Devido ao fato de que este dia não poderia ser mais estranho, decidi parar
no apartamento de Adrian. Havia algo que estava morrendo por saber, mas não
tinha tido oportunidade de perguntar.
Ele abriu a porta quando toquei a campainha, um pincel na mão.
- Oh – disse – Inesperado.
- Estou interrompendo algo?
- Só o trabalho. – Se afastou para me deixar entrar – Não se preocupe. Não
é uma crise para mim como seria para você.
Entrei na sala de estar e estava feliz de vê-la com telas e cavaletes de novo.
- Recuperou seu estúdio de arte.
- Sim. – Deixou o pincel e limpou as mãos num trapo. – Agora que este lugar
não é mais uma central de investigação, pode voltar a seu estado artístico normal.
Se inclinou contra a parte posterior do sofá xadrez e me observou enquanto
eu passeava de tela em tela. Uma delas me deteve.
- O que é isso? Parece com um lírio.
- E é – disse – Não se ofenda, mas este lírio é um pouco mais rude que
o´seu. Se os Alquimistas quiserem comprar os direitos deste e começar a usá-lo
estou disposto a negociar.
- Tomarei nota – disse. Todavia estava sorrindo por causa do término com
Brayden e isso só aumentava meu bom humor. Ainda que, certamente, a pintura
havia me desorientado um pouco, como o caráter abstrato da sua arte usualmente
fazia. O lírio, apesar de ser mais estilizado e “rude” do que o da minha bochecha,
era claramente identificável. Inclusive estava feito em uma pintura dourada.
Pinceladas de pintura roxa sem forma rodeavam, e ao redor do roxo havia padrão
quase cristalino de azul céu. Era surpreendente, mas se havia algum significado
mais profundo, estava além do meu entendimento.
- Está com um humor terrivelmente bom – disse – Teve redução caqui para
tudo?
Renunciei minha interpretação artística e me virei para ele.
- Nope. Brayden terminou comigo.
O sorriso de Adrian sumiu.
- Ah. Merda. Sinto muito. Está...quero dizer, precisa de uma bebida? Precisa,
uh, chorar ou algo assim?
Eu ri.
- Não. Estranhamente estou bem. Na verdade não me incomoda em
absoluto. Mas deveria, não é? Talvez haja algo errado comigo.
Os olhos verdes de Adrian me analisaram.
- Não creio. Não são todas as rupturas que são uma tragédia. Ainda
assim...poderia precisar de um pouco de consolo.
Se endireitou e caminhou até a cozinha. Perplexa observei enquanto ele
pegava algo do congelador e de sua gaveta de talheres. Voltou para a sala e me
entregou um litro de sorvete de romã e uma colher.
- Para que é isso? - Perguntei, aceitando o oferecimento com uma careta de
surpresa.
- Para você, obviamente. Queria romã, certo?
Lembrei da noite no restaurante italiano.
- Bem, sim, mas não precisava fazer isso...
- Bem, eu queria – disse razoavelmente – Isso, e um trato é um trato.
- Que trato?
- Se lembra quando disseste que tomaria uma lata de refrigerante com
açúcar se eu não fumasse por um dia? Bom, calculei as calorias, e isso é o
mesmo que uma porção disso. Você pode acreditar que tem quatro porções nessa
coisa.
Quase deixei cair o sorvete.
- Você...passou um dia sem fumar?
- Quase uma semana, na realidade – disse – Assim você pode comer tudo
se quiser.
- Porque raios faria isso? – perguntei.
Ele encolheu os ombros.
- Olha, você propôs o desafio. Além do mais, fumar é um hábito pouco
saudável, certo?
- Certo... – Todavia estava aturdida.
- Come. Vai derreter.
Devolvi o sorvete.
- Não posso. Não com você observando. É muito estranho. Posso comê-lo
mais tarde?
- Claro – disse, colocando o sorvete no congelador – Se realmente você
comer. Sei como você é.
Cruzei os braços enquanto ele permanecia de pé em frente a mim.
- Oh?
Me olhou de uma forma desconcertantemente dura.
- Talvez todos os demais acreditam que sua aversão por comida é lindo, mas
eu não. Te vejo observar Jill. Aqui vai um pouco de amor duro: nunca, jamais terá
o corpo de Jill. Jamais. É impossível. Ela é Moroi. Você é humana. Isso é biologia.
Tem um corpo grandioso, um que a maioria das humanas matariam...e você
ficaria melhor se ganhasse um pouco de peso. Cinco quilos seria um bom
começo. Esconder as costelas. Obter um tamanho maior de sutiã.
- Adrian! – estava atônita. – Está...está louco? Não tem o direito de me dizer
isso. Para nada.
Ele franziu o cenho.
- Tenho todo o direito, Sage. Sou teu amigo e ninguém mais vai dizer. E, sou
o rei dos hábitos pouco saudáveis. Acredita que não reconheço um quando vejo?
Não sei de onde veio isso, de sua família, de muitos Moroi, ou só a sua própria
natureza obssessivo-compulsivo, mas eu te digo, não tem que fazer.
- Suponho que esse é um tipo de intervenção.
- Essa é a verdade – disse – De alguém que se preocupa e quer que seu
corpo seja tão saudável e surpreendente quanto sua mente.
- Não vou escutar isso – disse, dando a volta. Uma mescla de emoções se
agitou. Ira. Indignação. E estranhamente, um pouco de alívio. – Vou embora, não
deveria ter vindo.
Sua mão sobre meu ombro me deteve.
- Espera...me escuta – De má vontade me virei. Sua expressão era severa,
mas sua voz havia se suavizado. – Não estou tratando de ser mal. É a última
pessoa que quero ferir...mas tampouco quero que fira a você mesma. Pode
ignorar tudo o que acabei de dizer, mas eu tive que dizer, ok? Não mencionarei de
novo. É a que tem o controle da sua vida.
Olhei para longe e pisquei para afastar as lágrimas.
- Obrigada. – disse. Deveria estar feliz de que ele voltou atrás. Em seu lugar,
havia uma dor em meu interior, como se tivesse rasgado algo que estava tentando
ignorar e manter escondido. Uma verdade terrível que eu não queria admitir para
mim mesma, que sabia que era hipócrita para alguém que dizia lidar com fatos e
dados. E quisesse estar de acordo com ele ou não, eu sabia, sem dúvida, que
tinha razão sobre algo: ninguém mais teria dito o que ele acabara de me dizer.
- Porque você veio de toda forma? – perguntou. – Tem certeza de que não
quer que minha impressionante pintura seja o novo logo dos Alquimistas?
Não pude evitar um pequeno sorriso. Voltei a olhar para ele, disposta a
ajudá-lo com a abrupta mudança de assunto.
- Não. Algo muito mais sério.
Pareceu aliviado ante meu sorriso e me deu um de seus sorrisos de volta.
- Deve ser verdadeiramente sério.
- A noite no complexo. Como sabia como conduzir o Mustang?
Seu sorriso desapareceu.
- Porque você fez – disse. - Conduziu sem nenhuma vacilação. Tão bem
quanto eu podia fazer. Mas imagino que mesmo se tivesse tomado aula todos os
dias desde que comprou o carro, não poderia dirigir daquele jeito. Você dirigiu
como se estivesse dirigindo de forma natural por toda sua vida.
Adrian se virou abruptamente e caminhou para o lado oposto da sala.
- Talvez seja instintivo. – disse, sem se virar.
Era engraçado quão rápido haviam mudado os papéis. Há um minuto havia
me encurralado em uma esquina, obrigando-me a enfrentar problemas que não
queria. Agora era minha vez. O segui até a janela e o fiz encontrar meu olhar.
- Tenho razão certo? - O pressionei – Tem estado dirigindo por toda sua
vida.
- Nem sequer os Moroi dão licença para recém-nascidos, Sage. – disse com
ironia.
- Não fuja disso. Sabe o que quero dizer. Sabe dirigir com marcha durante
anos.
Seu silêncio respondeu por ele, dizendo-me que tinha razão, mesmo se seu
rosto era difícil de ler.
- Porque? – exigi. Estava quase implorando. Todos diziam que eu era tão
excepcionalmente inteligente, que podia conectar coisas ao azar e chegar a
conclusões notáveis. Mas isso estava além da minha compreensão, e não podia
manusear algo que tinha tão pouco sentido. – Porque faria isso? Porque atuaria
como se não soubesse dirigir?
Um monte de pensamentos pareceram cruzar sua mente, nenhum dos quais
ele queria compartilhar. No final, sacudiu a cabeça com exasperação.
- Não é óbvio Sage? Não, claro que não é. Fiz porque assim teria uma razão
para ficar perto de você...uma que sabia que você não poderia recusar.
Estava mais confusa ainda.
- Mas..porque? Porque queria fazer isso?
- Porque? – perguntou – Era o mais perto que podia chegar para fazer isso.
Se esticou e me puxou para ele, uma mão na minha cintura e a outra no meu
pescoço. Inclinou minha cabeça para cima e baixou seus lábios nos meus. Fechei
meus olhos e me derreti enquanto meu corpo inteiro era consumido pelo beijo. Eu
não era nada. Eu era tudo. Calafrios circulavam pela minha pele, envolvi meus
braços ao redor de seu pescoço. Seus lábios eram mais quentes e mais suaves
do que eu pudera imaginar e ainda assim feroz e poderosos ao mesmo tempo. Os
meus responderam avidamente e me agarrei a ele. Seus dedos deslizaram pela
parte posterior do meu pescoço, seguindo sua forma, e cada lugar que tocava era
eletrizado.
Mas, talvez, a melhor parte de tudo isso era que eu Sydney Katherine Sage,
culpada de analisar constantemente o mundo ao meu redor, bom, eu parei de
pensar.
E isso foi glorioso.
Ao menos foi até que eu voltei a pensar de novo.
Minha mente e todas as suas preocupações e considerações repentinamente
tomaram o controle. Me afastei de Adrian, apesar dos protestos de meu corpo.
Retrocedi, sabendo que meus olhos estavam aterrorizados e muito abertos.
- O que...o que está fazendo?
- Eu não sei – disse com um sorriso. Deu um passo para mim. – Mas estou
bastante seguro de que estava fazendo também.
- Não. Não. Não chegue mais perto! Não pode fazer isso outra vez. Entende?
Não podemos...Não deveríamos fazer...oh Meu Deus. Não. Nunca mais. Isso está
mal. – Coloquei meus dedos sobre meus lábios, como se fosse limpar o que
acabava de acontecer, mas sobretudo foi para recordar outra vez a doçura e o
calor de sua boca contra a minha. Rapidamente deixei cair minha mão.
- Mal? Eu não sei, Sage. Honestamente, isso foi o mais correto que já me
aconteceu durante um tempo.
Contudo, mantive distância.
Sacudi minha cabeça freneticamente.
- Como pode dizer isso? Sabe como são as coisas! Não há...bom, já sabe.
Os humanos e os vampiros não podem...não. Não pode haver algo entre eles.
Entre nós.
- Bem, teve que ser assim em algum momento. – disse, tentando um tom
razoável. – Ou não haveriam dhampirs hoje. Além do mais, o que me diz dos
Vigilantes?
- Os Vigilantes? – Quase ri, mas nada disso era divertido. – Os Vigilantes
vivem em cavernas e iniciam batalhas ao redor de fogueiras por um ensopado de
gambá. Se quer viver essa vida, é mais do que bem vindo a fazer. Se quer viver
no mundo civilizado com o resto de nós, então não me toque de novo. E Rose?
Não estava loucamente apaixonado por ela?
Adrian parecia muito calmo para a situação.
- Talvez eu estive uma vez. Mas foi a...o que, cerca de três meses? E
honestamente, não tenho pensado muito nela há um tempo. Sim, estou ferido e
me sinto um pouco usado, mas...na realidade, ela já não é em quem sempre estou
pensando. Não vejo seu rosto quando vou dormir. Não me pergunto sobre...
- Não. – retrocedi para mais longe. – Não quero escutar isso. Não vou
escutar isso.
Com uns quantos passos rápidos, Adrian parou na minha frente outra vez. A
parede estava a alguns centímetros atrás de mim, e não tinha aonde ir. Não fez
movimentos ameaçadores, mas apertou minhas mãos e as colocou contra seu
peito enquanto se inclinava para mim.
- Não, escutará. Por uma vez, vai escutar algo que não encaixa no seu
mundo ordenado, organizado em compartimentos de ordem, lógica e razão.
Porque isso não é razoável. Se está assustada, acredite...isso também me
assusta como o inferno. Perguntou por Rose? Tentei ser uma pessoa melhor por
ela, mas isso foi para impressioná-la, para fazer com que me quisesse. Mas
quando estou perto de você, quero ser melhor porque...bom, porque parece certo.
Porque quero fazer. Me faz querer ser uma pessoa melhor do que eu mesmo. Me
inspira em cada ato, cada palavra, cada olhar. Te olho, e é como...como a luz feita
de carne e osso. Eu disse no Halloween e quis dizer cada palavra: é a criatura
mais bonita que alguma vez já vi caminhar neste mundo. E nem sequer sabe. Não
tem ideia do quão bonita que é, o quão brilhante é sua chama.
Sabia que tinha que me separar, retirar minhas mãos das suas. Mas não
pude.
- Adrian...
- Eu sei, Sage – continuou, seus olhos cheios de fogo – Sei como vocês se
sentem sobre nós. Não sou estúpido, acredite, tenho tentado te tirar da minha
cabeça. Mas não há suficiente licor ou arte ou qualquer outra distração no mundo
que faça. Tive que deixar de ir as aulas de Wolfe porque era muito difícil ficar perto
de você, mesmo que fosse simplesmente fingir lutar. Não podia suportar o contato.
Estava agonizando porque significava algo para mim, porque sabia que não
significava nada para você. Me dizia que devia me manter afastado por completo e
então encontrava desculpas...como o carro...ou qualquer coisa para estar perto de
você de novo. Hayden era um imbecil, mas pelo menos enquanto estava com ele,
tive uma razão para manter distância.
Adrian segurava minhas mãos, seu rosto ansioso, assustado e desesperado
enquanto derramava seu coração para mim. Meu próprio coração estava batendo
descontrolavelmente, e qualquer quantidade de emoções poderia ser o culpado.
Tinha esse olhar distraído, extasiado...o que teve quando o espírito se apoderou
dele e o fez divagar. Rezei para que se tratasse disso, algum ataque de loucura
induzido por espírito. Tinha que ser. Verdade?
- Seu nome é Brayden – disso afinal. Lentamente, fui capaz de acalmar
minha ansiedade e ganhar algum controle – E mesmo sem ele, tem um monte de
razões para manter a distância. Disse que sabe como nos sentimos. Mas é assim?
De verdade, é assim? – Retirei minhas mãos da sua e apontei para minha
bochecha. – Sabe o que o lírio dourado significa verdadeiramente? É uma
promessa, um voto de um estilo de vida e um sistema de crenças. Não pode
deixar algo como isso. Isso não me deixará, mesmo se eu quiser fazer. E
verdadeiramente, não quero fazer. Creio no que fazemos.
Adrian me olhou desapaixonadamente. Não tentou pegar minhas mãos outra
vez, mas tampouco retrocedeu. Minhas mãos se sentiam dolorosamente vazias
sem as suas.
- Esse “estilo de vida” e “sistema de crenças” que está defendendo te usou e
segue te usando. Te tratam como a peça de uma máquina, uma que não tem
permissão para pensar...e você é muito melhor do que isso.
- Algumas partes do sistema são defeituosas – admiti – Mas os princípios
são sólidos e eu acredito neles. Há uma brecha entre humanos e vampiros, entre
você e eu, que nunca pode ser infrigida. Somos muito diferentes. Não estamos
destinados a estar...desta maneira. De nenhuma maneira.
- Nenhum de nós está destinado a ser ou a fazer algo – disse – Decidimos o
que vamos ser. Me disse uma vez que não há vítimas aqui, que todos temos o
poder de escolher o que queremos.
- Não use minhas próprias palavras contra mim. – adverti.
- Porque? – perguntou, um sorriso ligeiro em seus lábios. – São
malditamente boas. Não é uma vítima. Não é uma prisioneira desse lírio. Pode
escolher o que quiser.
- Tem razão – Afastei, não encontrando resistência de sua parte. – E eu não
te escolho. Isso é o que você está perdendo em tudo isso.
Adrian ficou em silêncio. Seu sorriso desapareceu.
- Não acredito em você.
Franzi o cenho.
- Deixe-me adivinhar. Porque correspondi ao beijo? – Esse beijo havia me
feito sentir mais viva do que havia estado em semanas, e tinha a sensação de que
ele sabia disso.
Sacudiu sua cabeça.
- Não. Porque não há ninguém lá fora que te entenda como eu entendo.
Esperei por mais.
- Isso é tudo? Não vai elaborar o significado disso?
Aqueles olhos verdes me detiveram.
- Não acredito que precise fazer.
Tive que desviar o olhar, ainda que não estava certa do porque.
- Se me conhece tão bem, então entenderá porque eu vou embora.
- Sydney...
Fui rapidamente em direção a porta.
- Adeus, Adrian.
Me apressei para a porta, um pouco assustada de que ele tentasse me deter
outra vez. Se ele fizesse, não estava segura de que poderia ir. Mas não chegou
nenhum toque. Nenhum esforço para me deter. Não foi até que estava a meio
caminho do lado de fora, na grama em frente a seu edifício que me atrevi a olhar
para trás. Adrian estava parado ali, inclinado contra a porta, observando-me com o
seu coração em seus olhos. Em meu peito, meu próprio coração estava se
rompendo. Sobre minha bochecha, o lírio me lembrava de quem eu era.
Virei as costas e fui embora, me negando a olhar para trás.
sexta-feira, 8 de agosto de 2014
Capitulo 24
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
às 17:16
Marcadores: Bloodlines, O Lírio Dourado
0 Comments:
Postar um comentário