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sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Capitulo 27

Eu acho que Adrian aceitaria qualquer coisa para conseguir um lugar próprio. Ele não perdeu tempo em arrumar os seus poucos pertences no antigo apartamento de Keith, para desgosto de Clarence. Eu tinha que admitir, senti-me um pouco mal pelo velho. Ele tinha-se afeiçoado a Adrian e perdê-lo logo após a morte de Lee, foi especialmente difícil. Clarence ainda abria a sua casa e alimentava o nosso grupo, mas recusava-se a acreditar em qualquer coisa que dissemos a ele sobre Lee e Strigoi. Mesmo quando ele aceitou a morte de Lee, Clarence continuou a culpar os caçadores de vampiros. Pouco depois da mudança, fui ver como estava Adrian. Recebemos uma mensagem de que o ‘grupo de pesquisa’ dos Moroi estavam para chegar na cidade naquele dia e, nós decidimos reunir-nos com eles primeiro antes de trazer Jill e Eddie. Como antes, Abe aparentemente estava a escoltar os recém-chegados, que incluía Sonya e a nova companheira de quarto de Jill. Tive a impressão de que havia mais alguém a chegar com eles, mas não ouvi quem era. –Uau,– disse quando Adrian deixe-me entrar no seu apartamento. Ele só estava ali há uns dias, mas a transformação foi surpreendente. Com exceção da TV, nenhuma mobília original permaneceu. Era tudo diferente e até o apartamento em si parecia diferente. A decoração era nova, bem como, o cheiro de tinta fresca que se sentia no ar. –Yellow, hein?– perguntei enquanto olhava para as paredes da sala de estar. –É chamado 'Goldenrod',–* ele corrigiu. –E é suposto ser uma cor alegre e calmante.– Ia começar a dizer que aquelas duas características não combinavam juntas, mas depois decidi não dizer nada. A cor, que parecia ser ligeiramente desagradável, transformou completamente a sala de estar. Entre isso e as cortinas que tinham substituído as pesadas de Keith, a sala agora estava cheia de cor e luz, que foi um bom começo para obscurecer

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a memória da batalha. Estremeci ao recordar. Mesmo se o apartamento não fosse necessário para comprar a ajuda de Adrian, eu não tinha certeza se poderia aceitar ficar aqui. A memória da morte de Lee e das duas Strigoi era muito forte. –Como você pagou a mobília nova?– perguntei. Os Alquimistas lhe tinham dado o lugar, mas não lhe tinham dado outros investimentos. –Vendi as coisas velhas,– disse Adrian parecendo muito satisfeito com isso. –Esse cadeirão…– Ele vacilou com uma expressão controversa em seu rosto. Me perguntava se ele também podia imaginar a vida de Lee a ser drenada naquela cadeira. –Este cadeirão vale muito. Ele foi espantosamente avaliado acima do preço, mesmo pelos meus padrões. Mas eu tinha dinheiro suficiente para substituir o resto. É usado, mas que escolha tinha? – –É agradável–, disse passando a mão ao longo de um sofá xadrez. Não parecia combinar com as paredes, mas parecia estar em bom estado. Mais, com o brilho do amarelo e o choque de mobília, ajudou a diminuir as memórias que tinha sobre o que aconteceu. –Você deve ter feito algumas compras pensadas. Eu supondo que você não comprou um monte de coisas usadas.– –Nunca tentei,– disse. –Você não tem ideia das coisas que tive de renunciar.– Seu sorriso satisfeito esvaneceu enquanto me olhava com atenção. –Como você esta a lidar com tudo isto?– Dei de ombros. –Bem. Por que não estaria? O que aconteceu comigo não é tão ruim quanto o que Jill passou.– Ele cruzou os braços. –Eu não sei. Jill não assistiu à morte de um cara em frente dela. E não vamos esquecer, que esse mesmo cara queria matá-la momentos antes , a fim de ressuscitar dentre os mortos.– Aquelas eram coisas que, definitivamente, estavam na minha mente durante a última semana, coisas que estavam a demorar muito para ultrapassar. Às vezes, eu não senti absolutamente nada. Outras vezes, a realidade do que tinha acontecido descia sobre mim de maneira rápida e pesada que eu nem conseguia respirar. Pesadelos com Strigoi tinham substituído os pesadelos com o centro de reeducação. –Eu realmente estou melhor do que você imagina,– disse lentamente, olhando para nada em especial. –Tipo, foi terrível o que aconteceu com Lee e o que ele nos fez passar, mas sinto que eu posso superar isto a tempo. No entanto, você sabe no que eu fico a pensar mais?– –O quê?–, perguntou delicadamente Adrian.

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As palavras pareciam surgir sem o meu controle. Eu não esperava dizer isto a ninguém, certamente não a ele. –Lee disse-me que eu estava a desperdiçar a minha vida e a ficar distante das pessoas. E depois, durante a última conversa com Keith, ele disse-me que eu era ingênua e que eu não entendia o mundo. E é verdade na maior parte. Quero dizer, não o que ele disse sobre vocês serem o mal…mas bem, eu sou ingênua. Eu deveria ter tido mais cuidado com Jill. Eu acreditava no melhor de Lee quando eu deveria ter tido mais cautela. Eu não sou uma lutadora como Eddie, mas eu sou uma observadora do mundo…ou assim eu gostava de pensar. Mas eu falhei. Eu não sou boa com pessoas. – –Sage, o seu primeiro erro em tudo isso foi dar ouvidos a qualquer coisa que Keith Darnell disse. O cara é um idiota, um imbecil e uma dúzia de outros nomes que não são adequados para uma senhora como você.– –Vês?– Eu disse. –Você acabou de admitir isso, que eu sou algum tipo de alma intocável e pura.– –Eu nunca disse tal coisa,– ele respondeu. –Meu ponto é que você está a léguas acima de Keith e o que aconteceu com Lee foi uma ridícula, estupida má sorte. E lembre-se, nenhum de nós viu isso a chegar também. Você não estava sozinha. Não envolveu só você. Ou…– Suas sobrancelhas arquearam. –Talvez faça. Você não disse que Lee considerou matar Keith pelo sangue Alquimista?– –Sim…mas Keith foi embora muito cedo.– –Bem, aí está. Mesmo um psicopata reconheceu que você tinha valor suficiente para querer matar um outro alguém primeiro. – Eu não sabia se ria ou se chorava. –Isso não me faz sentir melhor. – Adrian deu de ombros. –Meu ponto anterior permanece. Você é uma pessoa sólida, Sage. Você é transparente, mesmo um pouco magra e com a sua capacidade de memorizar informações inúteis, você vai encontrar com certeza algum rapaz. Coloque Keith e Lee fora de sua cabeça, porque eles não têm nada a ver com o seu futuro.– –Magra?– perguntei esperando de não estar corada. Eu também esperava que tivesse soado bastante indignada, para ele não perceber o quanto o outro comentário me tinha desarmado. ‘Transparente’. Não era exatamente a mesma coisa, que dizer que eu era uma encarnação quente ou linda de morrer. Mas depois de uma vida a ter a minha aparência julgada como ‘aceitável’, aquilo foi um precipitado elogio - especialmente vindo dele. –Eu simplesmente disse as coisas tal como elas são.–

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Eu quase ri. –Sim. Sim, você diz. Agora me diga sobre um assunto diferente, por favor. Estou cansado deste.– –Com certeza.– Adrian enfurecia-me às vezes, mas eu tinha que admitir, eu amava o seu tempo de resposta rápida. Fazia com que escapar de temas desconfortáveis fosse mais fácil. Ou assim pensava eu. –Você cheira isso?– Uma imagem dos corpos brilhou na minha cabeça e, por um momento, tudo o que eu pode pensar no que ele quis dizer foi o cheiro de decomposição. Então eu cheirei com mais atenção. –Sinto o cheiro da pintura, e…espera…é pinho?– Ele parecia impressionado. –Malditamente certo. Desinfetante de pinho para limpeza. O que significa, eu limpei.– Ele fez um gesto para a cozinha dramaticamente. –Com estas mãos, estas mãos que não fazem trabalho manual.– Olhei para dentro da cozinha. –Onde você usou isso? Nos armários? – –Os armários estão bem. Eu limpei o chão e o balcão.– Devo ter parecido mais confusa do que espantada porque ele acrescentou, –Eu mesmo fiz de joelhos.– –Você usou desinfetante de pinho no chão e no balcão?– perguntei. O chão era de ladrilhos cerâmicos e o balcão de granito. Adrian fez uma careta. –Sim, e daí?– Ele parecia muito orgulhoso por ter realmente limpo alguma coisa pela primeira vez na sua vida, que eu não consegui dizer-lhe que desinfetante de pinho era geralmente usado só na madeira. Eu dei-lhe um sorriso encorajador. –Bem, isso parece ótimo. Eu agora preciso que você venha limpar o meu novo quarto no dormitório. Está coberto de poeira.– –De jeito nenhum, Sage. Minha própria faxina já é ruim suficiente.– –Mas valeu a pena? Se você tivesse ficado na casa de Clarence, você tinha uma cozinheira e uma faxineira.– –Definitivamente valeu a pena. Eu, realmente, nunca tive verdadeiramente o meu próprio lugar. Eu meio que tive um na Corte…mas pode também ter sido um dormitório mais sofisticado. Isto? Isto é fantástico. Mesmo com a faxina. Obrigado.– O cómico olhar de horror que ele usou durante a conversa sobre a faxina, tinha sido trocado por um olhar mais serio agora, com aqueles olhos verdes que me avaliava. De repente me senti desconfortável sob o exame e me lembrei do sonho de espírito, onde eu tinha questionado se os seus olhos eram realmente mais verdes na vida real. –Pelo quê?– perguntei. –Por isto - eu sei que você deve ter torcido alguns braços de Alquimistas.– Eu não lhe

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tinha dito que eles estavam na realidade a passar o lugar para mim. –E por todo resto. Por não desistir de mim, mesmo quando estava a ser um completo idiota. E, você sabe, por me ter salvo a minha vida.– Desviei o olhar. –Eu não fiz nada. Foi Eddie - e Jill. Eles foram quem te salvaram.– –Não tenho certeza se estaria vivo quando vieram resgatar, se você não tivesse pegado fogo naquela cadela. Como você fez isso?– –Não foi nada,– protestei. –Apenas, ahhh, uma reação químicas da bolsa de truques dos Alquimistas.– Aqueles olhos me estudaram novamente, pesando a verdade das minhas palavras. Eu não estava certa de ele ter acreditado em mim, mas ele deixou passar. –Bem, a partir do seu olhar, seu objetivo deu certo. E então você levou por tabela por isso. Qualquer um que leva um golpe por Adrian Ivashkov merece algum crédito.– Virei as costas para ele, ainda tímida com o louvor - e nervosa com a referência ao fogo – caminhei até à janela. –Sim, bem, você pode ficar descansado, pois foi um ato egoísta. Você não tem ideia da dor que é arquivar a papelada da morte de um Moroi.– Ele riu, e esta foi uma das poucas vezes que ouvi-o a rir com humor genuíno e caloroso - e não por causa de algo estupido ou sarcástico. –Ok, Sage. Se você está dizendo. Você sabe, você é muito mais corajosa do que quando te conheci.– –Sério? Todos os adjetivos do mundo que você tem disponível, você escolhe 'corajosa'?– Eu conseguia manusear ironias. Enquanto me concentrava naquilo, eu tinha que não pensar sobre o significado por trás das palavras ou como meu batimento cardíaco aumentou um pouco. –Só para você ficar a saber, você está um pouco mais estável do que quando conheci você.– Ele veio ter comigo e ficou ao meu lado. –Bem, não diga pra ninguém, mas eu acho que ficar longe da Corte foi uma coisa boa. Este tempo é uma merda, mas Palm Springs pode ser bom para mim - ele e todas as maravilhas que ele contém. Vocês. Aulas de arte. Desinfetante de pinho.– Não pude deixar de sorrir e de olhar para ele. Eu disse meio a brincar, mas era verdade: ele havia mudado notavelmente desde que nos conhecemos. Ainda havia um homem magoado dentro, um que carregava as cicatrizes que Rose e Dimitri tinham feito nele, mas eu podia ver os sinais de cura. Ele estava mais seguro e mais forte, e se ele pudesse continuar com o curso, sem mais crises por um tempo, uma transformação notável podia realmente acontecer. Demorou alguns segundos de silêncio para eu me aperceber que estava a olhar para ele,

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enquanto a minha mente girava em pensamentos. E, na verdade, ele estava a olhar para mim, com um olhar de admiração. –Meu Deus, Sage. Seus olhos. Como é que eu nunca me apercebi? – Aquele sentimento incômodo foi-se espalhando novamente. –O que tem eles?– –A cor–, ele respirou. –Quando você fica na luz, eles são incríveis…como ouro derretido. Eu poderia pintar eles…– Ele se chegou para mim, mas depois recuou. –Eles são lindos. Você é linda.– Algo na maneira como ele me olhava, me fez congelar e senti um formigueiro no meu estomago, embora eu não pudesse entender bem o porquê. Eu só sabia que ele parecia que me estava a ver pela primeira vez…e isso me assustou. Eu era capaz de lhe dar respostas à altura, fazer elogios engraçados, mas esta intensidade era algo completamente diferente, algo que não sabia como reagir. Quando ele me olhou daquele jeito, eu acreditei que ele pensava que os meus olhos eram bonitos - que eu era bonita. Isso era mais do que eu esperava. Confusa, dei um passo para trás, para fora da luz solar, precisando ficar longe da energia do seu olhar. Eu ouvi dizer que o espírito poderia modifica-lo de uma forma estranha, mas eu não tinha ideia se era isto que estava a acontecer. Eu ia salvar-me com uma tentativa débil de dar um comentário espirituoso, quando uma batida na porta nos fez saltar aos dois. Adrian piscou e algum daquele encanto desvaneceu. Seus lábios torceram-se num dos seus sorrisos manhosos e foi estranho, pois era como se nada tivesse acontecido. –Hora do show, huh?– Eu balancei a cabeça, balançando entre uma confusa mistura de alívio, nervosismo e… excitação. Exceto que, eu não estava inteiramente certa se esses sentimentos eram por causa de Adrian ou por causa dos nossos visitantes inesperados. Tudo o que eu sabia era que, de repente, eu era capaz de respirar com mais facilidade do que uns momentos antes. Ele atravessou a sala e abriu a porta com um floreio. Abe entrou, resplandecente num terno cinza e amarelo que, intrigantemente parecia combinar com o trabalho de pintura de Adrian. Um sorriso largo rompeu no rosto do velho Moroi. –Adrian, Sydney…tão bom vê-los novamente. Eu acredito que um de vocês conhece esta jovem rapariga?– Ele passou por nós, revelando uma damphir magra, com cabelos ruivos e com uns grandes olhos azuis cheios de suspeita. –Olá, Angeline.– disse.

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Quando eles me disseram que Angeline Dawes ia ser a nova companheira de quarto de Jill, eu pensei que era coisa mais ridícula que já ouvi. Angeline era um dos Protetores, aquele grupo de Moroi, dhampir e humanos, que viviam nas florestas a Oeste de Virgínia, separados do resto do mundo. Eles não queriam nada com qualquer uma das nossas ‘civilizações' e tinham um certo número de costumes bizarros, não menos do que era a abominável tolerância deles para o romance entre raças. Mais tarde, quando pensei sobre isso, decidi que Angeline podia até não ser uma má escolha. Ela era da mesma idade que Jill, possivelmente dando a Jill uma conexão mais próxima do que eu poderia dar. Angeline, embora não tenha sido treinada para ser guardião como Eddie foi, ainda podia lutar à sua própria maneira. Se alguém viesse ter com Jill, eles teriam o seu trabalho dificultado por Angeline. E com a aversão que o povo de Angeline tinha para com os Moroi ‘contaminado’, ela não teria nenhuma razão para facilitar a política de algum tumulto rival. Enquanto a estudei e às suas roupas surradas, eu soube, porém, o quão bem ela se ia adaptar estar longe dos Protetores. Ela usava um olhar arrogante no rosto, um que eu tinha visto quando fui visitar a sua comunidade, mas aqui esse olhar foi sublinhado por algum nervosismo quando ela entrou na casa de Adrian. Depois de viver na floresta toda a sua vida, este pequeno apartamento com a sua TV e o seu sofá xadrez, era provavelmente algo de muito luxo moderno. –Angeline,– disse Abe. –Este é Adrian Ivashkov.– Adrian estendeu a mão, transformando-se no seu charme natural. –Um prazer.– Ela pegou a mão após um momento de hesitação. –Prazer em conhecê-lo,– disse ela com o seu sotaque estranho do sul. Ela estudou-o por mais alguns segundos. –Você parece demasiado bonito para ser útil.– Eu engasguei comigo mesma. Adrian riu e apertou a mão dela. –Palavras verdadeiras que nunca foram ditas,– disse ele. Abe olhou para mim. Eu provavelmente tinha um olhar de terror no meu rosto, porque eu já estava a imaginar o controle de danos que eu teria com Angeline a dizer ou a fazer algo completamente errado em Amberwood. –Sydney, sem dúvida deve querer… instruir você sobre o que a espera, antes de começar a escola.– disse Abe diplomaticamente. –Sem dúvida–, repeti. Adrian tinha-se afastado de Angeline, mas ainda estava a sorrir. –Deixa a Jailbait fazer isso. Melhor ainda, o Castile. Vai ser bom para ele.–

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Abe fechou a porta, mas não antes de eu ter dado um vislumbre para atrás dele, para o corredor vazio. –Não é apenas vocês dois, pois não?– perguntei. –Eu ouvi dizer que havia outros. Sonya é um deles, certo?– Abe acenou com a cabeça. –Eles vêm já. Eles estão a estacionar o carro. O estacionamento desta rua é terrível.– Adrian olhou para mim, atingido por uma revelação. –Hey, eu herdei o carro de Keith também?– –Acho que não,– disse. –Pertencia ao seu pai, por isso veio buscar.– A expressão de Adrian caiu. Abe enfiou as mãos nos bolsos e caminhou casualmente ao redor da sala. Angeline permaneceu onde estava. Eu acho que ela ainda estava avaliando a situação. –Ah, sim–, ponderou Abe. –O falecido, o grande Sr. Darnell. Esse menino deve ter sido realmente atacado por uma tragédia, não foi? Uma vida tão difícil.– Fez uma pausa e virou-se para Adrian. –Mas você, pelo menos, parece ter beneficiado da sua queda.– –Hey,– disse Adrian. –Eu ganhei isso, por isso não me venha com pesares sobre salvar Clarence. Eu sei que você queria que eu ficasse lá por alguma razão estranha mas… – –E você fez,– disse Abe simplesmente. Adrian fez uma careta. –Huh?– –Você fez exatamente o que eu queria. Eu suspeitava que algo de estranho estava a acontecer com Clarence Donahue, que ele poderia estar a vender o seu sangue. Eu esperava conseguir com que você descobrisse a trama.– Abe coçou o queixo, daquela forma misteriosa dele. –É claro, eu não tinha ideia que o Sr. Darnell estava envolvido. Nem esperava que você e a jovem Sydney, trabalhassem em equipe para desvendar tudo isso.– –Eu não ia tão longe,– disse secamente. Um estranho pensamento me ocorreu. –Porque você se importa se Keith e Clarence estavam a vender sangue de vampiro? Isto é, nós Alquimistas não temos razões para saber disso…mas porque você se importa?– Um brilho surpreso surgiu nos olhos de Adrian, seguido por compreensão. Olhou atentamente para Abe. –Talvez porque ele não queria concorrência.– Meu queixo quase caiu. Não era segredo para ninguém, Alquimistas ou Moroi, que Abe Mazur traficava mercadorias ilegais. Que ele poderia estar a traficar grandes quantidades de sangue de vampiro para humanos dispostos a isso, nunca me tinha ocorrido. Mas enquanto o estudava por mais tempo, percebi que deveria ser isso.

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–Vamos, vamos,– disse Abe sem começar a suar. –Não há necessidade de trazer temas desagradáveis.– –Desagradáveis?– Exclamei. –Se você está envolvido em qualquer coisa que…– Abe ergueu a mão para me deter. –Chega, por favor. Porque se a frase termina com você a dizer que vai conversar com os Alquimistas, então para todos os efeitos, vamos discutir aqui todos os tipos de mistérios. Digamos, por exemplo, como o Sr. Darnell perdeu o seu olho.– Eu congelei. –Um Strigoi lhe tirou,– disse Adrian impaciente. –Oh, vamos lá,– disse Abe com um sorriso trocista nos lábios. –Minha fé em você estava a ser restaurada. Desde quando, que um Strigoi faz uma mutilação com tal precisão? Uma mutilação com muita habilidade, devo acrescentar. Não que qualquer um, tenha provavelmente reparado. Um desperdício de talento, é o que eu lhe digo.– –O que você está dizendo?–, perguntou Adrian horrorizado. –Não foi um Strigoi? Você está a dizer que alguém cortou o olho dele fora de propósito? Você está a dizer que você… – As palavras falharam e ele simplesmente olhou entre mim e Abe. –É isso, não é? Sua pechincha diabólica. Mas porquê? – Eu me encolhi, quando três pares de olhos me encararam, mas não havia nenhuma maneira de eu poder reconhecer aquilo que Adrian estava a começar a juntar. Talvez eu pudesse ter-lhe dito se estivéssemos sozinhos. Talvez. Mas eu não podia dizer a ele, enquanto Abe se parecesse tão presunçoso e certamente não com uma estranha ali, tipo Angeline. Eu não podia dizer a Adrian como eu encontrei a minha irmã Carly, alguns anos atrás, após um encontro com Keith. Foi quando ele ainda estava a morar com a gente e pouco antes de ela ir para a faculdade. Ela não queria sair com ele, mas nosso pai adorava Keith e insistiu. Keith era o seu menino de ouro e não poderia fazer nada errado. Keith acreditava nisso também, tanto que ele não conseguiu levar com um não como resposta, quando ele e Carly estavam sozinhos. Ela veio ter comigo depois, rastejando no meu quarto - já tarde da noite - e soluçando enquanto eu a segurava. Minha reação imediata foi dizer aos nossos pais, mas Carly estava com muito medo -especialmente de nosso pai. Eu era jovem e quase tão assustada quanto ela estava, pronta para concordar com tudo o que ela queria. Carly tinha-me feito prometer que não contaria a nossos pais, então eu reuni os meus esforços para lhe assegurar que não era culpa dela. O tempo todo, ela me disse, que Keith dizia-lhe constantemente, como ela

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era bonita e como ela não lhe deixava escolha, que era impossível para ele tirar os seus olhos de cima dela. Finalmente convenci-a de que ela não tinha feito nada de errado, que ela não lhe tinha levado a isso - mas ela ainda me fez cumprir a minha promessa de ficar calada. Era um dos maiores arrependimentos da minha vida. Eu odiava o meu silêncio, mas não tanto quanto odiava Keith, por poder pensar que poderia violar alguém tão doce e gentil como Carly e fugir com isso. Não foi até muito mais tarde, quando tive minha primeira colocação e conheci Abe Mazur, que eu percebi que havia outras maneiras de Keith poder pagar e que me permitia manter a minha promessa a ela. Então, eu fiz um acordo com o diabo, não importando que isso me prendia - ou que eu estava inclinada para níveis de vingança bárbara. Abe tinha encenado um ataque falso de Strigoi e arrancou um dos olhos de Keith no início deste ano. Em troca, eu tinha-me tornado numa espécie de –Alquimista fixa– de Abe. Foi parte do que me tinha levado a ajudar Rose, quando ela fugiu da cadeia. Eu estava em dívida com ele. De certa forma, refleti amargamente, que talvez eu tenha feito um favor a Keith. Com apenas um olho sobrando, talvez ele não encontraria aquilo tão –impossível– para manter fora jovens mulheres desinteressadas no futuro. Não, eu certamente não poderia contar a Adrian nada disto, mas ele ainda estava a olhar para mim, com um milhão de perguntas em seu rosto, enquanto ele tentava descobrir o que no mundo me fez contratar Abe como um assassino. As palavras de Laurel, de repente me bateram de volta. ‘Você sabe, você, as vezes, pode ser assustadora como o inferno.’ Engoli em seco. –Lembras-te quando você me pediu para confiar em você?– –Sim…–, disse Adrian. –Eu preciso que você faça o mesmo por mim.– Longos momentos se seguiram. Eu não conseguia olhar para Abe porque sabia que ele estaria a sorrir. –'Corajosa' foi uma espécie de eufemismo,– Adrian afirmou. Depois do que pareceu uma eternidade, ele lentamente concordou. –Ok. Eu confio em você, Sage. Espero que você tenha boas razões para fazer tal coisa.– Não houve piada, nem sarcasmo. Ele foi mortalmente sério e, por um momento, eu me perguntei como pode ter ganho a sua confiança tão atentamente. Eu tive um flash estranho, de momentos antes de Abe ter chegado, quando Adrian tinha-me dito que ia

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me pintar e os meus sentimentos tinham ficado numa confusão. –Obrigado–, disse. –Do que,– exigiu Angeline, –vocês estão a falar? – –Nada de interessante, eu lhe garanto–, disse Abe, que estava realmente a gostar disto tudo, por demais. –Lições de vida, desenvolvimento do caráter, dívidas não pagam. Esse tipo de coisas.– –Não remunerado?– Eu me surpreendi dando um passo à frente e fixando-o com um brilho. –Eu pago a minha dívida uma centena de vezes. Eu não te devo mais nada. Minha lealdade agora é apenas para os Alquimistas. Não você. Estamos acabados. – Abe ainda estava a sorrir, mas ele vacilou um pouco. Eu acho que o meu ataque o tinha apanhado sem guarda. –Bem, isso continua a ser - ah.– A porta foi batida novamente. –Aqui está o resto do nosso grupo.– Ele foi para a porta. Adrian deu alguns passos na minha direção. –Nada mau, Sage. Eu acho que você acabou de amedrontar o velho Mazur.– Eu senti que um sorriso começava a surgir em mim. –Eu não sei sobre isso, mas que me senti bem.– –Você deveria responder às pessoas dessa forma, com mais frequência–, disse ele. Nós sorrimos um para o outro e, enquanto ele me olhava com carinho, senti que a mesma sensação incômoda retomava. Ele provavelmente não estava a experimentar aquela mesma sensação, mas havia um humor fácil e brilhante sobre ele. Raro - e muito atraente. Ele acenou com a cabeça na direção onde Abe estava a abrir a porta. –É Sonya.– Usuários de espírito podiam se sentir uns aos outros, quando eles estavam perto o suficiente, mesmo a porta estando fechada. E com certeza, quando a porta se abriu, Sonya Karp caminhou como uma rainha, alta e elegante. Com o seu cabelo vermelho preso num coque, a mulher poderia ser a irmã Moroi mais velha de Angeline. Sonya sorriu para todos nós, embora eu não pode evitar sentir um arrepio, quando me lembrei da primeira vez que a conheci. Ela não tinha sido então, bonita ou charmosa. Ela tinha tido olhos vermelhos e tinha tentado nos matar. Sonya era uma Strigoi que tinha sido restaurada de volta num Moroi, o que realmente a fazia como uma escolha ideal para trabalhar com Adrian, em descobrir como usar o espírito para evitar que as pessoas fossem transformadas. Sonya e Adrian se abraçaram e depois veio ter comigo, quando alguém apareceu na porta. Numa retrospectiva, eu não deveria ter ficado surpreendida de quem era. Afinal, se nós queríamos descobrir as

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especialidades da magia de espírito, que tinha impedido Lee de voltar, então precisávamos de todos os dados possíveis. E se um Strigoi restaurado era bom, então dois era melhor. Adrian empalideceu e ficou perfeitamente imóvel enquanto ele olhava para o recém-chegado e, nesse momento, todos os minhas esperanças de cura para ele desabou. Antes, eu tinha a certeza de que, se Adrian pudesse apenas ficar longe do seu passado e de eventos traumáticos, ele seria capaz de encontrar um propósito e se fixar de vez. Bem, parecia que o seu passado o tinha encontrado e, se isto não se qualificasse como um evento traumático, eu não sabia o que fazer. O outro parceiro de pesquiza de Adrian atravessou a porta, e eu soube que a paz inquieta que tínhamos acabado de estabelecer em Palm Springs estava prestes a desabar. Dimitri Belikov tinha chegado. *é uma cor tipo amarelo torrado.

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