Image Map

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

A primeira crítica política



Em meados de agosto de 2010, quatro meses após o surgimento do
Não Faz Sentido, o canal já somava 35 milhões de visualizações e 243 mil
assinantes (inscritos). Os números falavam por si só e o projeto não parava de
crescer.
Cada vez mais professores e pais enviavam mensagens ou me paravam nas
ruas dizendo que a mensagem do Não Faz Sentido era de fundamental
importância para seus filhos ou alunos, destacando até mesmo que o linguajar
cheio de palavrões era na verdade um incentivo para que os jovens se
identificassem e assistissem com mais gosto, em vez da linguagem conservadora
com a qual estavam acostumados a lidar.
Comecei a receber relatos ainda mais específicos. Exemplos de jovens que
tinham repensado no próprio comportamento e deixado de idolatrar determinado
artista, passando apenas a admirar seu trabalho de forma inteligente, sem realizar
loucuras em seu nome. Outros buscavam se aperfeiçoar na hora de escrever,
enquanto outros tentavam argumentar melhor na hora de criticar alguma coisa. Os
vídeos pareciam ter um impacto cada vez mais importante dentro da juventude
que o assistia.
Mesmo em toda a minha confusão mental, ainda tinha muitos períodos de
lucidez, principalmente ao longo dos dias da semana, quando pensava em coisas
novas para meus vídeos e escrevia textos depressivos com o objetivo de colocar
para fora o que sentia. Foi em um desses momentos de lucidez que, em uma
conversa com a Adriana, surgiu a ideia de criar um vídeo sobre o pessoal que
estava tirando a roupa ao vivo na internet em troca de audiência.
Vamos lá, explicando rapidamente: essa foi a época da popularização da
Twitcam, um site onde você podia ficar ao vivo, em vídeo, para falar com seus
seguidores do Twitter. Eu fazia muitas na época, criando uma maior intimidade
com meu público e fazendo com que enxergassem quem eu era na vida real. Mas
nem todos utilizavam a ferramenta dessa maneira. Enlouquecidos pela
possibilidade de ganharem visitas e novos seguidores, todo tipo de coisa começou
a surgir. Um garoto que fazia cover de Lady Gaga de uma forma tosquíssima
logo ficou popular, abrindo caminho para todo tipo de bizarrices. Até que
começaram os strip-teases.
“Galera, se eu chegar a 2 mil seguidores, vou tirar a blusa.”
A frase acima começou a ficar cada vez mais comum nas twitcams. Meninas
menores de idade começaram a fazê-lo. Outros se masturbavam ao vivo em troca
de audiência e novos seguidores, mas principalmente as mulheres começaram a
utilizar do próprio corpo em troca de mais alguns zeros em seu número de
admiradores. Até que o cúmulo foi alcançado: um casal, menor de idade, ligou a
twitcam e fez sexo ao vivo, atingindo a incrível marca de mais de 50 mil pessoas
assistindo. O caso deu uma repercussão monstruosa e foi parar em quase todos os
veículos de notícias do Brasil, visto que o garoto tinha 16 anos e a menina, 14.
Inspirado pela situação, gravei um vídeo de título “Putaria pra Aparecer”, com
o objetivo de desmotivar toda essa moda, tanto da parte das meninas e meninos
fazendo atrocidades na twitcam como também das pessoas que ficavam assistindo
e dando audiência para tamanho absurdo, muitas vezes, pedófilo.
O vídeo fez bastante sucesso, embora não comparável aos últimos temas:
“Crepúsculo” e “Fiukar”. Contudo, tratava de um tema sério, um problema muito
maior que as fãs de Crepúsculo ou as atitudes de ídolos como o Luan Santana.
Ver um vídeo com essa temática batendo a marca de 2 milhões de visualizações
era muito mais satisfatório que qualquer outro. Mais do que isso, coincidência ou
não, as coisas começaram a mudar no mundo das twitcams. A frequência de
gente tirando a roupa diminuiu consideravelmente e, quando acontecia, muitos fãs
do Não Faz Sentido apareciam e começavam a tentar fazer a pessoa parar com
aquilo, principalmente quando eram menores de idade. Nunca mais outro caso
como o do casal adolescente que transou ao vivo aconteceu e, se eu pude
colaborar com 1% disso, sinto-me imensamente orgulhoso.
Nessas horas que eu percebia a imensa importância do Não Faz Sentido, não
importando o que os críticos poderiam dizer. O vídeo “Putaria pra Aparecer” fez
com que eu resgatasse o orgulho de fazer alguma diferença concreta, de utilizar o
Não Faz Sentido para um bem maior (maldito Harry Potter, toda vez que penso
em “um bem maior”, me lembro do interesse de Grindelwald. Se você não leu,
ignore esses parênteses).
Passei os dias seguintes dentro da minha confusão de sentimentos. Ao mesmo
tempo orgulhoso e com uma imensa pressão em cima dos ombros. Feliz com os
resultados, mas triste com as deturpações criadas por críticos fomentados pela
raiva. A sensação de injustiça por outras notas publicadas na imprensa que
continuavam a me definir como o crítico dos ídolos adolescentes com o objetivo
da autopromoção (não importava quantos “Putaria pra Aparecer” eu fizesse, a
taxação da mídia tinha ficado marcada). Confuso sobre como agir fora da câmera,
continuava a decepcionar determinados jornalistas, que rebatiam na hora de
publicar suas matérias. Com tudo isso acontecendo, buscava nas festas e no sexo
casual a válvula de escape para tudo o que acontecia.
Alguns dias depois, fui procurado por um jornalista da maior revista impressa
do Brasil, para aquela que seria minha maior publicação na imprensa até então.
Pensei em negar, já cansado das várias alfinetadas e socos no estômago
publicados, mas minha insegurança e curiosidade falaram mais alto. Insegurança
pelo fato de que me considerava pequeno demais para recusar um pedido de tal
revista, o que poderia ter como consequência o ódio mortal do veículo por mim, e
curiosidade por querer saber se de repente aquela não acabaria sendo uma boa
matéria, ao contrário das outras.
Minha empresária Adriana chegou a me aconselhar a não fazer a entrevista,
preocupada com o que poderia acontecer, mas minha cabeça já estava feita.
Aceitei.
No mesmo dia o jornalista me ligou e o medo foi se esvaindo de dentro de
mim. Conversamos por pelo menos duas horas e a sensação era a mesma de estar
conversando com um amigo. Falei sobre como tudo começou, sobre meus planos
para o futuro (na época, ainda indefinidos), sobre o reconhecimento nas ruas e a
importância do Não Faz Sentido. O jornalista, por sua vez, elogiou meu trabalho,
disse que era fã dos vídeos e que tentaria dar um maior destaque para a minha
matéria.
Desliguei o telefone feliz. Finalmente uma entrevista sem desapontamento do
entrevistador, sem a sensação de ter falado coisa errada. Finalmente uma boa
matéria na imprensa contendo meu nome e na maior e mais importante revista do
país. Sairia ao lado de MysteryGuitarMan (Joe Penna) e PC Siqueira. O orgulho
era aparente e fui dormir extremamente feliz aquela noite, depois de enviar um email
para o jornalista agradecendo pela oportunidade e dizendo que tinha sido um
prazer conversar com ele.
Acordei no dia seguinte com a resposta positiva do jornalista, dizendo que
também tinha adorado e que a matéria estava ficando muito bacana. Contei para
Adriana e Andressa, que ficaram felizes e imensamente aliviadas.
Alguns dias depois, a revista foi para as bancas. Comprei com prazer, já
preparando para emoldurar a entrevista (coisa de mãe). Avisei a todos da minha
família para comprarem a revista naquela semana, inclusive meus amigos e
pessoas com quem eu mantinha algum contato.
Quando comecei a ler, mais uma vez fui presenteado com um coice nas costas,
dessa vez sem qualquer explicação.
Mesmo após todos os elogios, tudo que o jornalista havia dito e a forma como
havia me tratado, a matéria enaltecia os trabalhos de Joe Penna e PC Siqueira e
me colocava como um pedaço azedo de queijo mofado.
Na hora de definir meu trabalho, o jornalista resolveu me chamar de “ator de
peças de segunda linha”. Seguiu a narrativa caindo no mesmo argumento das
outras matérias depreciativas, de que eu só fazia sucesso porque criticava ídolos
adolescentes (a essa altura já eram dezoito vídeos, sendo cinco, CINCO,
contendo críticas a comportamentos de ídolos teens). Na hora de definir PC
Siqueira, o jornalista chegou ao cúmulo de colocar “PC Siqueira, com menos
fama porém mais graça que Felipe Neto”, expressando opinião pessoal em uma
matéria que tentava ser imparcial. Além disso, ainda deturpou minhas respostas,
manipulando de modo a me fazer parecer arrogante e de certa forma ignorante.
Uma curiosidade bacana que acabei de lembrar, o próprio PC já havia falado
em seu canal sobre todos os ídolos que eu também havia criticado. Aliás, o canal
Mas Poxa Vida já tinha criticado muito mais ídolos teen do que o Não Faz
Sentido, mas foi em mim que “a carapuça serviu”.
Não conseguia compreender nada. Até hoje não entendo a razão de ter
despertado tamanha rejeição dos jornalistas na época, embora muitas possíveis
conclusões já tenham me sido apresentadas por diferentes pessoas. Não era
possível imaginar como a imprensa pudesse ser tão contra mim enquanto
professores e pais tanto me defendessem e incentivassem meu trabalho pelo Brasil
afora. Os professores, inclusive, continuavam a ser uma importantíssima
ferramenta de divulgação, pois os vídeos eram cada vez mais apresentados em
sala de aula, como aconteceu muito com o próprio “Putaria pra Aparecer”.
Liguei para a Adriana, bufando de tanta raiva. Eu havia avisado a família
inteira, amigos, conhecidos, todos provavelmente veriam o desastre que eu
mesmo havia incentivado a lerem. Ela tentou me consolar, disse que era assim
mesmo, que eu precisava me blindar. Informou que a mesma revista já havia
criticado publicamente e de maneira muito mais séria os trabalhos do Bruno
Mazzeo e do Marcos Mion, até mesmo do Marcelo Adnet. Naquela noite
tomamos uma decisão importante: eu não daria mais entrevistas, até que estivesse
pronto. Se achássemos que alguma entrevista seria importante, a própria Adriana
se relacionaria com o jornalista e pediria as perguntas por e-mail, que eu
responderia e ela, então, revisaria antes de enviar para o veículo. A agência DNA
criou um escudo à minha frente com o objetivo de impedir que outros casos como
aquele acontecessem.
Desliguei o telefone mais calmo e, dali em diante, comecei a lidar de uma
forma melhor com tudo aquilo. Não adiantava mais ficar alimentando
expectativas em cima do que outras pessoas, da imprensa ou não, pensariam de
mim. Não traria nada de bom para a minha vida essa preocupação latente em
cima da aceitação do meu trabalho ou a importância que eu dava para que as
pessoas soubessem quem eu era de verdade. Quanto mais perdesse tempo me
preocupando com isso, mais ficaria depressivo. Precisava me acostumar com um
fato incontestável: o Não Faz Sentido tinha ficado grande demais e isso agradaria
a muita gente, enquanto incomodaria muitas outras. Ou eu lidava com isso de
maneira mais leve, ou cairia em um buraco sem fundo.
Uma surpresa ainda maior veio nos dias que se seguiram. Apesar da nítida
crítica na matéria, muitas pessoas me ligaram para me parabenizar por eu ter
aparecido na dita revista. Na internet, enquanto uma ou duas pessoas
comentavam sobre o fato de a matéria ter sido horrível, outras cinquenta
elogiavam o fato de eu ter aparecido por lá. Foi a própria Adriana quem me
explicou a razão disso estar acontecendo.
– Fê, as pessoas não leem revistas, elas folheiam e olham as fotos. Poucas irão
realmente ler o que o jornalista falou de você. Elas só irão ver sua foto e te
parabenizar pela conquista. Então, entra na onda!
Adorei isso.
Comecei a ligar para a Adriana e para a Andressa quase todos os dias,
buscando conselhos, tentando me blindar sobre como agir publicamente.
Comecei a levar a sério o fato de que minha imagem precisava de uma proteção,
um comportamento pensado, em vez da impulsividade de alguém que não sabia o
que fazer ou como agir.
Nessa época, publiquei o seguinte texto na internet:
Medos
Muitos pensam que é fácil. Muitos buscam por algo sem fazer ideia
exatamente do que vão encontrar. Supervalorizam tudo isso quando não
vejo motivo algum para um grande orgulho ou satisfação pessoal. Embora
deva confessar: quando mais novo, sonhava com tudo o que me vem
acontecendo hoje.
Antes soubesse, naquela época, que realmente não existe nada demais em
tudo isso, ou mais ainda, soubesse que verdadeiramente iria chegar a viver o
que considerava um sonho, mas sob a forma de realidade comum, nem lá
nem cá, embora um pouco mais lá que cá.
A velocidade me pegou de um jeito que eu não poderia prever. Afinal, se
foi rápido, a previsão torna-se coadjuvante. Junto a isso, o preparo também
ficou longe de bater ponto. Sem preparo, tudo fica ainda mais complexo. A
sedução gerada pelos gritos enlouquecidos de fãs é algo impossível de se
explicar. Quantos se perderam nesse estágio? O que me impede de trilhar o
mesmo caminho suicida? Ou, ainda mais, onde será que irei buscar a força
necessária para conviver com tudo isso de forma a não me perder? Não sei,
só sei que sei. Talvez minha criação tenha sido fundamental, ou meu
processo de amadurecimento, fato é que essa sedução vem encontrando um
escudo que eu não imaginava ter, embora todo o impacto absorvido tenha
gerado efeitos muito desagradáveis, que agora preciso vencer numa batalha
épica de uma pessoa só.
Acredito que praticamente todos os complexos humanos sejam causados
pelo medo. O medo define muita coisa, prejudica imensamente qualquer ser
humano. Hoje, tenho medo. Embora ninguém saiba, embora me vejam
como uma pessoa segura, o medo é algo presente em minha vida. Lutar
contra ele é como golpear fumaça ou incorporar o Sheldon na tentativa de
explodir a cabeça do oponente só com a mentalização. O medo não bate na
porta, não avisa que está chegando e muito menos se retira quando
solicitado. Enfrenta-se o medo com atitudes e com o autoconhecimento,
partindo do primeiro passo, a confissão do medo. Não tenho vergonha em
tê-lo, aliás, não compartilhar dele seria provavelmente prepotente e
arrogante, tendo em vista tudo o que vem acontecendo em minha vida.
Gritar segurança e estabilidade emocional seria não apenas mentiroso, como
covarde. E provavelmente o primeiro passo para a ruína.
Não sei ao certo o motivo de produção deste texto. Estou no aeroporto,
aguardando meu voo. Não tenho qualquer intenção de publicá-lo, talvez
seja apenas um desabafo solitário, uma forma de deixar claro para mim
mesmo: não há fama, dinheiro ou prazer suficiente para segurar sua
estabilidade emocional. Pelo contrário, são esses os principais ingredientes
para uma vida desajustada e perigosa. Estou no início de tudo isso e
somente agora percebo, mesmo que em menor escala, tudo que envolve a
vida artística realmente. Eu bem achava que era fácil.
Do medo vêm a angústia, a insegurança, o pânico do fracasso. Mas
dentro do pacote também posso notar a vontade de provar pra mim mesmo
de que sou capaz, embora, confesse novamente, algumas vezes chego a
questionar de forma violenta essa capacidade. Um turbilhão de emoções,
presente em qualquer indivíduo que tenha vivido nos palcos e baseado sua
vida na arte, agora elevado à milésima potência. Não posso dizer que tudo
isso irá acabar, pois foi da boca da própria Fernanda Montenegro que ouvi
que não há ator de verdade que não sinta nervosismo antes de entrar em
cena, a não ser os arrogantes. Assumo meus medos, assumo minhas
inseguranças e prometo pra mim mesmo que, seja qual for o desafio, jamais
deixarei que esses sintomas controlem minha mente e corpo o suficiente
para fazer com que eu não tenha a força para vencê-los. A coragem e o
compromisso artístico hão de falar mais alto, sempre.
Embora um tanto quanto depressivo, o texto foi na realidade um momento
muito importante em minha vida, o momento em que assumi, para mim mesmo,
que não estava nada bem, que as coisas estavam acontecendo rápido demais e
que precisava me preparar melhor para tudo isso. Após este texto, comecei a
escalar as paredes do poço em que havia entrado, comecei a voltar a sentir um
equilíbrio sobre minha própria personalidade, embora ainda cometesse muitos
erros. Assumi-los, porém, era o primeiro passo para deixar de cometê-los.
Alguns dias se passaram e eu já me sentia bem melhor, motivado a criar mais
vídeos do Não Faz Sentido que me fizessem sentir orgulho. E na época somente
um assunto dominava todas as conversas de bar e notícias dos telejornais: as
eleições para a Presidência do Brasil. Quatro candidatos se destacavam na época:
Dilma Roussef, José Serra, Plínio de Arruda e Marina Silva.
Há uma velha premissa brasileira que diz: religião, política e futebol não se
discutem. Por isso, pensei algumas vezes antes de decidir que iria gravar o vídeo
“Não Faz Sentido – Políticos”. O que me fez decidir? A conclusão de que, se
essa premissa fosse verdadeira, ainda estaríamos no período da inquisição
católica, governados por um rei e provavelmente sem jogadores negros no
futebol. Não existe assunto “que não se discuta”, a premissa na realidade deveria
ser: somente discuta religião, política e futebol se tiver inteligência o suficiente
para não precisar argumentar na porrada.
Meu vídeo foi motivado não pela raiva da política, mas, sim, por minha
rejeição aos políticos de um modo quase generalizado. Corrupção, troca de
favores, facilitações, tudo isso sempre me causou extremo desgosto e me fez
concluir que votar no Brasil é uma tarefa quase impossível. Somos obrigados a
votar naquele que consideramos “menor pior”, na maioria das vezes.
Condicionei meu vídeo à ideia de que somente dois candidatos tinham reais
chances de vitória: Dilma e Serra. Entre os dois, eu torcia para que desse pane
elétrica em todo o país e impossibilitasse os votos de qualquer pessoa. Não queria
ver PT nem PSDB no controle de nosso país, mas também não posso dizer que
torcia de forma entusiástica para algum dos outros candidatos. Mais uma vez
percebia que nosso país seria governado por aquele que mais agradasse à massa,
não por seus projetos, mas por seu backstage. Sabendo que por trás de Dilma
estava Lula, direcionei a parte mais dura da crítica à forma de governo do PT, que
considero particularmente populista e nociva a longo prazo, embora seja capaz de
mostrar resultados a curto prazo, criando admiração internacional a planos como
o Bolsa Família.
Mais do que qualquer crítica a um modelo de governo específico, implorei por
investimentos na educação, única forma de fazer com que um país seja elevado
ao patamar de Primeiro Mundo. Bati nessa tecla inúmeras vezes e desafiei Dilma
diretamente, embora soubesse que seria pretensão demais imaginar que a futura
presidente (sim, eu falo “presidente” e não “presidenta”) assistiria ao meu vídeo
no YouTube. Pedi a Dilma que, em vez de somente dar dinheiro para o pobre,
desse a ele uma educação de verdade, com investimentos bilionários na área, a
fim de gerar um futuro para o indivíduo, em vez de somente um modo de
subsistência condicionada à dependência do governo e a formação de um curral
eleitoral de gigantesco porte em função disso.
Defendi a política, deixando claro que a culpa de tantos considerarem o
assunto enfadonho é exatamente pela postura dos próprios políticos, que não
visam ter uma população inteligente e informada, mas, sim, um povo dominável
por sua ignorância. Pedi para que o público que me assistia buscar ler e se
informar sobre seus candidatos, que parassem de considerar o assunto chato e
partissem em busca da leitura sobre o tema. Direcionei meu aconselhamento
quanto a isso justamente aos adolescentes, deixando claro que o poder de quebrar
toda essa manipulação dos políticos estava em suas mãos.
Antes de lançar o vídeo, tremi por alguns instantes, sem saber qual seria a
consequência daquilo. Pela primeira vez estava falando de um assunto quase que
exclusivamente adulto, com uma seriedade absurda e que com certeza despertaria
a ira de pessoas bem mais velhas, defensoras do PT ou do PSDB. Não sabia até
que ponto aquilo poderia se voltar contra mim, até mesmo fisicamente. Contudo,
motivado por tudo que o Não Faz Sentido já tinha sido capaz de fazer, publiquei.
Até hoje nenhum vídeo impactou tantos adultos quanto este. No dia seguinte,
meu tio, de 58 anos, veio me procurar dizendo que tinha achado o vídeo
sensacional e que o tinha recebido de um amigo, da mesma idade, por e-mail. O
discurso se alastrou agressivamente, gerando um resultado extremamente
positivo, embora de fato muitas pessoas tenham ficado revoltadas, tentando
provar que o Bolsa Família era de fato bom até mesmo a longo prazo, mesmo que
os investimentos em educação não fossem suficientes. Contudo, até hoje o vídeo
se mantém com um índice de 2% de reprovação, contra 98% de aceitação,
segundo as estatísticas do YouTube.
Mais uma vez um assunto de extrema seriedade havia sido debatido. Melhor
que isso, as visualizações foram do mesmo nível do vídeo “Fiukar”, provando
que o Não Faz Sentido poderia abordar temas nada adolescentes e ainda assim
agradar e motivar a reflexão e a pesquisa.
Tempos depois as eleições aconteceram e Dilma Roussef tornou-se a
presidente do Brasil, conforme previsto por tanta gente. Era impossível lutar
contra o populismo e o apoio de Lula, e em nenhum momento pensei que o vídeo
poderia alterar de alguma forma o resultado das eleições, visto que a população
com acesso à internet no Brasil, na época, não possuía relevância o suficiente
para gerar números que fizessem grande diferença. Contudo, não foi assim que o
gabinete de Dilma pensou à época.
Pela primeira vez revelo que, após um tempo, uma funcionária do gabinete da
candidata me contou que virei pauta de reunião entre os assessores e a própria
Dilma, que debateram sobre a possibilidade de me impedir de fazer novos vídeos
sobre o tema. Depois de um tempo, desistiram, convencidos de que a internet
ainda não teria força o suficiente para mudar uma eleição no Brasil. Deixo claro,
contudo, que soube dessa informação por meio de uma pessoa, cujo nome
obviamente não citarei. Ou seja, não posso confirmar a veracidade da informação,
pois não estava presente. Mas não duvido nem por um segundo que tenha
acontecido, principalmente por não encontrar motivo para que uma funcionária
em atividade arriscasse o próprio cargo me contando tal acontecimento.
O relato da funcionária fez com que mais uma vez eu tivesse um choque de
realidade. O Não Faz Sentido tinha atingido tamanha audiência que, até mesmo
ao falar da Dilma, a própria tinha ficado sabendo. Em outras palavras: não tinha
mais como eu falar sobre alguma personalidade no Não Faz Sentido sem saber
que aquela pessoa inevitavelmente teria acesso ao que eu dissera.
Mais ou menos no mesmo período, a ex-BBB Francine postou em seu Twitter
uma mensagem direcionada a mim:
“Espero que a Lia e os fãs dela caiam em cima dele. Ele fez uma ofensa grave,
deveria ser processado. Eu já dei print na tela.”
Na época, ela se referia ao fato de eu ter criticado o que estavam tratando como
“beleza feminina” e ter usado como exemplo outra ex-BBB, a Lia (desculpem-me
não lembrar de seu sobrenome), que possuía o corpo inteiro cheio de plásticas
que a tinham deixado completamente turbinada. Condenei, dizendo que aquilo
não era o padrão que deveríamos definir como beleza.
Por que conto isso? Para mostrar que do “caso Fiuk” até este momento,
amadureci e aprendi muita coisa. Poderia ter respondido a Francine, o que me
daria novamente destaque na mídia, com matérias em sites de fofoca e notícias em
geral, rendendo ainda mais visualizações para o Não Faz Sentido. Se eu fosse
uma “attention whore”, como alguns me acusavam de ser, teria feito exatamente
isso. Contudo, li e fiquei calado. Nunca mais cometeria o mesmo erro e nunca
mais gostaria de ver meu nome envolvido em sites de fofoca, por mais
visibilidade que isso pudesse me proporcionar.
De volta ao vídeo “Políticos”, mais uma vez o Não Faz Sentido ganhou
visibilidade e crédito de um público mais velho, que começou a defender ainda
mais o projeto e ressaltar sua importância para os jovens, mesmo que tivesse uma
linguagem recheada de palavrões e uma forma extremamente autoritária de
expressar opinião.
Algumas pessoas mais velhas e com maior bagagem cultural começaram a se
expressar publicamente na internet, fosse em blogs ou em pequenas colunas na
imprensa tradicional. A imagem do Não Faz Sentido começou a ganhar outro tipo
de força, a de receber apoio de pessoas intelectualmente destacadas, em vez de
simplesmente um projeto adolescente.
Em uma coluna do portal Escola Dinheiro, bastante respeitado por seus
conselhos de como criar projetos rentáveis na internet, Paulo Faustino, de
Portugal, publicou:
Uma das coisas que mais admiramos no Felipe Neto é a sua capacidade de
ser verdadeiro e pragmático. E é precisamente por ser tão pragmático e
crítico acerca de alguns dos problemas da sociedade brasileira que Felipe
Neto é hoje um caso raro de sucesso espontâneo. Do que conseguimos
aperceber-nos de alguns dos comentários dos seus assinantes e fãs, muitos
deles gostam do Felipe precisamente por este ter a capacidade de dizer ao
mundo aquilo que todos os outros gostariam de conseguir fazer e não o
fazem por uma razão ou por outra. Esta frontalidade traz a Felipe Neto uma
das coisas mais importantes da internet: credibilidade, confiança e paixão.
O facto de os seus assinantes e fãs considerarem-no credível, inteligente
nas abordagens, depositarem a sua confiança no trabalho do Felipe e
viverem apaixonados pela forma como o autor critica severamente todos
aqueles que considera serem os problemas do Brasil, faz com que Felipe
seja maioritariamente adorado.
Pode não parecer nada, mas esse tipo de repercussão fazia toda a diferença
para o Não Faz Sentido, que de tantas pedradas publicadas na mídia tradicional já
corria um sério risco de virar piada entre pessoas mais velhas, acostumadas a ler
revistas e jornais regularmente. Por isso, a importância de um vídeo
argumentativo sobre questões políticas, que teve como resultado uma aceitação
gritante deste mesmo público e o início das críticas positivas postadas
publicamente por pessoas bastante respeitadas.
Outros veículos começaram a enxergar o canal com outros olhos. O jornal
Correio Brasiliense publicou uma gigantesca entrevista comigo (inteiramente
realizada por e-mail, já de acordo com a blindagem criada pela agência DNA)
ressaltando a inteligência do projeto e a forma como ele havia atingido destaque.
A revista Megazine, do jornal O Globo, também fez reportagem destacando a
importância do meu trabalho com os jovens e questionando se eu iria parar na
televisão em breve. Diversos blogs de opinião do país começaram a escrever
sobre meu trabalho, ressaltando seus lados positivos e negativos, de forma
consciente e sem ataques diretos e pessoais.
Uma das novas críticas surgidas nesse período, dessa vez muito mais sensata
que as anteriores, que me acusavam de querer chamar a atenção a qualquer preço,
dizia que o Não Faz Sentido se utilizava do que chamam de “egoísmo
tendencioso”. Defendo este argumento como uma das críticas que recebi de
forma mais positiva até hoje.
A crítica nasceu em um material de faculdade feito por cinco alunos do quarto
período de jornalismo da UNAMA (Universidade da Amazônia), de título “A
exposição do jovem na internet: Um estudo sobre o caso Felipe Neto”. Em
determinado momento, escreveram:

O exemplo citado explicita uma característica presente em todo ser
humano: O Egoísmo Tendencioso.
O termo egoísmo tendencioso surgiu na pesquisa teórica de David
Myers (2006), psicólogo norte-americano formado pela Universidade de
Iowa, sobre a psicologia humana. O seu conceito defende que todos nós
temos a prontidão de perceber a nós mesmos de modo favorável
considerando as seguintes descobertas:

1. As pessoas aceitam mais responsabilidades por boas ações do que por
más, e por sucessos do que por fracassos.
2. A maioria das pessoas se julga melhor do que a média.
O pesquisador Roy Baumeister completa o conceito de David Myers
dizendo que “incentivar as pessoas para que se sintam bem em relação a si
mesmas quando elas não merecem causa problemas, pois, convencidos, os
indivíduos presunçosos se tornam ofensivos contra aqueles que furam suas
bolhas de amor próprio”. (MYERS, 2006).

Felipe Neto, ao publicar vídeos sobre sua opinião acerca de diversos
assuntos, seria como um indivíduo com um comportamento totalmente
egoísta-tendencioso, pois, ao denegrir certos aspectos do comportamento
humano, certos hábitos ou artistas, parte do princípio de que o seu modo
de se comportar, seus hábitos e seus pensamentos são os
predominantemente certos.

Essa foi uma das críticas mais sensatas publicadas até hoje na história do Não
Faz Sentido.
De fato, ao condenar determinados comportamentos, eu estava deixando claro
que a minha forma de pensar era a correta. A grande questão, contudo, se dá pelo
argumento de que eu jamais quis que todos concordassem que a minha forma de
pensar era a única possível e que todos deveriam concordar comigo. Mais de uma
vez, ao longo do Não Faz Sentido, pedi para que os fãs não levassem minhas
palavras para argumentar com outras pessoas, mas que ouvissem meus
argumentos e, em seguida, pesquisassem sobre o assunto, com o objetivo de criar
suas próprias verdades e não apenas admitir que o que eu falava era a verdade
simples e absoluta.
De todo modo, a crítica serviu para que eu abrisse os olhos. O Não Faz
Sentido sempre fora, de fato, um projeto autoritário e intolerante. O que
indiretamente influenciava para que seus fãs com menor poder de discernimento
tornassem-se também um pouco mais autoritários e intolerantes.
Lembro ter ligado para meu pai com o objetivo de debater o assunto e tive
como primeira reação: “Ué, é a primeira vez que você percebe que o Não Faz
Sentido é intolerante?” Não fez com que eu me sentisse muito melhor.
Fui pesquisar sobre o assunto e cheguei a algumas conclusões. Nem sempre
ser intolerante em um projeto de opinião com humor é uma coisa ruim. Alguns
dos meus grandes ídolos eram e são considerados intolerantes, como George
Carlin, para mim, o sujeito mais inteligentemente engraçado que já passou pela
Terra (como se tivesse algum comediante em Marte). Ricky Gervais, criador da
série The Office na Inglaterra e grande gênio do humor, também é taxado como
extremamente incisivo e autoritário em seus textos. Até mesmo no Brasil, os
exemplos de Rafinha Bastos e Danilo Gentili ilustram bem a característica de
intolerância em seus textos.
A verdade é que é muito difícil você criar um texto de opinião crítica sobre
determinado assunto sem parecer ao menos um pouco intolerante. Quando você
precisa adicionar uma pitada de humor, ainda por cima, a coisa torna-se quase
impossível. Ninguém quer ouvir um humorista de stand-up argumentando sobre
os diferentes pontos de vista acerca do pagode, sobre como é uma expressão
cultural de determinadas regiões e que por isso deve ser respeitado acima de tudo,
o que o indivíduo quer ouvir é a piada de Rafinha (no DVD A arte do insulto)
sobre o tema:
“Vou falar sobre Pagode” – pausa – “Eu odeio pagode” – pausa – “É só
isso que eu tenho pra falar, próximo assunto.”
A intolerância, a generalização e o escárnio podem ser encontrados em
inúmeras piadas, vídeos e coisas do gênero. Até mesmo com biólogos,
novamente por Rafinha Bastos:
“Há vinte anos o homem estuda a comunicação dos golfinhos.” – Em
seguida, faz uma expressão de “pra quê?!”.
Se os pesquisadores de comunicação de golfinhos decidissem fazer um
protesto contra Rafinha Bastos, quantos integrantes da imprensa concordariam
com eles?
O que dizer então do número de stand-up mais famoso de George Carlin:
“Religion is Bulshit”? (em português, “Religião é besteira”). Durante mais de
uma hora George Carlin tenta mostrar, por A + B, argumentos e piadas, que a
religião é uma grande babaquice. Intolerante? ORA, SIM!
O Não Faz Sentido não ficava longe de parecer um show de stand-up.
Baseado em um texto, feito em pé, com um discurso direto e sem a utilização de
cenas, ele era o stand-up no formato de vídeo.
Foi baseado em tudo isso que percebi que a intolerância não era
necessariamente uma característica ruim do Não Faz Sentido, mas apenas uma
característica. Assim como também era polêmico, argumentativo, controverso e,
para muitos, engraçado. Aliás, assim como Rafinha chamou seu DVD de “A arte
do insulto”, eu poderia um dia chamar o DVD do Não Faz Sentido de A arte da
intolerância. A propósito, somente por curiosidade, vivemos em um país tão
dominado pelo conservadorismo e o politicamente correto, que o DVD de
Rafinha foi proibido de ser vendido por conta de uma piada com a APAE, que
cuida de crianças com problemas mentais – aliás, é melhor eu tomar cuidado ao
falar “problemas mentais” ou posso acabar tomando um processo por usar um
termo que absolutamente todas as pessoas usam. Vai ver agora é “diferenças
psicológicas” ou “pessoas cognitivamente diferenciadas” (nem sei se isso é uma
expressão). Muitas pessoas se preocupam tanto com questões tão babacas que
esquecem que um cadeirante quase sempre é o primeiro a rir quando uma piada
com deficiente é feita por um humorista. Ou será que não devo falar “deficiente”?
Talvez seja melhor “indivíduo que, após acidente ou por questão genética,
locomove-se com o auxílio de uma cadeira dotada de rodas laterais”.
Voltando ao universo do Não Faz Sentido e à realidade da época, o vídeo
“Políticos” serviu para que inúmeras pessoas realmente fossem a público defender
o canal, postando textos e fazendo análises de seu conteúdo.
Foi mais ou menos nesse período também que o boom de vlogs aconteceu de
vez na internet brasileira. Motivados pelos vídeos que eu e PC Siqueira
lançávamos, milhões (e por milhões eu realmente quero dizer milhões) de jovens
e adultos brasileiros começaram a fazer o mesmo. Muitos utilizavam recursos
absolutamente precários, como filmagens de webcam nos quais o áudio sequer
ficava sincronizado com a imagem, enquanto outros buscavam um
profissionalismo maior. Fato é que outras críticas positivas começaram a surgir,
destacando a importância que tanto o meu trabalho quanto o do PC tiveram para
que um novo setor do entretenimento ganhasse força no Brasil: o de produção de
vídeos para a internet.
Por conta de todo o fenômeno de vlogs no Brasil, eu tive, pela primeira vez, a
ideia de montar uma produtora de humor para a web. Contudo, como ainda não
havia ganhado dinheiro o suficiente para investir em algo desse porte, segurei a
ideia para mais pra frente.
O dinheiro, por sinal, começava a virar uma preocupação a menos em minha
vida. Não estava rico, mas, após o contrato da Wise Up, que me pagava
mensalmente, e pelo menos quatro presenças em festas, havia atingido uma
independência financeira forte o suficiente para poder investir no meu trabalho,
com a compra de um equipamento melhor (principalmente um iMac de 27
polegadas para poder editar os vídeos) e também pagar as contas de casa. Ainda
estava muito longe de ter um pé de meia seguro, mas caminhava em direção a
isso.
Com minha cabeça entrando no lugar, o Não Faz Sentido atingindo um
público mais velho e com um maior apoio público e da imprensa, comecei a sentir
o chão de volta sob meus pés. Muitas conversas com meus pais e com as meninas
da agência DNA haviam resultado em uma maior percepção das coisas ao meu
redor e de como deveria reagir. Não mais passava por maus bocados em
entrevistas, uma vez que todas eram negadas a menos que pudessem ser feitas por
e-mail. Finalmente consegui começar a enxergar que meu comportamento em
festas estava totalmente fora do que eu verdadeiramente era como pessoa e
comecei a sentir vergonha das presenças em evento, que ainda fazia em função
do dinheiro oferecido, já bem maior que meu primeiro convite aceito.
As coisas começavam a entrar nos eixos e minha depressão parecia estar indo
embora. A ideia de montar uma produtora alimentava meu sonho para o futuro,
sabendo que agora eu tinha uma trajetória definida, em vez de ter que me basear
somente no sucesso do Não Faz Sentido. Estava mais maduro, castigado pelos
erros e pedradas.

acesse os vídeos mencionados neste capítulo:

0 Comments:

Postar um comentário