Era uma noite sombria, as estrelas escondiam-se por trás das densas
nuvens de inverno no Rio de Janeiro. Os ventos causavam o farfalhar das copas
das árvores que rodeavam a humilde casa de Feli... Ok, não dá, esse lance de
escrever romanticamente que nem livro religioso que jura que um homem foi pra
uma cabana e encontrou Jesus não é comigo.
A verdade é a seguinte: muita gente tenta dramatizar as histórias para poder
contá-las de um modo interessante, mais ou menos como o Mark Zuckerberg, que
criou o Facebook no seu quarto lá em Harvard e fizeram um filme absolutamente
dramatizado como se tudo tivesse sido uma incrível aventura. Provavelmente ele
tinha acabado de fechar o site de pornografia, lavado as mãos e teve uma ideia
interessante pra tentar comer mulher. A história do Não Faz Sentido é assim. Ok,
não é exatamente assim, pois não envolve nem pornografia e nem mulher, mas é
tão simples quanto essa.
Na verdade, para chegarmos à noite em que tudo começou, precisamos voltar
um pouco a fita (fita? Os adolescentes de hoje não devem fazer a menor ideia do
que é uma fita. Enfim, bora dar rewind no Blu-Ray).
Eu tinha um blog chamado Controle Remoto. Nele, eu postava textos
pseudointelectuais no ápice de meu “incrível” conhecimento social com ridículos
21 anos. Como todo jovem que curte leitura e descobre algumas coisas antes de
seus amiguinhos, eu achava que era genial, que tinha as respostas pra vida.
Escrevia como se tivesse total noção de tudo do que eu falava, mas sempre ficava
com vergonha dos textos quando os relia uns seis meses depois. Coisa irritante de
adolescente, sabe? Acha que entende de tudo e que suas verdades são absolutas.
Se você é adolescente e se encaixa nessa descrição, é bom que já saiba: você
ainda vai dar muita risada de si mesmo. Ora, eu ainda vou também;
provavelmente quando eu reler este livro daqui a uns anos vou bater com ele na
cara e dar risada do quão idiota eu era. Mas quer saber a real? ... E daí? Eu jamais
teria conseguido nada se não fosse pelo Controle Remoto, pois foi por ele que
descobri que era legal estudar a fundo temas interessantes, escrever sobre eles e
depois observar os comentários. Meus radicalismos e minha soberba
pseudointelectual me fizeram despertar interesse por assuntos que eu não
dominava, e isso, por si só, já é uma boa razão para se ser um adolescente
sabichão meio babaca. Por sinal vale ressaltar que ainda sou assim.
O blog ia bem, mais ou menos cinco mil visitas únicas por dia. É incrível o
poder da internet. Se você tem algo a dizer, com certeza tem alguém pra escutar.
Ou ler. Menos os cegos. Como os cegos usam a internet? Tenho que pesquisar
sobre isso. Ai, cacete, eu já estou fugindo totalmente do que estava falando, coisa
que deve acontecer muito por aqui, uma vez que minha capacidade de
concentração é a mesma de um cachorro que você coloca pra ler um livro quando
tem um pedaço de carne do lado (pois é, cachorros não leem livros). Enfim, o
blog ia bem, mas a realidade é que nunca consegui ser feliz apenas escrevendo
palavras numa tela para pessoas ficarem se digladiando embaixo, concordando ou
discordando do que estava escrito. Eu sempre fui feliz escrevendo, desde a época
do colégio, onde minha matéria favorita era Redação. Mas só aquilo não me
bastava.
Agora uma pausa. Para compreender melhor ainda a razão pela qual eu
comecei o Não Faz Sentido, é preciso voltar ainda mais. Quando escrevia no
blog, eu tinha 21 anos, mas agora vamos voltar mais sete anos, para o ano de
2001.
O cenário era o Colégio Metropolitano, no subúrbio do Rio de Janeiro, mais
ou menos próximo da minha casa, que ficava numa região bem pobrezinha
chamada Engenho Novo. Pra se ter uma ideia de como eu morava mal, meu
ponto de referência era o “Buraco do Padre”. Ninguém pode dizer que mora bem
quando precisa falar pro taxista: “Entra no buraco do padre.” Mas o colégio era
bom, na verdade, o único luxo que eu tinha – meus pais não tinham dinheiro para
eu comprar lanche no recreio, mas o esforço era sobre-humano para que eu
pudesse frequentar uma escola de bom nível. Aliás, pai, mãe, eu não estou no Jô
e nem na Xuxa, mas quero aproveitar pra deixar um beijo pra vocês.
Ai, como eu sou fofo.
Ou viado.
Tinha 13 anos na época e, acreditem, já era metido a espertão. Já nessa época
eu sabia que nunca teria condições de fazer um vestibular. A realidade é que as
matérias de exatas (tais quais matemática, física, química, biologia etc.) me
causavam mais que repúdio: eu era extremamente alérgico a elas. Nunca consegui
estudar coisas pelas quais eu não cultivava o menor interesse, o que era um
verdadeiro terrorismo para um estudante. Lembra que eu falei que este livro não
traria nada de relativamente bom pra mudar a sua vida? Pois é, já começamos por
aqui: eu não era bom aluno e sinceramente não gostava nem um pouco do
esqueminha de aula. Meus lances na escola eram somente estes: redação e
educação física, dos quais eu só mantive a redação na vida adulta. Esse
sedentarismo me consome.
Uma coisa vale ser ressaltada em parêntese no formato de parágrafo aqui.
Quem acompanha o Não Faz Sentido está cansado de saber das minhas críticas
aos adolescentes. Bem, sabe como eu era nesse período? Viciado em Pokémon e
tinha colecionado o álbum das Chiquititas. Completei, inclusive..... Yuhu.
Chiquititas, ah, sim, essa novela é muito importante ao contar essa história, por
isso, se me permitem, vou voltar mais alguns anos, mas prometo que voltarei
rapidinho.
Ano de 1997, eu tinha 9 aninhos e assistia à Chiquititas como se não houvesse
amanhã. As aventuras de Mile, Vivi, Cris, Pata e Mosca eram superinteressantes,
a ponto de eu até ter desejado ter tido a chance de crescer num orfanato. É
impressionante o que essas obras artísticas fazem com as pessoas, né? Até hoje
espero minha carta de Hogwarts, que nunca chegou. Mas, enfim, por que eu
voltei até os meus 9 anos pra falar sobre Chiquititas? Porque foi nesse período
que demonstrei provavelmente meu primeiro desejo artístico, quando disse pra
minha mãe: “Mamãe” – sim, eu chamava de mamãe, eu tinha 9 anos, caceta! –
“me leva pra fazer teste pra entrar na Chiquititas?”. A resposta de Dona Rosa foi:
“Claro, filho, amanhã vemos isso.” Infelizmente na época eu ainda não tinha
desenvolvido meu radar para interpretar esse tipo de frase como: “Aham, Cláudia,
agora senta lá” – minha mãe nunca me levou para fazer o teste. Viu, mãe? Eu
lembro disso. A questão é que foi com Chiquititas que me interessei pela primeira
vez em ser ator. Hm... Mas calma, só um parágrafo e já volto.
Ano de 1994, eu com 6 anos, passando o Natal em Maricá com a família do
meu pai. Naquele ano, não sei por que diabos, reuni a família ao redor da piscina
e fiz uma performance de Latino ao som de “Oh, Baby, me leva, me leva que eu
te quero, me leva” junto com meus primos; vou colocar os nomes completos deles
aqui para acabar com as suas vidas: Alan Perrone Pereira, Marcel Vidal de
Albuquerque e Mariana Nascimento Vieira. Se você conhece um dos três, por
favor, dê risada da cara deles. Enfim, fiz a mesma coisa no ano seguinte e só
escrevi esse parágrafo pra mostrar como eu era quando criança: retardado e meio
gay.
Voltando para o Colégio Metropolitano (não falei que era rápido?): aos 13
anos, nunca tinha deixado pra lá meu desejo de atuar. Entre meu desempenho
supermediano no colégio e meu desinteresse pelo que de fato me cercava, decidi
tentar a sorte no patamar de cima: o teatro. Digo patamar de cima porque o
auditório ficava lá no último andar: um teatro superaconchegante com 250
lugares, mas com um defeito inesquecível: era mais quente que o inferno. Pois é,
era mais quente que Bangu.
Mais uma citação sobre minha mãe, que não me levou para o teste de
Chiquititas: foi somente nesse ano que entendi a razão. Quando informei que
entraria para o teatro do colégio, ela, misturando minhas apresentações de Latino
aos 6 anos e meu interesse em entrar na novela Chiquititas, respondeu de batepronto:
“Ferrou... vai virar viado.” Tadinha da mamãe, quem não teria pensado a
mesma coisa? Vale ressaltar uma coisa... Eu sou gay, exceto por um detalhe: só
gosto de mulher. Tirando isso, meu comportamento homossexual vai desde
dançar soltando a franga quanto toca Lady Gaga até correr enlouquecido de
baratas voadoras. Enfim, chega de constrangimento e vamos voltar ao teatro do
colégio.
A diretora era Salete Bernardi, uma mulher encantadora e por quem logo me
apaixonei, tipo uma mãezona. Lembro-me bem da primeira aula. Fui introduzido
ao grupo, no qual, por mais que tivesse alguns amigos já dos andares inferiores,
sentia-me como um estranho no ninho. Mas alguma coisa me dizia que aquele era
o local onde eu mais me sentiria em casa, muito diferente do colégio em si, ou da
minha rua, onde jogava bola descalço no paralelepípedo e que por isso quebrei os
dedos dos pés e arranquei os tampões dos dedões inúmeras vezes. Logo na
primeira aula, a turma foi dividida em grupos de quatro (grupos com quatro
integrantes; favor, não imaginar todo mundo de quatro numa aula de teatro, as
coisas também não são nesse nível, pelo menos não no teatro de colégio). A
questão é que o teatro do Colégio Metropolitano tinha uma coisa especial: ele não
era como os teatrinhos de colégios tradicionais. Era um grupo mesmo,
pseudoprofissional-amador, quer dizer, a galera se desligava completamente da
escola e se preparava o ano inteiro para apresentar a peça no final do ano, com
casa absurdamente lotada. Era hard-core, dedicação total, e foi exatamente por
isso que me apaixonei perdidamente.
Voltando à primeira aula, com os grupos divididos, tínhamos 10 minutos para
elaborar um esquete. Não lembro qual era o tema, mas lembro que fiquei no
grupo do ator que era mais experiente por ali. Pedro alguma coisa. Um cara meio
gordinho, muito bom no palco e que eu considerava genial por já ter visto peças
com ele. A ideia do cara? Faríamos um esquete sobre luta livre, onde ele seria o
fortão e eu, o magrelo meio bisonho que fugia dele o tempo inteiro no ringue.
Magrelo? Pois é, meus amigos, hoje em dia eu sou uma pessoa magra, mas
naquela época eu tinha o porte do Cazuza mais ou menos na última semana de
vida. Enfim, só o que posso dizer é que, mesmo sendo a primeira aula de teatro
que tive na vida, quando subi no palco senti que não queria mais descer. O
esquete começou e eu corri, pulei, berrei enlouquecidamente, tomei soco, caí no
chão, bati com a cabeça, levantei, ralei o joelho e no final a cena ficou uma
merda. E daí? Eu estava mais feliz do que já tinha sido. Tinha dado início a
minha vida como ator, aos 13 anos, no teatro em que permaneci até os 17, fiz
duas peças no papel principal sempre com casa lotada: Sonho de uma Noite de
Verão e o musical Grease, com direito a cantar ao vivo. Ganhei dois prêmios:
revelação do ano e melhor ator, que guardo até hoje na prateleira e trato com
muito maior importância que os outros. Até hoje sinto vontade de chorar quando
me lembro do cheiro daquele auditório, uma mistura de suor com desodorante
barato e a madeira antiga do palco. Bons tempos...
Agora podemos voltar finalmente para o blog. Eu com 20 anos, escrevendo
sobre coisas da vida. Lembram que eu falei que não conseguia ser inteiramente
feliz apenas escrevendo na internet? Isso era porque algo faltava, algo
fundamental. Eu largara o teatro do colégio aos 17 anos, faltando duas semanas
para a estreia de Dom Quixote, um musical em que eu fazia o próprio:
provavelmente uma das decisões mais estúpidas da minha vida. Fiquei dois anos
sem atuar, graças a um relacionamento cheio de ciúme, e eu, com minha
inocência e inexperiência, cedi a caprichos totalmente equivocados. O amor
adolescente cega e no meu caso não foi diferente. Foi somente após o término
que entrei na CAL (Casa das Artes de Laranjeiras), e onde não consegui ficar
muito tempo por conta das péssimas condições financeiras que sempre me
cercaram. Quando cheguei aos 21 anos e estava escrevendo no blog, eu já tinha
interrompido a CAL e estava no pior momento da vida. Para explicar esse
momento, preciso contar a história do ano de 2008: o ano das trevas, da
escuridão, do desespero, do... Ah, ok, vocês já entenderam.
O ano de 2008 começou como outro ano qualquer. Eu era noivo na época.
Pois é, 20 anos e já era noivo. Cheguei a citar que sou absurdamente impulsivo e
passional? Comigo as coisas são oito ou oitenta, praticamente sem meio-termo,
algo que só muita terapia é capaz de ajudar a controlar. Enfim, em março meu
relacionamento acabou, após três anos e meio (vale ressaltar que para um garoto
de 20 anos isso é como uma vida inteira). Em julho, decidi que iria morar junto
com meu primo no apartamento que minha avó estava deixando pra trás, pois
finalmente havia conseguido comprar a casa própria (sempre que falo “casa
própria” me lembro do Silvio Santos, aliás, não consigo falar “casa própria” sem
tentar imitar, pessimamente, a voz do Lombardi). O primo, por sinal, era o Alan,
aquele mesmo que dançava Latino na beira da piscina comigo aos 6 anos. É bom
ressaltar também que nós não mantínhamos qualquer ligação homoafetiva, exceto
a lembrança dessas noites fatídicas de Natal em 97 e 98 (“Me leva, que o futuro
nos espeeera, você é tudo que eu seeeempre quiiis, oh, baby, me leeevaaa”).
Na época meu trabalho ia bem, eu era designer gráfico pra web, profissão que
iniciei aos 15 e até consegui bons faturamentos. Mas as coisas começaram a
desandar lá por meados de setembro. Sem ajuda financeira da família, que nunca
teve muitas condições, eu bancava o apartamento com o dinheiro do design, mas
além de ter de pagar todas as despesas de casa, ainda tinha a CAL, que não era
nada barata.
Amigos, morar sozinho pela primeira vez não é fácil. É assustador descobrir
que sua roupa não sai milagrosamente do cesto de roupa suja e aparece limpinha,
passada e dobrada na sua gaveta. Lavar cuecas no banho é uma tarefa que
nenhum homem consegue suportar por muito tempo. Não foi à toa que chegou
um momento em que eu precisava escolher a cueca de acordo com a que estava
menos suja, através do teste da fungada. Nojento? Isso é porque vocês não viram
a pia da minha cozinha. Sabe aquelas larvinhas? Quando elas começam a
aparecer na louça suja, é sinal de que você tem sérios problemas, meu amigo.
As coisas começaram a desandar em meados de setembro, quando meu
trabalho começou a ir por água abaixo. Clientes sumiram, emprego não aparecia,
e eu liguei o alerta vermelho. Passei a viver do pé de meia que havia feito, algo
em torno de 15 mil reais, mas que começou a se dissipar rapidamente. Até que
aconteceu a facada de misericórdia: tomei um golpe de uma quadrilha e perdi
tudo. Não vou entrar em detalhes desse golpe porque não consigo contá-lo sem
parecer um completo idiota. Eu sou idiota, fiquem só com essa parte.
Agora tentem imaginar: morando sozinho, perdi a mulher, perdi o emprego,
não entrava mais grana e perdi todas as minhas economias para um grupo de
bandidos. Tive que sair da CAL, largar o teatro novamente, voltar pra casa da
minha mãe e recomeçar do zero. Aliás, do zero, não, do -1, porque tive que me
endividar pra poder sair do apartamento.
Então era nesse estado em que me encontrava quando comecei este capítulo:
escrevendo um blog, que passou a ser minha fonte de renda. Viver de blog, meus
amigos, não é fácil. Num mês entrava 200 reais, no outro, 2 mil. E era assim que
eu seguia. Com a infelicidade suprema de não estar fazendo nada com relação ao
que eu mais amava: o teatro. Não as peças em si, pois nisso nunca tive grande
experiência, mas as aulas, o estudo, as encenações...
O tempo foi passando e o blog foi crescendo, atingiu uma média de dez mil
visitas únicas por dia, mas não conseguia me satisfazer inteiramente. Eu já estava
com 21 anos e longe do objetivo que traçara ainda muito jovem: o de ser
“heptabiliardário” antes dos 20. É incrível como a mente adolescente de alguém
que cresce pobre traça sempre objetivos meio inatingíveis. É claro que com o
passar do tempo fui percebendo que dinheiro não é tudo (ah, a desculpa de quem
não consegue tê-lo) e passei a definir outras coisas como prioridade. Sabe?
Aquelas coisas de felicidade, amor, família feliz, bolhas de sabão e pasta de
amendoim. Eu adoro pasta de amendoim. Se alguém quiser me dar um presente
um dia, é só ir numa importadora e comprar uma daquelas pastas de amendoim
americanas, sabe? É uma delícia, você coloca no pão, no biscoito e até faz doce,
tipo esse:
• 200g de margarina culinária
• 2 gemas
• ½ xícara (chá) de açúcar
• 1 pote de pasta de amendoim
• 1 lata de creme de leite sem soro
• amendoim torrado e moído
• 1 pacote de biscoito de amido de milho
• leite para umedecer os biscoitos
Bata na batedeira a margarina, as gemas, o açúcar e a pasta de amendoim,
até ficar homogêneo. Acrescente o creme de leite e bata somente até misturar.
Em um refratário, faça camadas de biscoitos levemente umedecidos e creme.
Repita as camadas, terminando com creme. Polvilhe amendoim torrado e
moído. Leve à geladeira.
Pronto, agora você pode dizer que este livro serviu pra alguma coisa.
Voltando ao blog (calma, já tá acabando, eu também não aguento mais falar
sobre esse bendito blog), eu já estava na casa da mamãe havia três meses e decidi
que precisava fazer alguma coisa diferente. E é aí que começa a história do Não
Faz Sentido: a compra da primeira câmera.
O motivo eu acho que nem preciso explicar muito, né? Minha paixão pela vida
artística mais minha paixão pela internet só poderiam resultar em uma coisa: a
vontade de misturar arte com internet. E só tinha um único jeito de fazer isso,
comprando uma câmera e produzindo vídeos. Eu não fazia a menor ideia do que
iria fazer, afinal, sequer tinha atuado pra uma câmera antes, mas sabia que o
primeiro passo era ter uma. Muitas vezes as ideias vêm dos momentos mais
comuns do dia a dia, seja um almoço em família ou uma simples madrugada
assistindo a seriados. O importante é que uma ideia jamais deve ser adiada.
Quando ela vem, você precisa executá-la, esse é o meu lema. Aliás, foi
exatamente assim que comecei este livro. Estava tomando banho agora há pouco,
e pensei: “Tá aí, vou escrever um monte de bobagens e virar escritor.” “Agora há
pouco” é modo de falar, na verdade, eu comecei a escrever naquela hora que falei
na introdução, mas agora já são 21h19. Tive que sair pra jantar, passei nas
Americanas e comprei umas coisas aqui pra casa. Mas por que vocês querem
saber disso?
Esse lance das ideias é divertido de analisar. O que eu mais vejo são pessoas
com boas ideias na cabeça, mas ninguém faz nada. Preguiça ou medo. Ou os
dois. As pessoas são muito medrosas, têm medo do julgamento, da taxação e por
isso ficam paradas. Poucos arriscam. Aliás, se eu vejo uma diferença entre
pessoas que realizam coisas e pessoas que só passam pela vida fazendo o básico,
é exatamente essa: a ausência do medo em arriscar e a luta contra a preguiça.
Longe de mim querer dar uma de Augusto Cury, mas se eu tenho um único
conselho pra dar é este: levanta essa bunda e vai realizar as ideias que você tem
na cabeça, sejam elas quais forem. Agora deixa eu parar de falar isso se não vão
classificar este livro como autoajuda, e eu já me sinto constrangido o suficiente de
colocarem em autobiografia.
Onde estávamos?
Ah, sim, a câmera. Decidi comprá-la finalmente após ir pra São Paulo e ver os
amigos Rodrigo Fernandes e Flávio Lamenza, donos dos blogs Jacaré Banguela e
Chongas, respectivamente, com câmeras profissionais e produzindo vídeos.
Aquele foi o estímulo necessário para que eu os copiasse. Cheguei ao Rio de
Janeiro e a primeira coisa que fiz foi pesquisar preços de câmeras. Ô DIABO
CARO! Uma câmera decente estava 3 mil reais. Afinal de contas, se tinha uma
coisa que eu tinha estabelecido era que jamais faria vídeos estilo “lesk com
tecpix”, sabe a TecPix? Aquela câmera fajuta que vendem na TV, a câmera 5 in
1, ela fotografa, filma, é webcam, faz amor gostoso e dorme abraçadinho. Enfim,
optei por uma Sony que filmava em HD, bem no estilo HandyCam, que você
segura de ladinho. A diaba estava 3 mil dinheiros, o que me deixou bastante
preocupado. Afinal, vivendo como blogueiro, 3 mil reais era uma fábula,
precisaria comprar em 10 vezes sem juros no cartão da patroa da minha mãe,
porque ninguém na família tinha limite o suficiente pra isso. Classe média baixa
sofre.
O dia seguinte chegou, meu objetivo de comprar a câmera estabelecido, até
que eu abri novamente os sites para uma última pesquisa de preço e dei um salto
na cadeira. A câmera de 3 mil tinha passado pra 1.300 reais. Liguei direto pra
loja, o coração na boca, o suor frio, a felicidade estampada. Mentira, eu estava
igualzinho, só feliz com o preço. A internet acabou com as reações de felicidade,
hoje em dia ninguém ri de verdade na frente do computador. Você escreve para o
amigo “HAHAHAHAHAHAHA” quando na verdade sua expressão é de
absoluto tédio. Você ri por dentro, o que não tem graça nenhuma. Enfim, liguei
pra loja e o cidadão informou que aquele preço era de uma única peça que estava
sobrando na loja do Shopping Leblon. Era a peça de mostruário, aquela que fica
todo mundo esfregando a mão, a cara e sabe-se lá mais o quê. Amigo, por 1.300
reais eu não me importaria se a câmera tivesse sido utilizada como vibrador
masculino. Chamei minha mãe e meu tio para um passeio, pegamos o carro,
entramos no Buraco do Padre e tomamos o caminho do shopping. Menos de uma
hora depois, eu já estava comprando a câmera.
Você já jogou Zelda? Aquele jogo em que o herói se chama Link e se veste de
gnomo. Se você já jogou, sabe o que ele faz quando obtém um item novo saído
daquele baú mequetrefe. Ele pega o item, vira de frente pra câmera e o levanta
com as duas mãos, exalando felicidade, com uma música de conquista e uma luz
especial. Foi o que eu fiz ao comprar a câmera. Só não tinha música e nem luz
especial, apenas o vendedor dizendo: “Você gostaria de obter a garantia
estendida?” – NÃO!!!
Essa foi a saga da compra da câmera que viria a ser um dos objetos mais
importantes da minha vida. Eu conseguira completar o primeiro objetivo: ter o
objeto para realizar minhas ideias, a ausência do medo. Agora faltava o segundo:
vencer a preguiça.
A vida na casa da minha mãe já estava insuportavelmente chata. Nada contra a
querida Dona Rosa, que eu amo tanto, mas porque é muito difícil você morar
sozinho e em seguida ter que retornar. Tem que passar papel higiênico no tampo
do vaso, não pode fazer cocô de porta aberta e muito menos dormir pelado.
Sentia falta das cuecas fedidas e da sensação de liberdade. A câmera foi para o
fundo do armário, onde permaneceu, parada. Eu pensava, pensava, pensava, mas
nenhuma ideia parecia boa o suficiente para se fazer um vídeo. Pensei em fazer
u m talk show estilo Jô Soares, mas quem eu iria entrevistar? O padeiro? Uma
mulher de rua? Além disso, meu sonho nunca foi ser apresentador, mas, sim, ator.
O problema era que a internet tinha pouco espaço para atores. O único que havia
feito algum sucesso era um rapaz chamado Guilherme Zaiden, que eu até já tinha
conhecido pessoalmente e perguntado se topava fazer um vídeo comigo, e ele
disse que não. Simples assim. Aliás, foi divertido ver que recentemente ele tuitou
isto: “ahahah posso contar uma coisa engraçada? uma vez no rio conheci o felipe
neto. na epoca eu tava mto famoso e ele queria fazer videos comigo. obviamente
eu ri da cara dele e virei as costas #quemdiria.” Outra dica que eu dou: não
importa o quão famoso você seja, nunca recuse oportunidades sem ao menos dar
uma olhada no potencial delas. Lembre-se sempre dos atores lá nos Estados
Unidos, onde até mesmo os mais famosos mundialmente topam fazer curtasmetragens
experimentais ou vídeos pra internet. (Isso não significa que você deve
me mandar um e-mail pedindo pra fazer vídeo comigo; antes pense num projeto.)
Nessa brincadeira de procrastinar a criação do meu primeiro vídeo passaram-se
uns seis meses. A câmera já tinha mais pó que camarim de banda de axé. E foi aí
que começou a história do outro elemento principal do Não Faz Sentido: os
óculos escuros. Eu nunca contei essa história pra ninguém, acho que talvez por
ser simplesmente boba e descartável, mas, como o lema deste livro é justamente
ser bobo e descartável, por que não contar como eu consegui aqueles óculos
mequetrefes de surfistinha com os quais comecei a série?
Dia 30 de setembro de 2009, 43 blogueiros foram selecionados para participar
de uma mega ação publicitária para promover a cidade de Porto de Galinhas. O
evento “Porto Cai na Rede”, organizado pelo publicitário Eden Wiedemann. Este
que vos escreve estava na lista dos blogueiros escolhidos, e lá fui eu para cinco
dias com tudo pago num mega resort nessa cidade que é um verdadeiro paraíso
na Terra. Altas aventuras e muita azaração (nessa nova temporada de Malhação).
Foram cinco dias maravilhosos, mas foi no terceiro que o destino colocou no
meu caminho o objeto que faltava para o Não Faz Sentido, muito embora eu não
tivesse a menor ideia disso na época.
Estava andando na praia junto com uma penca de blogueiros, todos pálidos
como papel, barrigudos e com cara de nerd. Em mim só faltava a barriga, mas
sobravam ossos. Não lembro exatamente qual foi a praia fatídica, mas lembro que
num determinado momento paramos para beber alguma coisa. Nunca fui muito
de praia, quem me vê sem camisa pode atestar isso, além das costelas, são visíveis
também todas as veias do meu corpo, praticamente uma aula de anatomia arterial
com modelo vivo. Mas foi justamente lá que isso aconteceu. Após pedir uma
água de coco, meu chinelo soltou (benditas Havaianas, superconfortáveis, mas
produzidas com prazo de validade. Depois de um ano, aquela paradinha sempre
solta e você precisa comprar outra). Abaixei para enfiar o breguelete de volta no
buraco e percebi que tinha um pedacinho de madeira cravado na areia. Resolvi
puxar pra poder jogar longe, afinal uma das diversões da praia é justamente
arremessar coisas pra longe (ou só eu sou retardado?). O fato é que, ao puxar,
descobri que não era um pedacinho de madeira, mas uma haste de óculos, que,
em seguida, veio parar em minhas mãos.
Sabe-se lá há quanto tempo aqueles óculos estavam enterrados ali, esperando
que a pessoa certa o encontrasse. Provavelmente era como a espada de Excalibur
e só poderia ser extraído por um jovem rapaz de espírito puro e coração valente.
Ou não, porque eu nunca fui nenhuma das duas coisas. Só sei que me senti mais
ou menos como o Gollum ao achar o Um Anel. Os óculos eram horríveis, estilo
playboy baladeiro, surfistinha da Zona Sul, mas eu achei o máximo! Uma
descoberta fascinante.
Voltei de Porto de Galinhas com duas coisas: uma insolação e um novo par de
óculos, que em pouco tempo transformou-se em mais um objeto de acumular
poeira, ao lado da câmera. Mas eles já estavam ali, eu só não fazia ideia de que
um dia iriam se unir num Megazord que chegaria a ter mais de cem milhões de
visualizações.
Voltei aos meus afazeres cotidianos: escrever no blog, ganhar mal e viver com
a mamãe, vovó e irmão. Sempre pensando no que poderia fazer em matéria de
vídeo para postar na web. Um show de humor? Bem, eu já havia estabelecido
que teria de ser engraçado, afinal de contas praticamente nada na internet dava
certo a menos que fosse de humor. Quem entra na web afim de ver um vídeo de
um cara interpretando um texto de Shakespeare? Só cinco coisas funcionam (ou
funcionavam) na internet: humor, pessoas se machucando, mongoloides pagando
mico, pessoas muito talentosas e bonitas cantando ou mulher gostosa. O
problema? Eu não era engraçado, não estava afim de me machucar, não era
mongoloide a ponto de fazer um vídeo tipo o cara sarado de Curitiba, não sabia
cantar tão bem e... Bem... Até passava por mulher gostosa, mas só pra quem curte
moleques magrelos de sutiã.
A conclusão foi adiar ainda mais. Nenhuma ideia suficientemente boa vinha à
mente. Ia dormir todos os dias pensando no que poderia gravar no dia seguinte,
mas o dia seguinte chegava e eu pensava que antes de dormir teria uma ideia
suficientemente boa para o próximo dia. Seguindo o lema do Homer Simpson:
estava deixando para amanhã o que eu poderia fazer amanhã.
Nesse tempo eu cultivava um vício muito particular: ir dormir somente ao
amanhecer. Trabalhava como designer gráfico em projetos meus, escrevia no
blog e esperava dar meia-noite. Nessa hora, eu pegava coisas pra comer e sentava
em frente ao computador para assistir a seriados. Ficava até 5h, 6h da manhã
assistindo às mais diversas séries e filmes. Fiz isso durante pelo menos cinco anos
da minha vida. Muitos podem dizer: “Que enormessíssima perda de tempo”, mas
eu digo que não. Quando você vive de produzir conteúdo, seja esse conteúdo
escrito, narrado ou interpretado, existe uma coisa fundamental: referência. Foi
justamente por todas essas horas de dedicação audiovisual que eu criei referências
o suficiente para poder criar coisas nas mais diversas áreas. Fosse drama, humor,
terror ou pornografia (óbvio).
E foi numa dessas noites em que tudo começou. Pois é, finalmente chegamos
ao título deste capítulo. Não sei exatamente quanto tempo se passou desde a
compra da câmera, muito menos o dia exato, mas sei que foi nesse dia em que
falei, com o perdão da palavra: “F*da-se! Deixa eu pegar essa câmera e filmar
QUALQUER BESTEIRA!”
Eu já tinha completado 22 anos, já estávamos em 2010, acredito que mais de
um ano após a chegada da câmera e pelo menos seis meses dos óculos. Só sei que
provavelmente essa foi a melhor decisão que tomei na vida: ligar a câmera sem ter
a menor ideia do que iria fazer. Havia passado dois anos na casa da minha mãe
sem fazer rigorosamente nada, justamente por medo. Medo do que as pessoas
achariam se eu fizesse um vídeo ruim, medo da rejeição, de queimar a única boa
possibilidade de dar certo, medo do julgamento, justamente indo de encontro ao
lema que sempre tive na vida: arriscar. Mas naquela noite eu percebi: danem-se os
outros. Já não mais me importava de queimar meu filme com quem fosse, não me
importava de fazer besteira, de falar merda, de fazer o pior vídeo da história da
internet. Já estava no fundo do poço em questão de motivação na vida. Dois anos
sem atuar, dois anos sem fazer nada ligado ao que eu mais amava fazer.
Peguei a câmera do armário, passei um pano para remover meses e meses de
poeira acumulada, peguei uns vinte livros, coloquei-os um em cima do outro e a
posicionei acima da minha mesa. Coloquei a câmera em cima dos livros e sentei
na cadeira. Tudo isso porque não tinha tripé, não sabia o que iria fazer, só sabia
que precisava urgentemente ligar aquele botão REC e falar alguma coisa.
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