O ano de 2011 começou sem grandes mudanças no Não Faz Sentido,
mas com gigantescas em minha vida pessoal, que não é bem o alvo deste livro.
Mais confiante e morando com uma mulher pela primeira vez na vida, comecei a
assumir uma postura muito mais séria e madura. E, por conta disso, comecei a
plantar em meu cérebro de forma definitiva a ideia que mais me empolgava nos
últimos meses: criar minha própria empresa ligada ao entretenimento. Mas o
medo ainda era muito forte. Eu precisaria de muito dinheiro, muito planejamento
e muito estudo. O desafio era imenso mas cada vez mais começava a me preparar
para isso.
O Não Faz Sentido, por sua vez, continuava sendo um fenômeno de audiência,
apenas superado pela “Galinha Pintadinha” (afinal de contas, não há qualquer
possibilidade de se disputar com um canal que cria conteúdo para crianças de 2 a
6 anos, uma vez que elas assistem ao mesmo vídeo oitocentas vezes,
literalmente). Para jovens e adultos, o Não Faz Sentido já era o maior fenômeno
de entretenimento da história da internet brasileira. O primeiro caso de real
sucesso envolvendo alguém que começou no YouTube e migrou para outras
mídias.
Em números exatos, no dia primeiro de janeiro de 2011 o Não Faz Sentido já
era, disparado, o canal com maior número de assinantes do Brasil, com 393 mil
inscritos. Ao todo, em apenas 25 vídeos publicados, eram mais de 68 milhões de
visualizações, uma média de 2,72 milhões a cada vídeo postado. Nestes mesmos
25 vídeos, o canal já somava mais de 500 mil comentários publicados pelos
usuários, além de 1,3 milhão de “gostei” (quando alguém clica no botão
“gostei”). Os números eram muito maiores que qualquer outro projeto
independente criado na web brasileira até então, sem qualquer tipo de
investimento por trás, nenhum empresário e nenhum plano de negócios.
Os números eram tão grandes que alguns veículos da imprensa começaram a
comparar a audiência do Não Faz Sentido com a audiência de outras mídias e
perceberam, após pesquisa, que o meu canal sozinho já era maior e capaz de
causar mais impacto que todos os canais da TV fechada, além de todas as rádios e
algumas revistas e jornais. Isso tudo me causava grande espanto e me despertava
ainda mais o interesse em transformar tudo isso em um grande projeto
empresarial, desta vez, planejado e executado de acordo com o livro de regras do
mundo dos negócios.
Desenterrei um caderno antigo com o Botafogo na capa, no qual eu costumava
anotar minhas ideias, e passei a escrever nele todas as madrugadas, tentando
pensar em qual projeto iria criar, que empresa fundaria e que nicho tentaria
atingir. A Maddu me apoiava, dando ideias e deixando que eu mergulhasse em
meus planejamentos em plena madrugada, em vez de deitar ao seu lado para ver
algum filme ou curtir a fase da relação. Debruçava-me não apenas na criação de
ideias como também no estudo de material on-line sobre criação de empresas,
pois não poderia cometer muitos erros visto que provavelmente teria de investir
uma boa quantia para transformar tudo isso em realidade. Eu tinha conseguido
juntar um bom dinheiro, mas não o suficiente para apostar tudo e perder. Só teria
uma chance e precisaria acertar, caso contrário, poderia ir à falência e, se o Não
Faz Sentido perdesse forças, poderia voltar para a estaca zero.
O ano de 2008 não saía da minha cabeça. O ano em que eu perdera tudo,
emocional, financeira e estruturalmente. Já tinha ido morar sozinho e voltado para
a casa da mamãe uma vez, isso não poderia acontecer de novo. Quando se perde
tudo, aquilo passa a te assombrar para o resto da vida. É uma faca de dois gumes:
ao mesmo tempo em que te deixa com mais medo, também te deixa muito mais
precavido. Não há nada capaz de gerar maior lição em sua vida do que uma bela
porrada com a cara no muro. A dor é tão violenta que você com certeza pensará
oito mil vezes antes de passar perto daquele muro novamente. A grande questão é
se você terá forças e coragem o suficiente para voltar a enfrentá-lo (o muro,
espero que a metáfora tenha sido clara o suficiente, sou um tanto quanto péssimo
nessas coisas).
Ao mesmo tempo em que tudo isso passava em minha cabeça, o programa no
Multishow mostrava bons resultados, mesmo não sendo exatamente aquilo que eu
gostaria de ter feito. A série era simples e com episódios de treze minutos, mas
parecia agradar ao meu público da internet. Por conta disso, renovamos e
decidimos criar outro programa para o canal, chamado Até que Faz Sentido, desta
vez com episódios de meia hora, nos quais eu criaria roteiros do Não Faz Sentido
e iria para as ruas entrevistar pessoas relacionadas ao tema criticado. Era mais um
programa para a TV, mais tempo de contrato e mais estabilidade financeira. O
quadro da Globo para o Esporte Espetacular também começava a ganhar forma
e, após um piloto aprovado, começamos a estruturar o quadro em si.
Ao mesmo tempo, ainda precisava atualizar o Não Faz Sentido, o que agora
começava a ficar realmente complicado. Não só estava cada vez mais difícil
encontrar um tema interessante que valesse a pena ser criticado em um vídeo
inteiro, como também estava morando relativamente distante da casa da minha
mãe, onde o cenário tinha ficado. Para gravar, eu precisava me locomover
bastante, chegar lá com energia e depois voltar para casa com todo o material e
equipamento.
Além disso, pela primeira vez eu começava a me sentir menos entusiasmado
com o Não Faz Sentido, o que começava a resultar em alguns xingamentos na
internet pela falta de vídeos novos. O último vídeo tinha ido ao ar no dia 8 de
dezembro e até o dia 27 de janeiro nenhum outro vídeo tinha sido lançado. Isso
era o resultado do excesso de trabalho em que havia me metido. Estava com dois
programas de TV em andamento, a campanha da Wise Up, a criação do projeto
de uma empresa, a mudança de estilo de vida e, para coroar isso tudo, o fato de
que o Não Faz Sentido começara a representar para mim um projeto que não
poderia durar por muito mais tempo se eu continuasse a publicar muitos vídeos.
Era uma faca de dois gumes. O Não Faz Sentido era minha principal fonte de
renda, não só com o dinheiro que vinha do próprio YouTube pelos banners que
apareciam nos vídeos como também pelas campanhas publicitárias que eu
fechava por conta do canal, que normalmente traziam valores bem altos. Porém,
quanto mais eu fizesse vídeos com temas não tão interessantes, mais perto ficaria
do fim do canal.
Sempre que eu dizia: “Galera, não tem vídeo pois não tem nenhum tema
interessante”, recebia constantes mensagens nas redes sociais, respondendo: “Não
importa o tema, só faça mais vídeos!” A grande questão é que o público
normalmente não sabe o que quer, apenas acha que sabe. Eu havia lido uma vez
uma frase genial do Steve Jobs, “As pessoas não sabem o que querem, até
mostrarmos a elas”. Esse ideal fantástico tinha vindo justamente do fato de que, se
você pergunta a uma pessoa o que ela gostaria de ter em um celular (por
exemplo), ela provavelmente responderá coisas referentes a tecnologias já
existentes. Contudo, se você quebra barreiras e cria coisas jamais pensadas ou
vistas, seu sucesso terá grandes chances de ser tremendo. Com o Não Faz Sentido
era a mesma premissa. Quanto mais eu ficasse fazendo aquilo que o público
queria e pedia para que eu fizesse, mais perto estaria do dia em que esse mesmo
público se cansaria do conteúdo. Eu sabia e tinha plena convicção de que, quanto
mais insistisse em colocar os óculos escuros e falar palavrões, mais rápido estaria
de bater novamente com a cara no muro.
Por isso, tomei a decisão de que era hora de definitivamente começar a
publicar menos vídeos. Assim, quem sabe, o Não Faz Sentido poderia virar uma
espécie de programa surpresa, que a cada novo vídeo publicado faria com que
todo mundo comentasse e fosse assistir, em vez de continuar como um quadro
periódico com o qual as pessoas já teriam se acostumado e até mesmo enchido o
saco. Além disso, com menos vídeos indo ao ar, eu poderia começar a desligar
minha imagem de “garoto de óculos escuros que xinga todo mundo” e as pessoas
poderiam me ver ainda mais como um ator capaz de criar outros tipos de projetos.
Os programas na TV ajudariam muito com isso.
No final de janeiro, contudo, senti que era a hora de fazer um novo vídeo e o
tema já nascera em minha cabeça.
Sempre odiei o Carnaval. Na minha opinião, o Carnaval é uma das coisas mais
erradas neste país. Uma simples festa faz com que os dois primeiros meses do ano
sejam praticamente nulos. Ninguém quer dar o seu máximo, seja em questões
escolares, faculdade ou até mesmo no trabalho, pois todos sabem que “o ano só
começa depois do Carnaval”. Essa cultura faz nosso país ter um rendimento
patético em janeiro e fevereiro, em diversos setores diferentes, principalmente
naquele que mais afeta minha vida: a publicidade. As agências trabalham em
ritmo lento, enquanto os clientes esperam passar o Carnaval para realmente
começarem a investir em propaganda. Em resumo: janeiro e fevereiro são sempre
os piores meses do ano para se fazer dinheiro na internet.
Isso tudo sem contar que a cidade do Rio de Janeiro inteira fica infestada de
gente bêbada nas ruas, confusão, acidentes, brigas, assaltos, mortes e muito, mas
MUITO cheiro de urina. Tudo isso ao som miserável do funk (embora alguns
blocos tenham música de qualidade) e um apoio impressionante da mídia, que
eleva o Carnaval como grande festa cultural e extremamente importante para o
povo.
Com todo esse material em mãos, escrevi e filmei o vídeo de título “Carnaval e
micareta”, que foi ao ar no dia 28 de janeiro de 2011 e se tornou um dos grandes
hits do Não Faz Sentido, passando das 3 milhões de visualizações em muito
pouco tempo, embora não tenha recebido uma aceitação tão grande quanto os
anteriores. Como estava criticando a festa mais popular deste país, o vídeo ficou
com uma média superior a 10% de rejeição na quantidade de “gostei” e “não
gostei”, mas mesmo assim foi um fenômeno de audiência aclamado pela maioria.
Um fato curioso sobre o vídeo “Carnaval e micareta” ficou por conta da sua
duração. Até este vídeo, o mais longo que eu havia lançado tinha sido
“Crepúsculo”, com onze minutos de duração. Contudo, como o tema “Carnaval”
me despertava instintos primitivos de ódio e muita coisa pra falar, este vídeo ficou
com mais de quinze minutos, uma verdadeira eternidade quando se tratava de
vídeos para a internet. Antes de lançar, algumas pessoas ainda me alertaram,
pedindo para que eu cortasse mais falas e reduzisse o tempo, com o objetivo de
ter mais visualizações, mas eu realmente queria fazer este teste. Será que as
pessoas assistiriam a um vídeo do Não Faz Sentido com mais de quinze minutos?
Ninguém mais estava publicando vídeos tão longos no YouTube brasileiro, salvo
raras exceções que não contavam muitas visualizações.
Fui contra os conselhos e arrisquei. O resultado foi extremamente positivo e as
visualizações falaram por si só. Vários comentários ainda diziam: “Faça mais
vídeos longos como este, já que não está lançando tantos vídeos.” Fazer um vídeo
de mais de quinze minutos passar das 3 milhões de visualizações em tão pouco
tempo era realmente mais uma façanha impressionante do Não Faz Sentido, que
logo foi reconhecida em algumas notas de matérias na imprensa do país. Em
pouco tempo, o YouTube brasileiro tinha saído do status de site onde você podia
ver vídeos de pessoas se machucando e gatos saindo de caixas para um site onde
você realmente se interessava em absorver conteúdo de quinze minutos de
duração. A partir daquele dia decidi que os vídeos seriam mais longos, com o
objetivo de tentar educar o público para consumir ainda mais o YouTube. Quanto
mais vídeos longos fossem postados, mais o usuário se acostumaria com isso e
passaria a assistir a outros canais com produções mais longas.
A lógica era muito interessante, praticamente um divisor de águas. Se o
YouTube conseguisse se estabelecer como um veículo de mídia de grandes
produções e com bastante tempo de duração, este poderia ser o futuro do
entretenimento, principalmente no Brasil, um país assolado pelo quase sempre
péssimo conteúdo da TV aberta e com um cinema que apenas engatinhava para
perto de seu potencial.
Uma lâmpada se acendeu em minha mente.
Era por volta das 2h. Com a Maddu dormindo no canto do nosso quitinete no
Catete, acendi a lâmpada do abajur e debrucei-me sobre o caderno velho e
surrado do Botafogo. As ideias vinham como num turbilhão e eu tentava
apressadamente anotá-las o mais rápido possível antes que minha mão começasse
a doer.
Abaixo estão as anotações que fiz na época:
A internet é o futuro do entretenimento. A TV segue com seu pensamento
arcaico e conteúdo sem apelo aos jovens. Em algum momento isso vai dar
numa crise do cacete. Nenhum jovem que eu conheça gosta de assistir à
televisão e prefere ficar horas e horas navegando na internet. (nota mental:
preciso fazer meus programas na TV e sair logo ou pode acabar dando
merda, meu futuro não é lá.)
O que antes era apenas zoação tá ficando sério. Os jovens não entram
mais no YouTube buscando só vídeos rápidos pra dar uma risadinha, eles
agora querem conteúdo de qualidade. Quanto mais eu impulsionar, mais
eles pedirão por vídeos mais longos.
Eu preciso ir além.
Tenho nas mãos uma força imensurável, que ninguém realmente sabe
ver, inclusive eu. Preciso usar isso para impulsionar o entretenimento do
Brasil inteiro. Eu posso mudar esse país.
Relendo minhas anotações, percebo porque meu pai diz, desde a minha
infância, que eu tenho sérios problemas com mania de grandeza. Que mudar o
país o quê, Felipe, porra, calma. Mas, enfim...
Hoje eu tenho o maior canal do YouTube. Se eu investir nos lugares certos,
posso criar um canal maior ainda que dê oportunidade para outros
artistas. Roteiristas, diretores, fotógrafos e principalmente atores.
E foi assim, pela primeira vez em definitivo, que nasceu a ideia de criar uma
produtora profissional de vídeos para a internet.
Se o canal crescer e se destacar, outros artistas vão se destacar e mais
artistas vão querer se destacar também, criando seus próprios canais. Se
isso acontecer, o YouTube brasileiro inteiro será revolucionado e vai
passar a ter um conteúdo foda e de qualidade, com várias produtoras,
artistas etc. Toda a classe artística vai ver que vale mais a pena começar
um projeto próprio no YouTube do que ficar tentando uma chance
raríssima na TV. Toda essa caralhada de gente fazendo teste pra Malhação
vai perceber que vale muito mais a pena se unir e criar conteúdo pra
internet.
Tudo isso vai virar uma bola de neve e vai trazer o público jovem em
peso para passar horas no YouTube, em vez de perder tempo com a TV.
Vai nascer a revolução do entretenimento do Brasil.
Foi dessa forma que terminei minhas anotações, que guardo com muito carinho
até hoje. Transcrevi exatamente como está escrito em meu caderno. Como eram
pensamentos que eu precisava colocar rapidamente no papel, acabei utilizando
palavras como “caralhada”. Já pensou se um dia essa minha página vira uma
daquelas famosas citações de artistas antigos? “Toda essa caralhada de gente
fazendo teste pra Malhação vai perceber que vale muito mais a pena se unir e
criar conteúdo pra internet” – Neto, Felipe, 2010.
Já era muito tarde, mas eu estava completamente aceso. Levantei da cadeira e
comecei a andar de um lado para o outro no quarto, pensando de que forma
poderia ajudar a mudar o entretenimento no Brasil. Uma ideia já estava certa:
tinha que começar criando uma produtora foda de vídeos no YouTube, com
qualidade de cinema. Lá eu poderia revelar novos artistas e fazer com que cada
vez mais artistas quisessem sair de suas vidas mandadas na TV para realmente
começarem a criar conteúdo próprio na internet. Seria uma tarefa dificílima, que
provavelmente levaria anos para ter algum resultado, mas, se tudo fosse feito da
maneira certa, poderia mudar para sempre algo que permanecia congelado no
Brasil há mais de cinquenta anos.
Além disso, não parecia algo tão impossível assim, uma vez que o surgimento
do Não Faz Sentido e do Mas Poxa Vida tinham mudado definitivamente o
próprio YouTube como um todo no Brasil. A cada dia milhares de novos vlogs
surgiam. Pessoas ficavam cada vez mais empolgadas com a perspectiva de ter um
trabalho na internet voltado para o entretenimento. A “era dos vlogs” já se
tornava uma realidade. Se isso tinha acontecido com esse tipo de formato, por que
não seria possível fazer a mesma coisa com o formato de produtora de conteúdo
de grande qualidade?
Mas tinha um grande problema.
Voltei para o caderno e escrevi:
PROBLEMA! DINHEIRO!
Quanto mais eu pensava, mais a palavra “dinheiro” vinha em minha mente.
Por inúmeros motivos, mas os dois principais eram (voltando às anotações):
1) Se não tiver dinheiro o suficiente, ninguém vai conseguir manter canal
no YouTube, então não vai funcionar porra nenhuma. Ter produtora é
caro, não dá pra fazer sozinho que nem vlog.
Isso era um fato. Enquanto o glamour de ter um canal de sucesso no YouTube
fosse imensuravelmente maior que a vida frustrada de um ator série B de teatro ou
figurante de Malhação, a vida não era estável e muito menos segura. O dinheiro
ainda era muito pouco. Afinal, eu tinha o maior canal do YouTube disparado,
com números assustadores de audiência e mesmo assim estava longe de estar
realmente rico. Imagine os canais medianos e, principalmente, os pequenos, como
qualquer um começaria.
2) Se começar a ter muito dinheiro, é bem capaz de os anunciantes
passarem a controlar o conteúdo e proibirem uma série de coisas, como os
palavrões, o politicamente incorreto e as sacanagens com políticos.
Esse era o fator mais preocupante. O conteúdo do YouTube estava começando
a fazer muito sucesso com os jovens justamente porque eles conseguiam se
identificar com o que era publicado. O linguajar era compatível com a realidade
que eles viviam, os vídeos eram feitos para eles, não ficavam se preocupando
com o anunciante A ou B, muito menos com o politicamente correto, a moral e os
bons costumes. Se a internet realmente causasse essa revolução do
entretenimento, o próprio YouTube poderia se tornar a TV aberta do amanhã,
controlada pelo dinheiro e pelas regras imbecis da moralidade babaca do
conservadorismo. Puta merda, poderia ser ainda pior, o Ministério Público
poderia começar a impedir que determinados vídeos ficassem disponíveis a
menos que tivessem “classificação indicativa” (o que eu ainda acredito que vai
acontecer, se já não tiver acontecido na altura em que você está lendo este livro).
Pensando nisso, bolei duas possíveis soluções logo em seguida:
1) A produtora que vou lançar tem que ter força para atrair novos
anunciantes e mostrar pra eles a força da internet. Podemos começar com
os que já anunciaram no Não Faz Sentido. Com isso elas também irão
começar a querer investir em outros canais.
Isso era meio óbvio. Com o possível sucesso dessa produtora que eu criaria, os
anunciantes começariam a despertar o interesse de colocar dinheiro no YouTube.
2) Se a coisa ficar grande demais e os anunciantes começarem a querer
controlar o conteúdo, diremos não. Vou criar um guia de regras e
obrigações que o anunciante vai ter que assinar se quiser anunciar pra
nossa audiência. Com o sucesso disso, passarei essas regras para os outros
youtubers para que eles também não deixem que seus vídeos percam a
essência para o poder do dinheiro.
Era tudo uma grande molecagem, mas pra mim tinha um valor inacreditável.
Meu coração batia forte, o entusiasmo corria em minhas veias como se o
Botafogo finalmente tivesse conseguido ganhar uma Copa Libertadores (se você
está lendo em 2020, espero que isso já tenha acontecido, pelo amor de Deus).
Eu continuava a escrever alucinadamente, anotando ideias aleatórias do que
poderia ou não funcionar.
Tem que ser uma produtora de vídeos de humor, porque é o que está
dando certo no YouTube atualmente. Depois podemos ir para outras coisas
em outros projetos, tipo drama, notícias e documentários.
Depois de muito, mas muito texto, comecei a definir coisas mais práticas.
Nome: preciso escolher um nome.
Periodicidade: 1 vídeo por semana por enquanto, porque se não vai ficar
muito caro.
Funcionários: eu como ator, roteirista e designer, um outro roteirista, um
programador pra fazer o site, um diretor pra filmar, um editor.
A partir daí comecei a fazer uma imensa lista de equipamentos que precisaria
comprar, escritório para alugar, móveis, utensílios, entre diversas outras coisas.
Ao final de tudo, percebi que precisaria de centenas de milhares de reais para
manter a empresa funcionando com tranquilidade durante um ano, pagando todas
as contas em dia e imaginando um cenário pessimista de que levaria meses para
começar a ganhar alguma coisa com publicidade neste novo canal, que começaria
do zero.
Já era muito tarde, quase de manhã. A barreira de sempre encontrava-se na
minha frente: dinheiro. Àquela altura eu tinha conseguido fazer um bom dinheiro
por conta do Não Faz Sentido e da minha imagem. Minha conta bancária somava
algo em torno de 250 mil reais, um valor que pra mim era inacreditável
considerando que oito meses antes eu me matava para conseguir alguns trocados
depois de ter quebrado completamente em 2008. Aliás, minha falta de inteligência
financeira era tão grande que o dinheiro encontrava-se na minha conta corrente,
parado, sem render um centavo. Se eu ia começar uma empresa, precisava
corrigir esse meu defeito imediatamente.
Adendo: você agora pode falar: “Pera, como assim você tinha esse dinheiro
todo e acabou de escrever ali em cima que não era rico?” Eu explico. De todo o
dinheiro que ganhara, a esmagadora maioria tinha vindo de fora do YouTube, em
campanhas publicitárias que envolviam minha imagem. Minha preocupação era
como as produtoras ganhariam dinheiro dentro do YouTube, não fora dele. Além
do mais, essa quantia pode parecer muito dinheiro, mas, quando se tem o
planejamento de montar uma empresa, passa a ser quase nada perto do que é
necessário para bancar tudo sem riscos.
Eu tinha apenas duas escolhas à minha frente, que tratei de colocar no caderno:
OPÇÕES PARA BANCAR O PROJETO:
1) Investir do meu bolso e correr o risco de não dar certo, perder tudo e
falir.
2) Montar um projeto e mostrar para um investidor.
3) ...
Fiquei algum tempo tentando pensar numa opção 3. Finalmente percebi.
3) Não tem porra de opção 3.
Eu só tinha duas opções: ou arriscava tudo ou partia em busca de um
investidor, o que não seria tão difícil. Com um projeto bem montado e um bom
argumento de defesa, poderia encontrar algum empresário disposto a colocar
algumas centenas de milhares de reais em troca de uma boa parcela da empresa.
Meu nome e o que já tinha feito no YouTube sem dúvidas atrairiam alguns
olhares dos “donos do dinheiro”.
Por outro lado, não queria ter um sócio, muito menos um empresário
tradicional e engravatado que ficaria em cima do meu pescoço cobrando por
resultados. Meu tio Gentil (o nome dele é Gentil, não estou dizendo que ele é
uma pessoa gentil, embora seja. Aliás, ele é irmão da minha mãe, Rosa
Esmeralda. Meus avós eram fodas) sempre disse: “Se for começar um negócio,
não tenha sócios, sócio só dá dor de cabeça.”
De fato eu não poderia ter sócios. Ninguém tinha passado pelas coisas que
passei no YouTube. De certa forma, mesmo em apenas oito meses, eu era uma
das raríssimas pessoas que realmente poderiam conduzir um projeto voltado para
vídeos na internet. Eu conhecia o público, tinha noção do que funcionava e sabia
exatamente do gigantesco risco que seria. Qualquer sócio que entrasse com uma
visão financeira do negócio, provavelmente seria incapaz de compreender as
decisões arriscadas que eu teria de tomar para que desse certo. Com o controle do
dinheiro, um sócio poderia matar meu projeto.
Eu tinha que arriscar tudo. Só não estava pronto pra isso.
acesse o vídeo mencionado neste capítulo:
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