrosa era quanto a

qualidade. Angeline havia vindo dos Keepers, uma comunidade mista de

humanos, Moroi e Dampiros que viviam nas Montanhas Appalachian. Juntamente

com a carência de eletricidade e encanamento, os Keepers decidiam fazer muitas

das suas roupas ou ao menos as usarem em caminhadas.

“Sexta-feira à noite, eu a vi usando o short jeans mais assombroso,”

continuou Sra. Weathers com um calafrio. “Eu imediatamente a castiguei, e ela me

disse que usando o short seria a única maneira de ficar confortável com o calor

que fazia lá fora. Eu dei a ela um aviso e a alertei para procurar um traje mais

apropriado. Sábado, ela apareceu usando o mesmo short e uma regata totalmente

indecente. Isso foi quando eu a suspendi para o dormitório pelo resto do final de

semana.”

“Sinto muito, senhora.” Eu disse. Realmente, eu não tinha ideia do que mais

poderia dizer. Eu passei o fim de semana presa em uma batalha épica para salvar

a humanidade, e agora... shorts jeans?

Sra. Weathers tornou-se hesitante. “Eu sei... bem, eu sei que isso não é

realmente algo que você deveria estar envolvida. É uma questão parental. Mas,

vendo como você é responsável e cuida do resto de sua família...”

Eu suspirei. “Sim, senhora. Eu vou cuidar disso. Obrigada por não aplicá-la

uma punição mais severa.”

Eu subi as escadas, minha pequena mala ficando mais pesada a cada

passo. Quando alcancei o segundo andar eu parei, incerta do que fazer. Um andar

acima me levaria ao meu quarto. Esse andar me levaria a “Prima Angeline”.

Relutantemente, eu me virei ao salão do segundo andar, sabendo que o quanto

mais cedo lidar com isso, melhor.

“Sydney!” Jill Mastrano abriu a porta do dormitório, seus olhos verdes-claros

brilhando com alegria. “Você voltou.”

“Parece que sim,” eu disse, a seguindo para dentro. Angeline também estava

lá, se espreguiçando na sua cama com um livro didático. Eu tinha plena certeza

que essa era a primeira vez que a via estudando, mas o castigo provavelmente

limitou suas opções de recreação.

“O que os Alquimistas queriam?” Jill perguntou. Ela disse de pernas cruzadas

em sua própria cama e começando a distraidamente brincar com as mechas do

seu cabelo castanho-claro cacheado.

Eu encolhi os ombros. “Papelada. Coisas chatas. Parece que as coisas

estavam um pouco mais animadas por aqui.” Isso foi pronunciado com um olhar

em direção a Angeline.

A garota dampira pulou de sua cama, com a face furiosa e os olhos azuis

piscando. “Não foi minha culpa! Aquela mulher, Weathers, estava completamente

fora dos limites!” ela exclamou, um leve arrastar sulista em suas palavras.

Uma rápida analise em Angeline não mostrou nada muito preocupante. Os

jeans azuis eram gastos, porém decentes, assim como sua camiseta. Até mesmo

seu cabelo loiro-morango de esfregão estava domesticado, amarrado atrás em um

rabo-de-cavalo.

“O que na Terra você vestiu para deixá-la tão chateada então?” Eu

perguntei.

Com uma carranca, Angeline foi até seu guarda-roupa e mostrou o par de

shorts jeans com a bainha mais rasgada que eu já havia visto. Eu pensei que eles

fossem desfiar diante dos meus olhos. Eles eram também tão curtos que eu me

surpreenderia se a sua roupa íntima fosse mostrada enquanto ela os usasse.

“Onde conseguiu isso?”

Angeline quase pareceu orgulhosa. “Eu os fiz.”

“Com o que, uma serra?”

“Eu tinha dois pares de jeans,” ela disse pragmaticamente. “Estava tão

quente, imaginei que seria bom transformar um em um shorts.”

“Ela usou uma faca da cafeteria,” Jill disse utilmente.

“Eu não achava a tesoura.” Explicou Angeline.

Minha cama. Aonde era minha cama?

“Sra. Weathers mencionou algo sobre uma camiseta indecente também,” eu

disse.

“Oh,” disse Jill. “Essa era minha.”

Eu senti minhas sobrancelhas se elevarem. “O que? Eu sei que você não

possui nada indecente.” Antes de Angeline chegar, há um mês, Jill e eu havíamos

sido colegas de quarto.

“E não é.” Jill concordou. “Exceto que não é do tamanho de Angeline.”

Eu alternei olhares entre as duas garotas e entendi. Jill era alta e magra,

como a maioria dos Moroi, com um visual muito cobiçado entre os humanos

designers de moda, um visual que eu mataria para ter. Jill tinha feito trabalhos

como modelo. Com aquele visual veio o peito modesto. O peito de Angeline... não

era tão modesto. Se ela usasse uma regata do tamanho de Jill, eu imaginei que a

integridade estrutural da camiseta seria certamente esticada a limites indecentes.

“Jill usa aquela regata o tempo todo e não se mete em problemas,” Angeline

disse defensivamente. “Eu imaginei que não haveria problema se eu pegasse

emprestada.”

Minha cabeça estava começando a doer. Ainda, eu supus que isso era

melhor do que quando Angeline foi pega namorando um cara no banheiro

masculino. “Bem. Isso foi facilmente concertado. Nós podemos ir – bem, eu posso

ir já que você está presa aqui –, e arranjar roupas do seu tamanho essa noite.”

“Oh,” Angeline disse, de repente parecendo mais bem-humorada, “você não

precisa. Eddie está lidando com isso”.

Se Jill não estivesse acenando junto, eu pensaria que isso era uma piada.

“Eddie? Eddie está comprando roupas para você?”

Angeline suspirou contente. “Isso não é legal da parte dele?”

Legal? Não, mas eu entendia por que Eddie faria isso. Comprar roupas

decentes para Angeline era provavelmente a última coisa que ele gostaria de

fazer, mas ele o faria. Como eu, ele entendia o dever. E agora eu poderia

adivinhar por que Eddie havia cancelado os experimentos – e havia sido vago

sobre sua razão de fazê-lo.

Eu imediatamente peguei meu celular e liguei para ele. Ele atendeu

imediatamente, como sempre. Eu estava certa de que ele nunca estava a mais do

que três pés de distância do seu telefone o tempo todo. “Olá, Sydney. Estou feliz

que está de volta.” Ele fez uma pausa. “Você está de volta, certo?”

“Sim, estou com Jill e Angeline. Eu entendo que você vem fazendo algumas

compras.”

Ele gemeu. “Não comece. Eu acabei de entrar no meu quarto.”

“Você gostaria de requebrar até aqui com suas aquisições? Eu preciso do

carro de volta, de qualquer jeito.”

Teve um momento de hesitação. “Você se importaria de vir aqui? No entanto

que Jill estiver bem. Ela está bem, certo? Ela não precisa de mim? Por que se ela

precisar—“

“Ela está bem.” O dormitório dele não era longe, mas eu estava esperando

tirar um rápido cochilo. Apesar disso, eu concordei, como sempre fiz. “Ok, te

encontro no saguão em cerca de quinze minutos?”

“Soa bem. Obrigada, Sydney.”

Tão logo quanto eu desliguei, Angeline perguntou animadamente, “Eddie

está vindo?”.

“Eu estou indo até ele,” eu disse.

Sua cara desabou. “Oh. Bem, acho que isso não importa já que tenho que

ficar aqui de qualquer jeito. Eu não posso esperar até estar livre novamente para

treinar. Eu gostaria de ter mais algum tempo um-a-um com ele.” Eu não havia me

dado conta do quanto focada no seu treinamento Angeline era. Na verdade, ela

parecia realmente animada com essa perspectiva.

Eu deixei o quarto e fiquei surpresa em encontrar Jill bem atrás de mim

quando a porta fechou. Seus olhos eram grandes e ansiosos. “Sydney... Sinto

muito.”

Eu a examinei curiosamente, imaginando se agora ela havia feito algo. “Pelo

o que?”

Ela gesticulou para a porta. “Por Angeline. Eu deveria ter sido melhor em

mantê-la fora de encrencas.”

Eu quase sorri. “Esse não é o seu trabalho.”

“Sim, eu sei...” Ela olhou para baixo, deixando um pouco do seu longo cabelo

cair adiante.

“Mas ainda sim. Eu sei que deveria ser mais como você. Ao invés disso, eu

só venho... você sabe, me divertindo.”

“Você está autorizada a fazer isso.” Eu disse, tentando ignorar o sutil

comentário sobre mim.

“Eu deveria ser mais responsável,” ela argumentou.

“Você é responsável” eu a assegurei. “Especialmente comparada a

Angeline.” Minha família em Utah tinha um gato, e eu tinha bastante certeza de

que ele era mais responsável que Angeline.

A face de Jill se iluminou, e eu a deixei para que eu pudesse retornar a mala

ao meu quarto. A chegada de Angeline e meu trabalho em ferrar Keith me deram

meu próprio quarto no dormitório, algo que eu estimava. Dentro dele, tudo era

quieto e ordenado. Meu mundo perfeito. O único lugar que o caos da minha vida

não alcançava. A cama perfeitamente arrumada pedia por alguém para dormir.

Começando, realmente. Em breve, eu prometi. Eu espero.

O preparatório Amberwood era dividido em três campus, Leste (onde as

garotas eram acomodadas), Oeste (onde os garotos estavam), e Central (que

continha todos os prédios acadêmicos). Um ônibus passava entre eles em uma

programação, ou almas corajosas poderia caminhar entre eles no calor. Eu

usualmente não me importava com as temperaturas, mas caminhar parecia muito

trabalhoso hoje. Então, eu peguei o ônibus para o Campus Oeste e tentei ficar

acordada.

O saguão dormitório dos meninos era bem parecido com o meu próprio,

pessoas indo e vindo para tanto quanto fazer trabalhos escolares quanto para

simplesmente aproveitar o domingo de folga. Eu relanceei em volta do saguão,

mas Eddie não estava lá ainda.

“Ei, Melbourne.”

Eu me virei e vi Trey Juarez se aproximando, um sorriso em seu rosto

bronzeado. Ele era um sênior como eu e havia pegado o apelido “Melbourne”

depois de nossos professores se provarem incapazes de lembrar de Melrose.

Honestamente, com todos esses nomes, eu estava admirada que eu ainda

soubesse quem eu era.

“Ei, Trey,” eu disse. Trey era um genuíno astro de futebol americano – mas

ainda inteligente, não importava o quanto ele tentasse esconder. Nós nos demos

bem, e minha ajuda em restaurar seu status atlético no último mês tinha sido um

longo caminho para aumentar-me aos seus olhos. Uma mochila estava pendurada

em um de seus ombros. “Você está finalmente terminando aquela resenha do

laboratório de química?”

“Sim,” ele disse. “Eu e a metade do esquadrão das líderes de torcida. Quer

se juntar a nós?”

Eu rolei meus olhos. “De alguma maneira eu duvido que vai ter muito

trabalho acontecendo. Além do mais, vou encontrar Eddie.”

Trey encolheu os ombros e penteou seu cabelo negro e desobediente para

fora dos olhos. “Sua perda. Te vejo amanhã.” Ele tomou dois passos e depois me

deu uma olhada novamente. “Ei, você está saindo com alguém?”

Eu imediatamente comecei a dizer “não”, e então um pensamento cheio de

pânico me ocorreu. Eu tinha a tendência de levar as coisas muito literalmente.

Minhas amigas, Kristin e Julia, veem tendo tentado me ensinar as sutilezas da

vida social do high school. Uma de suas principais lições era que o que as

pessoas dizem não era sempre o que queriam dizer – particularmente em

questões românticas.

“Você está... está me chamando para sair?” eu perguntei, pega de surpresa.

Essa era a última coisa que eu precisava agora. Como eu deveria responder? Eu

deveria dizer que sim? Deveria dizer que não? Eu não tinha ideia de que o ajudar

com a tarefa de química seria tão sedutor. Eu deveria ter o feito fazê-la ele

próprio.

Trey parecia tão surpreso pelo pensamento quanto eu. “O que? Não. É claro

que não.”

“Graças a Deus,” eu disse. Eu gostava de Trey, mas não tinha interesse em

sair com ele – ou descobrir como o jeito certo de dizer “não” seria.

Ele me deu um olhar sarcástico. “Você não precisa parecer tão aliviada.”

“Desculpe,” eu disse, tentando mascarar minha vergonha. “Por que

perguntou?”

“Por que eu conheço o cara perfeito para você. Tenho certeza que ele é sua

alma gêmea.”

Nós estávamos de volta em um território familiar agora: lógica versus falta de

lógica. “Eu não acredito em almas gêmeas,” eu disse. “É estatisticamente

insensato que há apenas uma pessoa ideal para mim no mundo.” E ainda, por

meio momento, eu desejei que isso fosse meio que possível. Seria legal ter

alguém que entendesse alguma das coisas que passassem pela minha cabeça.

Trey rolou os olhos. “Ok. Não uma alma gêmea. Que tal só alguém que você

poderia sair de vez em quando e ter um bom tempo?”

Eu balancei minha cabeça. “Não tenho tempo para nada como isso.” E eu

não tinha. Deixando tudo em ordem com o grupo e fingindo ser uma estudante era

um trabalho integral como isso era.

“Estou te dizendo, você vai gostar dele. Ele vai à escola pública e acabou de

começar no Spencer’s.” Spencer’s era uma loja de café que Trey trabalhava, um

arranjo me que me fornecia descontos. “No outro dia, ele estava discutindo sobre

respiração aeróbica versus aneróbica, e eu estava pensando, ‘Você sabe como

isso soa? Melbourne. ’”.

“É respiração anaeróbica,” eu corrigi. “E isso ainda não significa que tenho

tempo. Desculpa.” Eu tinha que admitir, eu estava imensamente curiosa sobre

como o tópico surgiu entre baristas, mas imaginei que não era melhor encorajar

Trey.

“Ok,” ele disse. “Não diga que nunca tentei te ajudar.”

“Não sonharia com isso,” eu o assegurei. “Ei, lá está o Eddie.”

“Minha deixa para ir, então. Vejo vocês.” Trey fez uma saudação zombada a

mim e Eddie. “Não esqueça da minha oferta se quiser um encontro quente,

Melbourne.”

Trey saiu, e Eddie me lançou um olhar espantado. “O Trey acabou de te

chamar para sair?”

“Não. Ele só tem algum colega com quem quer me juntar.”

“Talvez não seja uma má ideia.”

“É uma ideia terrível. Vamos lá para fora.”

O calor desértico não parecia ligar se era outubro, e eu nos guiei até um

assento nas paredes estuques do dormitório. Uma sombra parcial das palmeiras

próximas oferecia um parco alívio. As pessoas juravam que a temperatura iria

diminuir em breve, mas não havia sinais de mudança. Eddie me deu minhas

chaves do carro e uma sacola de compras de uma loja local.

“Eu tive que adivinhar o tamanho,” ele me disse. “Na dúvida, optei pelo

grande. Achei que seria mais seguro desse jeito.”

“Provavelmente.” Eu sentei no banco e empilhei suas aquisições. Jeans,

cáquis, algumas camisetas coloridas. Elas eram muito práticas, muito mais do que

um cara sem essas noções como Eddie pegaria. Eu aprovei. “O tamanho, na

verdade, está certo. Bom olho. Nós temos que te mandar as compras com mais

frequência.”

“Se isso é o que tenho que fazer,” ele disse seriamente. Eu não pude evitar a

risada surpresa.

“Eu estava brincando.” Eu pus as camisetas de volta na mala. “Eu sei que

isso não foi engraçado.” A cara de Eddie não mudou. “Oh, qual é. Está tudo bem.

Você não precisa ficar estoico comigo. Eu sei que você não se divertiu.”

“Estou aqui para trabalhar. Não importa se eu me divirto ou não.”

Eu comecei a protestar mas então eu pensei melhor. Afinal, essa não era

minha filosofia também? Sacrificar minhas vontades para o objetivo maior? Eddie

era intensamente dedicado a sua missão. Ele nunca desistia. Eu não esperava

nada menos dele do que um foco enorme.

“Então, isso significa que você está disponível para alguns experimentos hoje

a noite?” eu perguntei.

“É clar—“ ele parou e reconsiderou. “Jill e Angeline estão vindo?”

“Não. Angeline está em prisão domiciliar.”

“Graças a Deus.” Ele disse com alívio visível.

A reação dele era, provavelmente, a coisa mais surpreendente para

acontecer hoje. Eu não poderia imaginar o porquê de Eddie parecer tão aliviado.

Fora sua lealdade de guardião à Jill, ele também era louco por ela. Ele teria feito

qualquer coisa por ela, mesmo que não fosse seu trabalho, mas ele se recusava a

compartilhar seus sentimentos com ela. Ele pensava que era indigno de uma

princesa. Um pensamento inquieto me ocorreu.

“Você está... está evitando Jill por causa dela e de Micah?”

Micah era o colega de quarto de Eddie, um cara legal que causava a Eddie

todos os tipos de terapia de trauma por que era muito similar ao melhor amigo

morto de Eddie, Mason. Micah também tinha um estranho pseudo-relacionamento

com Jill. Nenhum de nós estava feliz com isso, já que (exceto para os Keepers)

humanos namorando Moroi ou dampiros era estritamente um tabu. Nós tínhamos

finalmente decidido que seria impossível manter Jill de uma vida social, e ela jurou

que nada sério ou físico iria acontecer entre ela e Micah. Eles só passavam muito

tempo juntos. E flertavam incessantemente. Ele não sabia a verdade sobre ela,

mas eu imaginava em que ponto ele iria querer mais do relacionamento. Eddie

continuava insistindo que seria melhor para Jill ter um relacionamento casual com

um humano do que um com um dampiro “indigno” como ele, mas eu sabia que

isso devia ser tortura.

“É claro que não,” disse Eddie nitidamente. “Não é Jill que quero evitar. É

Angeline.”

“Angeline? O que ela fez agora?”

Eddie correu a mão pelo cabelo em frustração. O dele era de cor loiro-areia,

não muito longe do meu, que era de um dourado-escuro. A similaridade nos fez

facilmente passar como gêmeos.

“Ela não me deixa em paz! Ela está sempre deixando esses comentários

sugestivos quando estou por perto... e ela não vai parar de me encarar. Como,

você não pensaria que isso é aterrorizante, mas é. Ela está sempre assistindo. E

eu não posso evitá-la por que ela está com Jill o tempo inteiro, e eu tenho que

manter Jill a salvo.”

Eu repensei nas interações recentes. “Você tem certeza de que está

entendendo isso certo? Eu nunca notei nada antes.”

“Isso é porque você não nota esse tipo de coisa,” ele disse. “Você não pode

imaginar quantas desculpas ela encontra para se esfregar em mim.”

Depois de ver o short feito em casa dela, eu poderia realmente imaginar. “Uh,

bem. Talvez eu possa falar com ela.”

Em um átimo, Eddie se posicionou novamente em modo de negócios. “Não.

É um problema meu. Minha vida pessoal. Eu vou lidar com isso.”

“Você tem certeza? Porque eu posso—“

“Sydney,” ele disse gentilmente. ”Você é a pessoa mais responsável que eu

conheço, mas você não está aqui para fazer isso. Você não tem que cuidar de

tudo e de todos.”

“Eu não me importo,” eu disse automaticamente. “É para isso que estou

aqui.” Mas mesmo quando eu disse, eu imaginei se era verdade. Um pouco da

ansiedade que senti no abrigo subterrâneo retornou, me fazendo questionar se o

que eu fiz era verdadeiramente responsabilidade dos Alquimistas ou desejo de

ajudar aqueles que – contra o protocolo – tinham se tornado meus amigos.

“Vê? Agora você soa como eu soei mais cedo.” Ele ficou de pé e me lançou

um sorriso. “Você quer vir comigo até o Adrian? Ser responsáveis juntos?”

As suas palavras tinham a intenção de elogiar, mas elas ecoaram muito

como o que os Alquimistas tinham me dito. E Sra. Weathers. E Jill. Todos

pensavam que eu era incrível, tão responsável e controlada.

Mas se eu era tão incrível, então por que eu era sempre tão insegura de que

estava fazendo a coisa certa?

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