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sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Capitulo 3

9:23 da manhã





Estou morta?

Eu tenho que me perguntar isso.

Estou morta?

A princípio parece obvio que estou. Que a parte de ficar parada aqui

observando era temporária, um meio termo antes da luz brilhante e a vida-

passando-por-seus-olhos que iria me transportar para onde vou a seguir.

Só que os paramédicos estão aqui agora, junto com a polícia e os

bombeiros. Alguém pos um lençol sobre meu pai. E um bombeiro está fechando

o zíper duma bolsa de plástico em que minha mãe está.Eu ouço ele conversar

sobre ela com outro bombeiro, que parece não ter mais de 18 anos. O mais

velho explica ao novato que mamãe provavelmente foi atingida primeiro e

morreu instantaneamente, explicando a falta de sangue. “Ataque cardíaco

imediato,” ele diz. “Quando seu coração não pode bombear sangue, você não

sangra. Você goteja.”

Mas eu estou morta? A eu que está deitada na beira da estraga, minha

perda pendura na vala, está cercada por um time de homens e mulheres que

estão fazendo vários procedimentos em mim e fincando em minhas veias com

algo que não sei o que é. Estou semi nua, tendo os paramédicos rasgado a parte

de cima da minha camiseta. Um dos meios seios está exposto. Embaraçada, eu

desvio o olhar.

A polícia colocou sinais pelo perímetro da cena e está instruindo os carros

de ambas as direções a voltar, a estrada está fechada. A policia educadamente

oferece rotas alternativas, estradas secundarias que vão levar as pessoas onde

precisam ir.

Eles devem ter lugares para ir, as pessoas naqueles carros, mas muitos

deles não voltam. Eles saem de seus carros, se abraçando contra o frio. Eles

avaliam a cena. E então eles desviam o olhar, alguns estão chorando, uma

mulher vomita nas samambaias do lado da estrada. E embora eles não saibam

quem somos ou o que aconteceu, eles rezam por nós. Eu posso sentir eles

rezando.

O que também me faz pensar que estou morta. Isso e o fato de que meu

corpo parece estar completamente dormente embora, olhando para mim, e a

perna que está esfoliada até o osso, eu deveria estar em agonia. E também não

estou chorando, embora eu saiba que algo impensável acabou de acontecer

com minha família. Somos como o Humpty Dumpty¹ e todos aqueles cavalos reis

e todos aqueles reis homens não podem nos juntar novamente.

Estou ponderando essas coisas quando a médica com o cabelo ruivo e

sardas que estava trabalhando em mim respondeu minha pergunta. “O nível de

Coma Glasgow dela está em oito. Vamos enturbar agora!” ela grita.

Ela e o médico de queixo-quadrado enfiam um tubo pela minha garganta,

ligam uma bolsa com um bulbo nele, e começam a bombear. “Qual é o Tempo

de Espera para o Life Flight²?”

“Dez minutos,” respondeu o médico. “Leva 20 minutos para chegar a

cidade.”

“Vamos levar ela lá em 15 minutos nem que você tenha que correr como

um demônio fudido.”

Eu sei o que o cara está pensando. Que não me fará nenhum bem se eles

baterem, e eu tenho que concordar. Mas ele não diz nada. Só cerra os dentes.

Eles me colocam na ambulância: a ruiva sobe na parte de trás comigo. Ela

bombeia minha bolsa com uma mão, e ajusta meu soro e meus monitores com

a outra. Então ela tira uma mexa do meu cabelo da minha testa.

“Agüente firme,” ela me diz.

Eu toquei no meu primeiro recital quando tinha dez anos. Estive tocando

violoncelo a dois anos naquele ponto. A principio, só na escola, como parte do

programa de música. Foi um golpe de sorte eles sequer terem um violoncelo;

eles são muito caros e frágeis. Mas um antigo professor de literatura da

universidade tinha morrido e cedido seu Hamburg³ para nossa escola. Ele ficava

em grande parte no canto. A maior parte dos garotos quer aprender a tocar

guitarra ou saxofone.

Quando eu anunciei a mamãe e papai que eu ia me tornar uma

violoncelista, os dois caíram na gargalhada. Eles se desculparam mais tarde,

alegada que a ideia da mini-eu com um instrumento tão grande entre minhas

pernas os fez rir. Quando eles perceberam que eu estava falando sério, eles

imediatamente engoliram suas risadas e colocaram rostos de apoio.

Mas a reação deles ainda doeu – de formas que eu nunca contei aos dois,

e de formas que eu não tenho certeza nem que eles teriam entendido mesmo

que eu tivesse contado. Papai às vezes brinca que o hospital onde nasci deve ter

acidentalmente trocado os bebês porque eu não pareço em nada com o resto

da minha família. Todos são loiros e bonitos e eu sou como a imagem negativa

deles, cabelo castanho e olhos escuros. Mas conforme envelheci, a piada de

hospital do papai ganhou mais significado do que eu acho que ele pretendia. As

vezes eu realmente sentia que havia vindo de uma tribo diferente. Eu não em

nada parecida com meu extrovertido e irônico pai ou durona como minha mãe.

E como se fosse para selar o negócio, ao invés de aprender a tocar guitarra

elétrica, eu escolhi tocar violoncelo.

Mas em minha família, tocar música era ainda mais importante do que o

tipo de música que você toca, então depois de alguns meses quando ficou claro

que meu amor pelo violoncelo não era uma paixão passageira, meus pais

alugaram um para mim para que eu pudesse praticar em casa.Escalas e tríades

enferrujadas levaram as primeiras tentativas de “Twinkle, Twinkle, Little Star”

que eventualmente cedeu a um étude4 básico até que comecei a tocar peças de

Bach.

Minha escola não tinha um programa de música muito bom, então mamãe

encontrou para mim um professor particular, um estudante da faculdade que

vinha uma vez por semana. Através dos anos, houve uma enorme quantidade

de estudantes que me ensinaram, e então, conforme minhas habilidades

superavam a deles, meus professores estudantes tocavam comigo.

Isso continuou até a nona série, quando papai, que conhece a professora

Christie de quando ele trabalhou numa loja de música, perguntou a ela se ela

estava disposta a me dar aulas particulares. Ela concordou em me escutar tocar,

sem esperar muito, mas como um favor a papai, mais tarde ela me disse. Ela e

papai ouvir no andar de baixo enquanto estava no meu quarto praticando a

Sonata de Vivaldi. Quando desci para jantar, ela se ofereceu para me treinar.

Mas meu primeiro recital, foi anos antes deu conhecer ela. Foi num salão

na cidade, um lugar que normalmente exibia bandas locais, então a acústica era

terrível para música clássica não amplificada. Eu estava tocando solo de

violoncelo de Tchikovsky “Dance of the Sugar Plum Fairy5.”

Nos bastidores, ouvindo os outros garotos tocar um violino arranhado e

uma composição de piano, eu quase amarelei. Eu corri pela porta do palco e

parei do lado de fora, hiperventilando. Meu professor estudante ficou em

pânico e mandou um grupo de busca.

Papai me encontrou. Ele estava recém começando sua transformação de

descolado-para-quadrado, então ele estava usando um terno antigo, com um

bolso de couro e botas pretas.

“Você está bem, Mia Oh-Minha-Uh?” ele perguntou, sentando perto de

mim nos degraus.

Eu balancei a cabeça, muito envergonhada para falar.

“O que aconteceu?”

“Eu não posso fazer isso,” eu chorei.

Papai levantou uma de suas sobrancelhas grossas e me olhou com seus

olhos azuis-acinzentados. Eu me sentia como uma espécie misteriosa que ele

estava observando e tentando entender. Ele esteve tocando em bandas a uma

eternidade. Obviamente, ele nunca teve algo tão bobo como medo de palco.

“Bem, isso seria uma pena,” papai disse. “Eu tenho um presente de

recital para você. Melhor do que flores.”

“Dê a outra pessoa. Eu não posso entrar lá. Não sou como você ou

mamãe ou até mesmo Teddy.” Teddy tinha apenas 6 meses naquela época, mas

já estava claro que ele tinha mais personalidade, mais coragem, do que algum

dia eu teria. E é claro, ele era loiro e tinha olhos azuis. Mesmo que não tivesse,

ele nasceu num centro de nascimento, não num hospital, então não tinha

chances de uma acidental troca de bebês.

“É verdade,” papai diz. “Quando Teddy deu seu primeiro concerto de

harpa, ele foi tão legal quanto um pepino. Que prodígio.”

Eu ri através das lágrimas. Papai pos um braço gentil ao redor de meus

ombros. “Você sabe que eu costumava ter o mais feroz nervosismo antes de um

show.”

Eu olhei para papai, que sempre pareceu absolutamente certo de tudo

no mundo. “Você está dizendo isso por dizer.”

Ele balançou sua cabeça. “Não, não estou. Era horrível. E eu era o

baterista, que ficava bem atrás. Ninguém nem prestava atenção em mim.”

“Então o que você fez?” eu perguntei.

“Ele ficou bêbado,” mamãe intercedeu, colocando sua cabeça para fora

da porta do palco. Ela estava usando uma mini saia de vinil preta, um topo

vermelho, e Teddy babando feliz em seu Baby Björn6.“Um par de cervejas

baratas antes do show. Eu não recomendo isso para você.”

“Sua mãe provavelmente tem razão,” papai disse. “O serviço social não

gosta de garotas de 10 anos bêbadas. Além do mais, quando eu soltei meus

bastões e vomitei no palco, foi punk. Se você soltar seu arco e cheirar a bebida,

vai parecer fracassada. Vocês pessoas de música clássica são esnobes assim.”

Agora eu estava rindo. Eu ainda estava assustada, mas de alguma forma

era reconfortante pensar que talvez meu medo de palco fosse um traço que

herdei do meu pai; não era apenas uma criança abandonada afinal de contas.

“E se eu estragar tudo? E se eu for horrível?”

“Tenho novidades pra você, Mia. Vai ter todo tipo de horrível ali dentro,

então você não vai realmente se destacar,” mamãe disse. Teddy deu um

pequeno grito de concordância.

Papai ainda estava sorrindo mas eu percebi que ele tinha ficado sério

porque ele diminuiu seu discurso. “Você não vai. Você só vai passar por isso.

Você apenas tem que agüentar firme.”

Então eu fui. Eu não estraguei a peça. Eu não alcancei glória ou me

destaquei, mas não estraguei tudo completamente. E depois do recital, eu

ganhei meu presente. Ele estava no banco do passageiro do carro, parecendo

tão humano quanto o violoncelo por qual estive atraída dois anos mais cedo.



Não era alugado. Era meu.


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