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sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Sexo, rock 'n' roll e depressão



Os dias foram se passando após meu retorno de São Paulo com a
garantia de um bom período, estabilizado financeiramente, mas pouca coisa tinha
mudado em meu estado de espírito. Os medos permaneciam os mesmos, as
angústias e outras alfinetadas públicas pipocavam aqui e ali, quase sempre
fundamentadas nas mesmas falsas impressões.
Foi nesse período que descobri que a famosa frase “dinheiro não traz
felicidade” tem um fundo de verdade quase inquestionável. Não é que o dinheiro
não possa ajudar a ter felicidade, pois mesmo com tudo acontecendo eu pelo
menos agora estava um pouco menos preocupado com as contas a pagar, mas o
dinheiro por si só não tem o poder de mascarar seus medos e angústias. A menos
que seu medo seja de não ter um Playstation.
De todo modo, eu sabia também que aquele contrato acabaria e 160 mil não
são suficientes para deixar alguém rico pelo resto da vida, muito longe disso. É
um valor finito que pode ir embora sem você perceber, se não possuir outras
fontes de renda.
Justamente pelo pensamento “preciso atingir minha independência financeira
definitiva”, uma conversa tinha acontecido com a minha empresária, Adriana.
– Fê, você topa fazer evento? – perguntou ela.
– Evento? Como assim? Isso é um nome para sexo por dinheiro? – Eu
realmente conhecia tudo desse mundo, impressionante.
– Não, estou falando de ir em uma festa ou um evento em troca de receber por
isso.Naquele momento não imaginei que alguém iria ME oferecer dinheiro para eu
poder ir em uma festa, então disse que não sabia, que veria se acontecesse.
E aconteceu.
Segundo a Adriana, uma “balada” (pensei muito se usaria o termo “balada” ou
“night”, como chamamos no RJ, mas fica “balada” mesmo) tinha me oferecido
um cachê para eu fazer presença por duas horas no camarim da festa.
– Mas, como assim, Adriana? Por que eles vão me pagar pra eu ficar no
camarim de uma balada?
– Porque aí eles podem colocar na divulgação que você vai e mais pessoas vão
comprar ingresso pra ir por causa disso.
Não tinha a menor ideia do tamanho real que o Não Faz Sentido tinha. Eu era
comumente reconhecido nas ruas e tirava diversas fotos (até por esse motivo tinha
evitado ir a alguns lugares lotados), mas não tinha noção de que o fato de eu ir a
uma festa poderia motivar a venda de ingressos.
Não queria aceitar aquele tipo de convite, ia contra meus princípios básicos
como artista. Basicamente, estavam me oferecendo dinheiro para usar minha foto
e vender ingressos. Eu teria de ir numa festa que não estava afim com o único
intuito de receber por isso. Acabei negando a oferta de 3 mil reais, que fariam
diferença no meu orçamento (o contrato com a Wise Up ainda não estava
finalizado, logo, não tinha recebido nada até então).
Só que não parou por ali. Novos convites continuaram aparecendo, até que um
ofereceu 6 mil reais para que eu ficasse uma hora e meia, e prometeram que
nenhum site de fofoca ou de fotos de balada poderia publicar que eu estive
presente.
Pensei muito. Seis mil reais, uma hora e meia da minha vida, ninguém ficaria
sabendo exceto as pessoas presentes. Aceitei, quase me arrependendo no mesmo
momento em que disse “sim”.
Perturbado emocionalmente, confuso com a minha própria personalidade, fui
para São Paulo com o objetivo de terminar logo com aquilo e retornar no dia
seguinte para casa, onde poderia voltar para minha solidão e isolamento com
meus seriados e filmes.
Agora começo o relato do período em que mais fugi do meu próprio “eu”. O
período mais abalado, perturbado e imbecil que passei dentre todos os que vivi na
vida. Por isso, peço que desligue seus julgamentos. Aliás, não desligue, pois eu
mereço cada um deles.
As pessoas são seduzidas muito facilmente por coisas fúteis e insignificantes,
mas que amaciam seus egos. Comigo não foi diferente. Cheguei em São Paulo e
fui recebido por um organizador da balada, que me levou em seu belo carro até o
hotel luxuoso que tinham reservado. Na mesma hora, meu monstrinho da vaidade
e desejo por coisas luxuosas abriu os olhos e começou a ronronar. Aquilo tudo
me agradava: a atenção, o luxo, a forma como estava sendo tratado.
Relaxei no hotel, naveguei na internet e fiquei pensando se aquilo aconteceria
sempre. Quando já estava no carro a caminho da festa, já acompanhado da
Andressa Bianco (que foi para me proteger e garantir que tudo aconteceria da
maneira correta), fui pensando no que realmente iria acontecer quando todos
aqueles jovens reunidos me vissem pessoalmente. O monstro da vaidade agora
não ronronava mais, estava de pé, em posição de alerta, farejando o que poderia
ser um momento de contemplação absoluta pra ele.
Ao chegar no local, o monstro rugiu ferozmente.
Saí do carro ao som de berros, de pessoas correndo em minha direção. Os
seguranças, imensos, tiveram trabalho em conter as dezenas de pessoas que
aguardavam para entrar na casa de festas. Reuniram-se ao meu redor, formando
uma redoma e me conduziram até a porta, onde se lia “Entrada VIP”.
A festa estava lotada. O local tinha um clima totalmente pop/rock, com luzes
para todos os lados e um volume de som mais alto que qualquer grito humano.
Era agradável.
Passei despercebido, cercado de seguranças, até a área VIP, no segundo andar,
onde ninguém poderia me ver. Sentei, peguei uma lata de energético e refleti por
alguns segundos sobre onde estava.
O produtor da festa se aproximou.
– Fala, Felipe, tudo bom? Obrigado por ter vindo. Então, só pra te explicar
como vai ser. Você fica aqui mais um pouquinho e aí eu vou te anunciar no
microfone. Você aparece ali, acena pra galera e aí fala nesse microfone sem fio
aqui. E me entregou um microfone.
– Falo o quê? – perguntei.
– O que você quiser. Normalmente, os artistas só gritam qualquer coisa pra
galera ficar feliz.
Matei a lata de energético em um gole só.
Poucos instantes depois, ouvi a música diminuir, e o mesmo produtor começou
a falar:
– Então, galera, tão curtindo a noite?! – Todos gritaram fortemente. – Eu não
ouvi, estão curtindo a noite?! – Mais gritos. (Eu adoraria se um dia as pessoas se
calassem depois do animador falar que não tinham gritado o suficiente.) – Então,
sabem quem está aqui com a gente? Galera, vamos dar as boas-vindas pro nosso
convidado ilustre, ali em cima, Feeelipeee Neeetoooo.
Apareci para a galera lá embaixo e quase deixei o microfone cair com o susto
que levei.
A festa era bem maior do que eu tinha previsto. Pelo menos mil pessoas
estavam presentes. Agora imagine todo mundo te vendo e berrando a plenos
pulmões. A essa altura, não tinha a menor ideia de quem eu era, o monstrinho da
vaidade tomou conta de mim completamente e senti um prazer imenso ao ver
todas aquelas pessoas gritando pra mim.
Não consigo lembrar o que falei ao microfone, mas não foi algo como “e
então, gente, não sei por quê vocês estão gritando para o fato de que eu estou
numa festa. Afinal, vocês também estão e sequer estou aí no meio curtindo com
vocês. Mas valeu”. Na realidade, saiu algo como:
– BORA BEBER PORRAAAAA!!!
Aquilo tudo me seduziu com mais facilidade do que eu tenho decência para
contar. Bebi, curti a música e comecei a interagir com algumas pessoas. Aquela
era a primeira balada que eu ia depois da explosão realmente violenta do Não Faz
Sentido e, naquela noite, descobri que, de uma hora para a outra, eu tinha, bem...
me tornado alguém interessante aos olhos de outras mulheres.
É óbvio que não pensei na hora que o único interesse dessas ditas mulheres era
no fato de eu ser famoso para um grupo considerável de pessoas. Quando o
monstro da vaidade toma controle, você não sabe de nada, não vê nada e não
analisa nada, apenas se sente feliz até a hora em que começa a sentir vergonha.
Mas eu não sentia vergonha. Estava sendo vangloriado, recebendo dinheiro pra
isso e, como cereja do bolo, pelo menos dez mulheres lindas, de quem eu nunca
teria chamado atenção em qualquer festa, se jogaram para cima de mim. Eram
sorrisos, comentários que qualquer um poderia interpretar como “dando mole”, e
uma literalmente escreveu seu telefone em um pedaço de papel e me deu.
Não deixei que a Andressa visse aquilo. Não queria que a DNA pensasse que
eu era esse tipo de cara. Afinal, eu não era esse tipo de cara. Ou, pelo menos,
achava que não era. Para ser bastante sincero, durante a vida inteira condenei esse
tipo de indivíduo e tentei ser diferente. Condenava os playboys que tinham como
único interesse na vida as mulheres ao seu redor. Achava absolutamente patético
ver um homem dando passos baseando-se somente em sua vida sexual,
esquecendo-se completamente das questões intelectuais e da dedicação ao
trabalho.
Pois saiba que mesmo o pior dos estereótipos pode acabar fazendo parte de sua
própria personalidade, desde que você seja fraco o suficiente para escolher os
caminhos errados.
Ao sair da festa, fui deixado no hotel pelo mesmo motorista. Agradeci a ele e à
Andressa e fui para o meu quarto. Liguei a TV. Nada de interessante. Tentei
navegar pela internet, mas a verdade é que o que eu de fato queria era testar outra
coisa.
Tirei o papel embolado do bolso e o desamassei. O número ainda estava ali.
Meia hora depois eu estava transando.
A mulher era linda e eu estava na cama com ela sem ter precisado falar mais de
vinte palavras. Eu, um cara tímido, sem um grande histórico de sexo
(principalmente por ter passado por um relacionamento entre meus 16 e 20 anos),
sem o menor dom para “chegar numa mulher”, de repente, me vi em uma
situação onde bastava eu estar presente para conseguir ter uma vida sexualmente
ativa (não que eu já tenha passado por uma vida “sexualmente passiva”).
Aquela situação passou a ser uma constante em minha vida. Motivado
diariamente pelo monstro da vaidade, comecei a buscar no sexo a fórmula da
felicidade, que no final não trazia felicidade alguma, apenas a falsa impressão de
ser desejado. Digo “falsa impressão” pois provavelmente nenhuma dessas
mulheres com quem saí durante esse período tinha real interesse em mim, mas,
sim, no que poderiam contar às amigas depois que passassem um tempo comigo.
Não fazia ideia, mas tinha me tornado um objeto que na realidade não possuía
valor real algum, principalmente agindo da forma como agia.
Paro agora por um instante para explicar todo esse lado emocional envolvido,
antes que você comece a me xingar, pois eu sei que muitos farão isso, da seguinte
forma:
“Porra, Felipe, tu ganhou notoriedade, ficou conhecido por bastante gente,
começou a ganhar dinheiro e ainda por cima com várias mulheres para transar,
vai reclamar na casa do caramba.” Embora eu saiba que você não iria falar
“caramba”.
Se eu estivesse lendo essa história como algo que aconteceu com alguém,
pensaria exatamente da mesma forma. Contudo, quando você a vive, descobre
que a realidade é muito, mas muito, distante do que se idealiza.
Fama, dinheiro e sexo não são suficientes para deixar uma pessoa feliz. Você
pode discordar de mim eternamente, mas, se um dia tiver a chance de passar por
isso, descobrirá que a premissa é verdadeira. A menos que você seja o Charlie
Sheen.
A fama vem com o medo de perdê-la.
O dinheiro vem com a incerteza de mantê-lo.
O sexo em demasia vem com a dor de cabeça de se sentir um babaca quando a
pessoa vai embora e a sensação de vazio por saber que nenhuma daquelas
mulheres realmente se importa com você.
Hoje, mais maduro, percebo que a felicidade reside, fundamentalmente, em
coisas a que damos muito pouco valor na juventude. A família é a fórmula
essencial da felicidade, pelo menos, no meu caso. Um relacionamento maduro e
apaixonado é um milhão de vezes melhor que duzentas mulheres na sua cama, até
mesmo se uma delas for a Megan Fox. Uma ida ao cinema com a pessoa que
você ama supera de longe uma noite na balada regada a uísque com energético e
cinco mulheres no seu colo.
Você pode discordar, pode dizer que estou errado, mas até hoje não conheci
qualquer pessoa inteligente que optasse por essa vida superficial e babaca como a
verdadeira felicidade. Claro, podemos encontrar algumas pessoas vazias e
ignorantes que se mantêm nesses falsos prazeres por não terem a capacidade
intelectual de fazer qualquer outra coisa, mas o dia em que tomarmos essas
pessoas como exemplo será o dia em que a humanidade não terá mais motivo
para existir.
Agora, voltemos à história e chega de todo esse moralismo exagerado e talvez
até desnecessário. A verdade é que, perturbado como estava, o sexo e as baladas
me seduziram de uma forma completa.
O problema é que eu estava completamente cego. Minha personalidade tinha
deixado de existir havia muito. Ia a festas recebendo dinheiro para isso e curtia
cada segundo, como se toda aquela atenção fosse um real motivo de felicidade.
Muito do que antes considerava errado passou a existir no meu cotidiano, e a
cada dia perdia um detalhe do que me fazia ser eu mesmo. Eu tinha mudado,
infelizmente, para muito pior.
Mesmo com o Não Faz Sentido ganhando milhares de fãs todos os dias, não
conseguia dar real valor àquilo. As notas ácidas na imprensa continuavam, bem
como o pensamento de que “o Felipe Neto só fala de modas adolescentes”.
Continuava indo mal em entrevistas, sem saber como agradar. Estava
desequilibrado, sem solidez abaixo dos pés, caminhando a passos largos em
direção a um muro que provavelmente me arrancaria os dentes.
Para os outros, contudo, deixava transparecer que as coisas não poderiam estar
melhores. Disfarçar o sofrimento é muito mais fácil quando você sequer o admite.

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