15:47 da tarde
Eles acabaram de me tirar da sala de recuperação para a Unidade de Terapia
Intensiva, ou UTI. É uma sala com formato de ferradura com cerca de uma dúzia
de camas e um quadro de enfermeiras, que constantemente estão ocupadas,
lendo os computadores que estão no pé de nossas camas gravando nossos
sinais vitais. No meio da sala tem mais computadores e uma grande mesa, onde
outra enfermeira está sentada.
Eu tenho duas enfermeiras cuidando de mim, junto com uma quantidade
infinita de médicos. Um é um homem calado com cabelo loiro e bigode, que eu
não gosto muito. E a outra é uma mulher com uma pele tão preta que é azul e
tem ritmo na sua voz. Ela me chama de “querida” continuamente ajeita meus
cobertores, embora não seja como se eu estivesse chutando eles.
Tem tantos tubos ligados a mim que eu não consigo contar todos: um na
minha garganta respirando por mim; um no meu nariz, mantendo meu
estomago vazio; um na minha veia, me hidratando; um na minha bexiga, me
permitindo urinar; vários no meu peito, gravando o batimento cardíaco; outro
no meu dedo, gravando meu pulso. O ventilador que está me fazendo respirar
tem um ritmo suave como um metrônomo, para dentro, pra fora, pra dentro,
pra fora.
Ninguém, fora os doutores e enfermeiras e a assistente social, veio me
ver. É a assistente social que conversa com vovó e vovô em um tom quieto e
simpático. Ela diz a eles que estou em condição “grave.” Não tenho absoluta
certeza do que isso significa – grava. Na TV, os pacientes estão sempre em
estado critico ou estáveis. Grave soa ruim. Grave é o que você usa quando as
coisas não funcionam aqui.
“Eu queria que pudéssemos fazer alguma coisa,” vovó diz. “Eu me sinto
tão inútil só esperando.”
“Eu vou ver se consigo permissão para que vocês a vejam daqui a pouco,”
a assistente social diz. Ela tem um cabelo grisalho com frizz e uma mancha de
café na sua blusa: o rosto dela é gentil. “Ela ainda está sedada por causa da
cirurgia e está num ventilador que ajuda ela a respirar enquanto seu corpo se
cura do trauma. Mas pode ajudar até para pacientes em estado de coma ouvir
seus amados.”
Vovô geme em resposta.
“Vocês tem alguém para quem possam ligar?” a assistente social
pergunta. “Parentes que podem vir para cá com vocês. Eu entendo que isso
deve ser muito difícil para vocês, mas quanto mais forte vocês puderem ser,
mais irá ajudar Mia.”
Eu me surpreendo quando ouço a assistente social falar meu nome. É um
lembrete chocante de que é de mim que eles estão falando. Vovó diz a ela sobre
as farias pessoas que estão a caminha agora mesmo, tias, tios. Eu não ouço
nenhuma menção de Adam.
Adam é quem eu realmente quero ver. Eu queria saber onde ele está para
poder ir lá. Não faço ideia de como ele vai descobrir sobre mim. Vovó e vovô
não tem o celular dele. Eles não carregam celular, então ele não pode ligar para
eles. As pessoas que normalmente passariam a informação de que algo
aconteceu comigo não estão em posição para fazer isso.
Eu estou parada sobre os tubos que estão na forma sem vida que sou eu.
Minha pele está cinza. Meus olhos estão fechados com fita. Eu queria que
alguém pudesse tirar a fita. Parece coçar. A gentil enfermeira aparece. O avental
dela tem pirulitos nele, embora essa não seja a unidade pediátrica. “Como
estamos indo, querida?” ela me pergunta, como se tivéssemos acabado de nos
encontrar na mercearia.
As coisas não começaram tão bem com Adam e eu. Eu acho que tinha essa ideia
de que o amor conquista tudo. E até a hora que ele me levou para casa depois
do concerto de Yo-Yo Ma, eu acho que nós dois estavamos cientes que estamos
nos apaixonando. Eu pensei que chegar a essa parte era o desafio. Nos livros e
filmes, as histórias sempre acabam quando as duas pessoas finalmente tem seu
beijo romântico. O viveram felizes para sempre é assumido.
Não funcionou bem desse jeito para nós.Acabou que sair de cantos tão
distantes do universo social teve suas desvantagens. Continuamos a nos ver na
ala musical,mas essas interações permaneceram apenas platônicas, como se
nenhum de nós quisesse mexer com uma coisa boa. Mas sempre que nos
encontrávamos em outros lugares na escola – quando sentávamos juntos na
lancheria ou estudávamos lado a lado na quadra num dia ensolarado – algo
estava errado. Estavamos desconfortáveis. A conversa era dura. Um de nós ia
dizer algo e outro começava a dizer outra coisa ao mesmo tempo.
“Fale você,” eu digo.
“Não, fale você,” Adam respondia.
A educação era dolorosa. Eu queria passar por ela, e voltar para o brilho
da noite do concerto, mas não tinha certeza de como voltar lá.
Adam me convidou para ver sua banda tocar. Isso foi ainda pior que a
escola. S eu me sentia como um peixe fora da água com minha família, eu me
sentia como um peixe em marte no circulo de Adam. Ele estava sempre cercado
de pessoas funk e cheias de vida, por garotas bonitas que tingiam seus cabelos e
tinham piercings, por caras que se animavam quando Adam falava de rock com
eles. Eu não podia fazer o negocio de groupie. E eu não sabia como falar de
rock. Era uma linguagem que eu deveria ter entendido, sendo musica e a filha
de papai, mas eu não entendi. Era como pessoas que falam mandariam podem
meio que entender cantonês mas não de verdade, embora pessoas que não são
chinesas assumem que todos os chineses se comunicam uns com os outros,
embora mandariam e cantonês sejam diferentes.
Eu temia ir a shows com Adam. Eu não sentia ciúmes. E também não era
porque eu não gostava do tipo de música dele. Eu amava ver ele tocar. Quando
ele estava no palco, era como se a guitarra fosse um quinto membro, uma
extensão natural de seu corpo. E quando ele saia do palco depois, ele estaria
suado mas era um suor tão limpo que parte de mim estava tentada a lamber a
lateral de seu rosto, como se fosse um pirulito. Mas eu não fazia isso.
Quando os fãs apareciam, eu me afastava. Adam tentava me trazer de
volta, envolver um braço ao redor da minha cintura, mas eu me soltava e
voltava para as sombras.
“Você não gosta mais de mim?” Adam me perguntou depois do show. Ele
estava brincado, mas eu podia sentir a dor atrás da pergunta.
“Eu não sei se deveria continuar a vir para seus shows,” eu disse.
“Porque não?” ele perguntou. Dessa vez ele não estava tentando disfarçar a
magoa.
“Eu sinto como se estivesse te impedindo de aproveitar tudo. Eu não quero
que você se preocupe comigo.”
Adam disse que ele não se importava de se preocupar comigo, mas eu
percebia que parte dele se importava.
Provavelmente teríamos terminado naquelas primeiras semanas se não
fosse por minha casa. Na minha casa, com minha família, nós encontrávamos
algo em comum. Depois de estarmos juntos por um mês, eu levei Adam para
casa comigo para seu primeiro jantar em família conosco. Ele estava na cozinha
com papai, falando sobre rock. Eu observei, e ainda não entendia metade
daquilo, mas diferente dos shows eu não me sentia excluída.
“Você joga basquete?” Papai perguntou. Quando se trata de falar de
esportes, papai é um fanático por Baseball, mas quando se trata de jogar, ele
adora fazer cestas.
“Claro,” Adam disse. “Eu quero dizer, não sou muito bom.”
“Você não precisa ser bom;só precisa estar compromissado. Quer jogar uma
partida rapida? Você já está usando seus tênis de basquete,” papai disse,
olhando para os tênis de Adam. Então ele virou na minha direção. “Se importa?”
“Nenhum pouco,” eu disse sorrindo. “Posso praticar enquanto você joga.”
Eles foram para a quadra atrás de uma escola. Eles voltaram 45 minutos
depois. Adam estava coberto de suor e parecia um pouco deslumbrado.
“O que aconteceu?” eu perguntei.”O velho acabou com você?”
Adam balançou seu resto e acenou ao mesmo tempo. “Bem, sim. Mas não
desse jeito. Fui picado por uma abelha na minha palma enquanto jogávamos.
Seu pai agarrou minha mão o sugou o veneno para fora.”
Eu acenei. Esse era um truque que ele aprendeu com vovó, e
diferentemente do veneno de cobra, na verdade funciona com picadas de
abelha. Você tira o ferrão e o veneno, então você fica apenas com uma coceira.
Adam deu um sorriso embaraçado. Ele se inclinou para frente e sussurrou
no meu ouvido: “Eu acho que fiquei um pouco aborrecido por ter ficado mais
intimo com seu pai do que com você.”
Eu ri disso. Mas meio que era verdade. Nas poucas semanas que estavamos
juntos, não tínhamos feito muito mais do que nos beijar. Eu não era uma
puritana. Eu era virgem, mas eu certamente não era devotada a permanecer
assim. E Adam certamente não era virgem. Era mais porque nosso beijo sofria
da mesma dolorosa educação que nossas conversas.
“Talvez devêssemos remediar isso,” eu murmurei.
Adam ergueu suas sobrancelhas como se estivesse me fazendo uma
pergunta. Eu corei em resposta. Por todo o jantar, sorrimos um para o outro
enquanto ouvíamos Teddy, que estava falando sobre um asso de dinossauro
que ele aparentemente tinha desenterrado do quintal aquela tarde. Papai fez
seu famoso assado, que era meu prato favorito, mas eu não estava com fome.
Eu brinquei com a comida no meu prato, esperando que ninguém notasse.
Enquanto isso, um pequeno buzz estava crescendo dentro de mim. Eu pensei no
diapasão que eu usava para ajustar meu violoncelo. Acertando as vibrações na
nota A – vibrações que ficavam crescendo, e crescendo, até que o piche
preenchia o lugar todo. Era isso que o sorriso de Adam estava fazendo comigo
durante o jantar.
Depois da refeição, Adam deu uma rapida olhada no fóssil de Teddy, e
então subimos para meu quarto e fechamos a porta. Kim não tem permissão
para ficar sozinha em sua casa com garotos – não que a oportunidade surgisse.
Meus pais nunca mencionaram nenhuma regra sobre esse assunto, eu tinha o
pressentimento que eles sabiam o que estava acontecendo entre Adam e eu, e
embora papai bancasse o Papai Sabe Melhor, na verdade, ele e mamãe eram
perdedores quando se tratava de amor.
Adam deitou na minha cama, esticando seus braços acima de sua cabeça. O
rosto dele todo estava sorrindo – olhos, nariz, boca. “Toque,” ele disse.
“O que?”
“Eu quero que você toque em mim como no violoncelo.”
Eu comecei a protestar de que isso não fazia sentido, mas então percebi que
fazia perfeito sentido. Eu fui para meu armário e agarrei meu arco. “Tire sua
camisa,” eu disse, minha voz tremula.
Adam tirou. Por mais magro que ele fosse, ele era surpreendentemente
musculoso. Eu podia passar 20 minutos observando os contornos e vale do
peito dele. Mas ele me queria mais perto. Eu queria estar mais perto.
Eu sentei perto dele na cama então o corpo dele estava esticando na minha
frente. O arco tremeu enquanto eu o colocava na cama. Eu me estiquei e com
minha mão esquerda acariciei a cabeça de Adam como se fosse a voluta do meu
violoncelo. Ele sorriu de novo e fechou seus olhos. Eu toquei seus ouvidos como
se eles fossem as cravelhas e então eu brincado fiz cócegas nele enquanto ele
ria suavemente. Eu coloquei dois dedos no pomo de adão dele. Então,
respirando fundo buscando coragem, eu mergulhei no peito dele. Eu passei
minhas mãos para cima e para baixo, até seu torço, me focando nos tendões
dos músculos dele, designando cada nota – A,G,C,D. Eu então as tracejei, uma
por vez, com a ponta de meus dedos. Adam ficou silencioso então, como se
estivesse se concentrando em algo.
Eu peguei o arco e passei pelos lábios dele, onde eu imaginava onde o
cavalete do violoncelo estaria. Eu toquei levemente a principio e então com
mais força e velocidade enquanto a música que agora tocava em minha cabeça
aumentava sua intensidade. Adam ficou perfeitamente parado, pequenos
gemidos escapando dos seus lábios. Eu olhei para o arco, olhei para minhas
mãos, olhei para o rosto de Adam, e senti uma onda de amor, luxuria, e um
desconhecido sentimento de poder. Eu nunca soube que eu poderia fazer
alguém se sentir desse jeito.
Quando eu terminei, ele levantou e me deu um beijo longo e profundo.
“Minha vez,” ele disse. Ele me levantou e começou tirando o suéter por cima da
minha cabeça e baixando um pouco meus jeans. Então ele sentou na cama e me
deitou pelo seu colo. A principio Adam não fez nada a não ser me segurar. Eu
fechei meus olhos e tentei sentir seus olhos no meu corpo, me vendo como
mais ninguém tinha.
Então ele começou a tocar.
Ele tocou as cordas no meu peito, o que fez cócegas e me fez rir. Ele
gentilmente passou suas mãos para baixo. Eu parei de rir. A batida se
intensificou – suas vibrações crescendo cada vez que Adam me tocava em
algum lugar novo.
Depois de um tempo ele mudou para um estilo mais espanhol, mudando o
tipo de toque. Ele usou a parte de cima do meu corpo como o fret board,
acariciando meu cabelo, meu rosto, meu pescoço. Ele puxou meu peito e
barriga, mas eu podia sentir ele em lugares que suas mãos não estavam nem
perto. Enquanto ele tocava, a energia aumentou; o diapasão ficando maluco
agora, enviando vibrações por toda parte, até que todo meu corpo estava
zunindo, até que eu fiquei sem fôlego. E quando senti que não ia agüentar mais
nenhum minuto, o rodamoinho de sensações atingiram um vertiginoso
crescendo, fazendo todas as terminações nervosas do meu corpo ficarem
alertas.
Eu abri meus olhos, aproveitando o calor que estava passando por mim. Eu
comecei a rir. Adam também. Nos beijamos por mais um tempo até que
finalmente foi hora dele ir pra casa.
Enquanto eu andava com ele até seu carro, eu queria dizer que eu o amava.
Mas parecia algo clichê depois do que havíamos feito. Então esperei e disse a
ele no dia seguinte. “Isso é um alivio. Eu pensei que você só estava me usando
para sexo,” ele brincou, sorrindo.
Depois disso, ainda tivemos nossos problemas, mas ser educado demais um
com um outro não foi um deles.
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