7:09 da manhã
seja verdade.
Eu acordei essa manhã para encontrar um fino cobertor branco cobrindo
nosso jardim. Não chega a um centímetro, mas nessa parte de Oregon, uma
leve poeira faz tudo parar enquanto o único limpador de neve da região se
ocupa limpando as estradas. É água molhada que cai do céu – e caí e caí – e não
é do tipo congelado.
É neve o bastante para cancelar as aulas. Meu irmão menor, Teddy, solta um
grito de guerra quando o rádio de mamãe anuncia o feriado. “Dia de neve!” ele
grita. “Pai, vamos fazer um boneco de neve.”
Meu pai sorri e bate em seu cachimbo. Ele começou a fumar um
recentemente como parte de seu papel em Father Knows Best¹ que ele
começou. Ele também usa uma gravata borboleta. Eu nunca sei com certeza se
isso tudo é de alfaiate ou sardônico – O jeito de papai de anunciar que ele
costumava ser um punk mas agora é um professor de inglês do ensino médio,
ou se por se tornar professor isso realmente transformou meu pai em um
genuíno ser do passado. Mas eu gosto do cheiro do tabaco de seu cachimbo. É
doce e suave, e me lembra do inverno e de lenha.
“Você pode fazer uma tentativa corajosa,” Papai diz a Teddy. “Mas mal está
grudando nas estradas. Talvez você deva considerar uma ameba de neve.”
Eu posso perceber que papai está feliz. Quase um centímetro de neve significa
que todas as escolas da área estão fechadas, incluindo meu ensino médio e o
ensino fundamental onde papai trabalha, então é um dia inesperado de folga
para ele, também. Minha mãe, que trabalha numa agencia de viagens na
cidade, desliga o radio e se serve de uma segunda xícara de café. “Bem, se vocês
vão ficar na folga hoje, de jeito nenhum vou trabalhar. Simplesmente não é
certo.” Ela pega o telefone para avisar que não vai. Quando ela termina, ela olha
para nós. “Eu devo fazer o café da manhã?”
Papai e eu gargalhamos ao mesmo tempo. Mamãe faz o cereal e
torradas. Papai é o cozinheiro da família.
Fingindo não nos ouvir, ela busca no armário uma caixa de Bisquick.² “Por
favor. O quão difícil pode ser? Quem quer panqueca?”
“Eu quero!Eu quero!” Teddy grita. “Podemos colocar gotas de chocolate nelas?”
“Não vejo porque não,” Mamãe responde.
“Woo hoo!” Teddy grita, acenando seus braços no ar.
“Você tem energia demais a essa hora da manhã,” eu provoco. Eu viro para
mamãe. “Talvez você não devesse deixar Teddy beber tanto café.”
“Eu troquei o café dele por descafeínado,” mamãe responde. “Ele é só
naturalmente exuberante.”
“Desde que você não troque o meu por descafeínado,” eu digo.
“Isso seria abuso infantil,” papai diz.
Mamãe me entrega uma caneca e o jornal.
“Tem uma boa foto do seu jovem aqui,” ela diz.
“Verdade? Uma foto?”
“Yep. É o máximo que vimos dele esse verão,” mamãe diz, me dando um olhar
lateral com sua sobrancelha arqueada, sua versão do olhar que enxerga a alma.
“Eu sei,” eu digo, e então sem querer, eu suspiro. A banda de Adam, Shooting
Star, está ficando famosa, o que é uma ótima coisa – na maior parte do tempo.
“Ah, fama, desperdiçada na juventude,” papai diz, mas ele está sorrindo. Eu sei
que ele está excitado por Adam. Até mesmo orgulhoso.
Eu passo as folhas do jornal até o a sessão de calendário. Tem uma pequena
nota sobre Shooting Star, com uma foto ainda menos dos quatro, perto de um
grande articulo sobre o Bikini é uma enorme foto da cantora da banda: a diva
punk-rock Brooke Veja. A parte sobre eles basicamente diz que a banca local
Shooting Star vai abrir o show do Bikini em Portland na turnê nacional do Bikini.
Não menciona a notícia para-mim-ainda-maior que ontem a noite Shooting Star
tocou em um clube em Seattle e, de acordo com a mensagem que Adam me
mandou a meia noite, esgotou os ingressos.
“Você vai hoje a noite?” Papai pergunta.
“Eu estava planejando. Depende se eles vão fechar o estado todo por causa da
neve.”
“Uma nevasca está se aproximando,” papai diz, apontando para um único floco
de neve flutuando até a terra.
“Eu também deveria ensaiar com um pianista da faculdade que a professora
Christie encontrou.” A professora Christie, uma professora aposentada da
universidade que tem trabalhado comigo pelos últimos anos, está sempre
procurando por vitimas para tocar comigo. “Mantendo você afiada para que
você possa mostrar aqueles esnobes da Juilliard³ como se faz,” ela diz.
Eu não entrei em Juilliard ainda, mas minha audição foi muito boa. A peça de
Bacj e o Shostakovich tinham sido tocadas por mim como nunca antes, como se
meus dedos fossem uma simples extensão das cordas e do braço. Quando
terminei de tocar, ofegando, minhas pernas tremendo por ficarem pressionadas
juntas com tanta força, um juiz aplaudiu um pouco, o que eu suponho, não
acontece com muita freqüência. Enquanto eu o arrastava pra longe, o mesmo
juiz me disse que fazia um longo tempo desde que a escola tinha “visto uma
garota de Oregon.” Professora Christie assumiu que isso significa uma aceitação
garantida.
Eu não tenho tanta certeza de que isso seja verdade. E não tinha 100% de
certeza de que eu queria que fosse verdade. Como a meteórica ascensão do
Shooting Star, minha admissão a Juilliard – se acontecer – irá criar certas
complicações, ou, mais precisamente, iria se combinar com as complicações que
já tem aparecido nos últimos meses.
“Eu preciso de mais café. Mais alguém?” mamãe pergunta, perambulando perto
de mim com um antigo coador.
Eu cheio o café, o rico, e preto café oleoso e assado que preferimos. Só o cheiro
me anima. “Estou pensando em voltar para cama,” eu digo. “Meu violoncelo
está na escola, então não posso nem praticar.”
“Não pode praticar? Por 24 horas? Fique parada, meu coração despedaçado,”
mamãe diz. Embora ela tenha adquirido um gosto por música clássica nos
últimos anos – “é como aprender a apreciar um queijo fedido” – ela nem
sempre foi uma audiência cheia de deleite para muitas das minhas maratonas
de ensaio.
Eu escuto uma batida e um boom vindo do andar de cima. Teddy está na
sua bateria. Costumava pertencer a papai. Quando ele tocava bateria em uma
banda grande-na-nossa-cidade, desconhecia-em-todos-os-outros-lugares,
quando ele trabalhava numa gravadora.
Papai sorri ao ouvir o barulho de Teddy, e vendo isso, eu sinto uma
familiar dor. Eu sei que é bobo, mas sempre me perguntei se papai está
desapontado por eu não me tornar uma roqueira. Eu queria. Então, na terceira
série, eu me deparei com o violoncelo na aula de música – ele parecia quase
humano para mim. Parecia que se você o tocasse, ele te contaria segredos,
então eu comecei a tocar. Faz quase 10 anos agora e eu nunca parei.
“E lá se foi a ideia de voltar a dormir,” mamãe grita por cima do barulho de
Teddy.
“Quem diria, a neve já está derretendo.” Papai diz, sobrando seu cachimbo. Eu
vou para porta de trás e espio para a rua. Um raio de sol passa pelas nuvens, e
eu posso ouvir o barulho do gelo derretendo. Eu fecho a porta e volto para a
mesa.
“Eu acho que o condado exagerou,” eu digo.
“Talvez. Mas não podem “descancelar” a escola.O cavalo já está fora do celeiro,
e eu já me dei o dia de folga,” mamãe diz.
“De fato. Mas poderíamos aproveitar essa inesperada folga e ir a algum lugar,”
papai diz. “Ir dar uma volta. Visitar Henry e Willow.” Henry e Willow são uns
antigos amigos de mamãe e papai que também tem um filho e decidiram
começar a se comportar como adultos. Eles vivem numa antiga fazenda. Henry
faz coisas para web do celeiro que eles converteram num escritório e Willow
trabalha em um hospital ali perto. Eles tem uma filhinha. Essa é a verdadeira
razão para mamãe e papai quererem ir lá. Teddy tendo acabado de fazer 8 anos
e eu tendo 17 significa que já passamos da idade de ter aquele cheiro de talco
que faz os adultos derreterem.
“Podemos parar na BookBarn na volta,” mamãe diz, como se fosse para me
animar. BookBarn é uma gigante loja de livros usados. Na parte de trás eles
mantém umas partituras de 25 cents que ninguém parece comprar a não ser eu.
Eu tenho uma pilha delas debaixo da cama. Uma coleção de partituras clássicos
não é o tipo de coisa que você anuncia.
Eu mostrei elas para Adam, mas foi apenas depois de estar juntos por 5 meses.
Eu esperei que ele risse. Ele é um cara tão legal com suas jeans com pregas, e
uma camiseta preta, e suas tatuagens sutis. Ele não é o tipo de cara que iria
acabar com alguém como eu. E foi por isso que quando o vi pela primeira vez
me observando no estúdio de música dois anos atrás, eu estive tão convencida
de que ele estava gozando comigo e me escondi dele. De qualquer forma, ele
não riu. Acabou que ele tinha uma coleção empoeirada de partituras de punk-
rock debaixo da cama dele.
“Também podemos parar no vovó e na vovô para jantar,” papai diz, já pegando
o telefone. “Vamos de trazer de volta com bastante tempo para você ir a
Portland,” ele adiciona enquanto disca.
“Estou dentro,” eu digo. Não é o BookBarn, nem o fato de que Adam está em
turnê, ou que minha melhor amiga, Kim, está ocupada fazendo coisas para o
anuário. Não é nem porque meu violoncelo está na escola ou de que eu podia
ficar em casa e ver TV ou dormir. Eu prefiro sair com minha família. Essa é outra
coisa que você não anuncia sobre si mesmo, mas que Adam entende também.
“Teddy,” papai chama. “Se vista. Vamos sair numa aventura.”
Teddy termina seu solo de bateria com uma batida nos pratos. Um
momento depois ele está entrando na cozinha vestido, como se tivesse
colocado suas roupas enquanto descia os degraus de madeira da escada da
nossa casa vitoriana. “School´s out for summer...” ele canta.
“Alice Cooper?” papai pergunta. “Não temos padrões? Pelo menos cante algo
dos Ramones.”
“Sem escola para sempre,” Teddy canta sobre os protestos de papai.
“Sempre otimista,” eu digo.
Mamãe ri. Ela coloca um prato de panquecas na mesa da cozinha. “Coma,
família.”
¹ Father Knows Best é um seriado de televisão estadunidense.
² Massa pré-assada
³ Melhor universidade de música dos EUA.
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