Perto do fim de setembro de 2010, o Não Faz Sentido já beirava a 50
milhões de visualizações e superava 280 mil assinantes. Tudo isso em apenas
cinco meses de trabalho e vinte vídeos publicados. Determinado a manter a
periodicidade, lancei mais um, dessa vez intitulado: “Não Faz Sentido –
Traduções de Filmes.”
O vídeo novo trazia uma crítica às adaptações dos títulos dos filmes em inglês
para o português, além dos trabalhos das legendas, que insistem até hoje em
remover todo e qualquer palavrão, dando a falsa impressão de que filmes
americanos possuem sempre um linguajar certinho e feito pra vovós.
Não aconteceu nada de especial para o surgimento da ideia desse vídeo. Já
pensava em fazer algo com o tema havia algum tempo, insatisfeito com o nome
de um dos meus filmes de comédia favoritos: Penetras bons de bico – que tem
provavelmente o pior nome da história de todos os filmes importados dos Estados
Unidos para o Brasil. Afinal, quando foi a última vez que você definiu alguém
como “bom de bico”?
“O João? Rapaz, o João é maneiro, é um cara bom de bico.”
Infelizmente, uma coisa curiosa aconteceu com o vídeo depois de postado. O
YouTube decidiu que ele possuía um linguajar excessivamente chulo e, por isso,
censurou para maiores de 18 anos. Ou seja, para assistir, o usuário precisaria criar
uma conta no YouTube e sua data de nascimento deveria provar que ele tinha
idade o suficiente para assistir.
Fiquei revoltado, mandei e-mails para funcionários do YouTube buscando
compreender a razão de terem feito aquilo, o que reduziria drasticamente as
visualizações. Fui informado de que o vídeo continha palavrões pesados em
inglês. Quando revi, tive de concordar com a censura, acabei exagerando nos
palavrões em inglês, justamente por saber que a esmagadora maioria não
entenderia o que eu estava falando. Bem, o YouTube entendeu e ainda me deu
esporro.
Mesmo com a censura, o vídeo foi muito bem assistido. Normalmente, quando
um vídeo é censurado, não soma mais visualizações porque as pessoas têm
preguiça de fazer log-in no site. Contudo, até o presente momento, ele já soma
mais de 2 milhões de visualizações. Bem menos que a média do canal, é verdade,
mas ainda assim um enorme sucesso considerando a situação.
Outra crítica fundamental da narrativa do vídeo foi ao fato de vivermos em um
país extremamente conservador e tradicional quanto à linguagem utilizada no
mundo do entretenimento, principalmente da televisão. Não sei em que ano você
está, mas até hoje, em 2013, canais como Rede Globo e Record se recusam
veementemente a adaptar a linguagem do dia a dia da vida do brasileiro para suas
produções. Eu sequer faço ideia se meu livro será censurado para alguma idade
por conter palavras como “caralho” ou “fudeu”. Em uma conversa com Lia
Wyler, a tradutora do inglês para o português do Harry Potter, perguntei a razão
de ela ter traduzido a frase “Not my daughter, bitch” para “Minha filha não, sua
vaca” no livro Harry Potter e as Relíquias da Morte.
– Felipe, existem regras vindas diretamente do MEC. Se eu traduzisse para
“minha filha não, sua puta”, o livro seria removido da categoria infantojuvenil.
Pois é, esse é o país em que nós vivemos. Um país onde é considerado normal
o livro Cinquenta tons de cinza, com suas frases épicas como “vamos ter que
treinar seu cu”, e anormal colocar a palavra “puta”.
Isso sempre me incomodou, principalmente quando algumas pessoas vinham
questionar o linguajar do Não Faz Sentido, dizendo que era impróprio para
jovens. Recentemente, em uma palestra que fiz em Brasília, uma senhora da
plateia pediu o microfone e perguntou:
“Felipe, eu gostaria de saber se você tem ciência do que está acontecendo. Eu
tenho um filho de 10 anos e ele virou seu fã, agora ele fica repetindo as coisas
que você fala dentro de casa. Fala ‘vai se fuder’, ‘vai tomar no cu’. Você tem
noção do que você está causando?”
A plateia ficou tensa. Na mesma hora em que ela terminou a pergunta, passei
os olhos pelas mais de duas mil pessoas presentes no gigantesco evento que tinha
sido montado. Algumas mostravam indignação com a pergunta, enquanto outras
pareciam esperar que eu fracassasse na resposta.
No mesmo instante em que ela formulava a pergunta, eu já começava a me
sentir triste. É realmente patético ter de viver em uma sociedade que condena
palavras em vez de atitudes. Levei o microfone à boca e respondi:
“Senhora, o que eu vou dizer é do fundo do meu coração e espero que não
fique chateada. Entretenimento não foi feito para educar. Educação se dá em
casa, pela mãe e pelo pai, talvez você devesse se questionar se a culpa do seu
filho repetir palavrões é minha ou sua.”
A plateia foi à loucura e a senhora se retirou, o que me deixou extremamente
desconfortável. Não era minha intenção colocá-la naquela posição, mas não
poderia omitir minha opinião para protegê-la, pois acredito ser esse tipo de atitude
responsável por tanta coisa errada em nossa sociedade.
Muitos pais gostam de apontar dedos e culpar todos os fatores ao seu redor
como causa do mau comportamento de seus filhos, mas talvez devessem refletir
sobre suas próprias atitudes. Longe de mim querer dizer como um pai deve
educar seu filho, afinal nem pai ainda sou, mas acho que isso é tão óbvio que
deveria vir em um Manual da Vida para Iniciantes.
Se você ainda tem algum resquício de incompreensão quanto a tudo que estou
falando, deixe-me explicar um pouco melhor.
Se uma obra de entretenimento for se preocupar com todas as consequências
negativas que podem vir dela, nós não teremos entretenimento no mundo.
Atingiremos um nível de “politicamente correto” tão absurdo, que sobrarão
apenas as músicas infantis da Galinha Pintadinha como forma de diversão.
Os palavrões estão presentes em todos os lugares. Você pode ouvir palavrão
na rua, na sua casa, no seu colégio, até mesmo na saída da igreja. O seu filho fala
palavrão, assim como você fala palavrão. Uma palavra só é suja de acordo com o
valor que você atribui a ela. O uso dos palavrões no entretenimento é constante
ao redor do mundo, por que nos preocupamos tanto com isso no Brasil? É apenas
a linguagem do povo em uma obra publicada.
Um pensamento resume bem o quão hipócrita é o entretenimento brasileiro: é
errado falar “porra”, mas deixe a cena da Juliana Paes nua transando de quatro e
o brasileiro achará normal.
Sigamos em frente, antes que este livro acabe virando um roteiro de vídeo do
Não Faz Sentido.
Era uma tarde ensolarada no Rio de Janeiro (ou nublada, vai saber). Eu estava
tranquilo, de frente para o meu computador, provavelmente trabalhando em
alguma ideia, estudando algum conceito ou vendo algum vídeo pornô, quando o
telefone tocou.
Número privado.
A essa altura já tinha começado a adorar ligações feitas por números privados,
pois normalmente representavam alguma oportunidade em vez de mais uma
chateação sobre o cartão de crédito ou operadora de celular. O problema é que
agora eu odiava ainda mais quando era telemarketing, pois atendia na esperança
de ser um bom convite para alguma coisa.
– Alô?
– Alô, Felipe Neto?
Não, o Papa.
– Isso, quem é?
– Olá, Felipe, meu nome é João Pedro Paes Leme, eu sou do setor de esportes
da Rede Globo. Queria marcar uma reunião com você para conversarmos, pode
ser?Foi desta forma que tive meu primeiro contato oficial com um executivo da
Rede Globo de Televisão. Não sabia exatamente qual era sua real intenção, mas,
quando um grande executivo te liga pessoalmente para marcar uma reunião, você
aceita. Pode ser que ele queira te propor coisas erradas, mas você deve ao menos
ouvi-las, pois mesmo na pior das hipóteses sairá com uma boa história para
contar.
Encontrei com o João em um chique restaurante no bairro do Jardim Botânico,
ao lado da sede da Rede Globo, setor de jornalismo. Outra coisa interessante
sobre essas reuniões com grandes executivos: eles sempre pagam seu almoço ou
jantar. Logo, vá com fome e peça com vontade e sem pudor. Como era a Globo
que ia pagar, pedi uma lagosta, lamentando que não tivessem caviar que, embora
eu nunca tenha experimentado e tenha a forte suspeita de que deve ter um gosto
terrível, teria saído uma fortuna.
Conversamos sobre a vida, sobre meu surgimento no YouTube. João Pedro
então me contou que eles queriam inovar no setor de esportes da Globo e estavam
pensando em incorporar a comédia como forma de trazer mais público para
assistir ao Globo Esporte e Esporte Espetacular. Por isso meu nome tinha
surgido nas mesas de reuniões de diretoria. Grande parte de todo o núcleo de
bastidores do setor de jornalismo da Globo conhecia o Não Faz Sentido e a
esmagadora maioria estava a favor de me levar para dentro do Esporte
Espetacular com algum tipo de quadro humorístico.
Saímos do restaurante e caminhamos pacientemente até sua sala, dentro da
sede da Globo, um prédio bonito mas que mais parece um labirinto por dentro. A
sala era relativamente simples, de carpete azul, algumas poltronas e inúmeros
pôsteres esportivos colados na parede, além de diversas televisões ligadas nos
variados canais de esportes da Globo.
– Então, Felipe, o que você acha de trazer o Não Faz Sentido para dentro da
Globo?
Eu estava esperando por essa pergunta desde o momento em que havia
desligado o telefone. Por dentro, sabia que de alguma forma a Globo iria tentar se
apropriar do Não Faz Sentido, por sua popularidade.
– Desculpa, João, mas não tem a menor chance. O Não Faz Sentido é
extremamente polêmico e recheado de palavrões, é totalmente o oposto do que a
Globo faz ou permitiria fazer.
– Mas nós podemos dar um jeito de driblar algumas regras.
Eu já estava preparado para esse tipo de proposta, a própria Adriana já havia
me aconselhado sobre isso. Quando a TV quer um produto, sempre promete que
poderá driblar algumas regras. A verdade, contudo, é que isso não acontece.
– João, o Não Faz Sentido é um produto da internet, não vou tirá-lo de lá. Os
fãs do quadro ficariam revoltados se eu fizesse algo desse tipo – respondi,
apreensivo, sem saber se ele também começaria a socar a mesa.
– Tudo bem, então o que você acha que poderia fazer no Esporte Espetacular?
Algo que fosse de dois a dez minutos, ou dividido em pílulas de três minutos
cada.
Pois bem, agora uma pausa para algumas explicações pertinentes.
Meu sonho de infância era trabalhar na televisão. Um sonho de ator mirim
condicionado ao mundo artístico brasileiro, no qual você tinha apenas uma opção
notória como veículo de real destaque: a Globo. Já havia sonhado com isso
inúmeras vezes. Contudo, depois de atingir alguma maturidade, comecei a
desenvolver uma certa rejeição ao formato da TV aberta, assim como grande
parte da população jovem do Brasil.
Mesmo com tudo isso, três fatores pesaram muito para que eu realmente criasse
o interesse de trabalhar na Globo: a realização de um antigo sonho, para que eu
pudesse provar para mim mesmo que tinha sido capaz; o fator financeiro, pois
com a estabilidade e a segurança de uma carteira assinada e recebimentos
garantidos mês a mês eu poderia ficar absurdamente mais tranquilo quanto aos
próximos meses; e, por último, o desafio. Pois seria um desafio gigantesco fazer
um quadro de humor dentro de um programa de esportes, ainda por cima dentro
da Rede Globo. Tudo indicava um resultado desastroso mas, sempre que vejo
esse tipo de possibilidade à frente, acabo ficando com uma imensa vontade de
realizá-lo.
Antes que pudesse responder que ideias havia tido para o quadro, o telefone
tocou. Não o meu, pois obviamente não teria atendido. Nesse tipo de reunião há o
condutor e o seguidor. Normalmente, o condutor pode atender o telefone sem que
o outro se sinta contrariado, mas o contrário nem sempre é possível. Ele atendeu e
apenas disse:
– Sim, ele está aqui, estamos em reunião agora.
– Era alguém procurando por mim? – perguntei, imaginando que seria alguém
do RH ou coisa parecida.
– Sim, sim. Daqui a pouco ele chega aqui. Então, o que você acha que poderia
ficar legal para o Esporte Espetacular?
Comecei a explicar a ideia, que era a coisa mais básica do mundo. A cada
programa, uma esquete de três minutos de humor, satirizando situações
esportivas. Expliquei também que não poderia fazer isso sozinho, uma vez que
não poderia atuar comigo mesmo nos quadros, e por isso precisaria de um
“escada” (termo utilizado para o segundo ator de uma dupla que normalmente
levanta a bola das piadas para o protagonista cortar). Sugeri o ator Fábio Nunes,
meu amigo e alguém com muito faro para a comédia. João Pedro ouvia
atenciosamente e concordava com minhas sugestões, incrementando com outras
ideias, até que chegamos a um formato em comum e decidimos que gravaríamos
um piloto para vermos se daria certo.
Foi durante esse meu discurso que de repente a porta se abriu num rompante e
entrou ninguém menos que William Bonner.
– Olha o moleque aí.
Essas foram as primeiras palavras de Bonner quando olhou pra mim. Minha
cara provavelmente mesclava as expressões “que porra é essa?” e “is this real
life?”. “Ajustei” o rosto para fazer uma cara mais amigável e levantei-me para um
cumprimento amistoso seguido de um abraço, ainda sem entender que porra
estava acontecendo.
Acontece que era o Bonner no telefone quando João disse que estava tendo a
reunião comigo. O próprio me explicou, em seguida, que seus filhos (os famosos
trigêmeos) assistiam a cada vídeo meu desde o início do Não Faz Sentido e que já
virara uma tradição familiar, sempre que eu lançava um vídeo novo, sentarem ele,
os três filhos e a Fátima para assistirem juntos. Ao saber que eu iria para uma
reunião lá dentro, ele se programou para aparecer de surpresa e conversar
comigo.
Fiquei absolutamente sem chão por alguns momentos. Nunca fui de ficar
nervoso perto de grandes personalidades, mas ninguém pode esperar que eu vá
começar a fazer vídeos e seis meses depois o William Fucking Bonner irá invadir
uma reunião sua para poder conhecê-lo. Eu é que deveria querer conhecer
William Bonner, não o contrário. Eu era apenas um moleque de 22 anos
gravando vídeos nos fundos da casa da mãe com uma filmadora fajuta e
luminárias de supermercado.
– Que cara de moleque. Você ainda é um pirralho, que sucesso, hein? – Uma
das coisas mais fantásticas do Bonner é que ele é praticamente um humorista fora
do Jornal Nacional. E levemente inclinado à prática do bullying, quando este era
engraçado e não motivo de assassinatos. Deixa eu colocar de forma melhor ou
posso ser mal interpretado: ele é um brincalhão que gosta de sacanear os outros
de forma cômica e faz com que você crie mais simpatia a cada zoada dele.
Passamos pelo menos duas horas juntos, conversando sobre a vida e sobre a
Globo. Ele contou mais piadas do que qualquer outro humorista de verdade que
eu tenha conhecido. Imitou o Lula, tirou uma foto comigo onde um olhava para o
outro com raiva e postou em seu próprio Twitter. E, após muito me sacanear, me
levou para conhecer o estúdio do Jornal Nacional e, em seguida, a Fátima
Bernardes, tão simpática e carismática quanto ele.
A foto no dia seguinte foi parar em um site de notícias falsas, com o título:
“Felipe Neto será o substituto de William Bonner no Jornal Nacional.” E muita
gente acreditou.
Enfim, vou parar de contar essa história porque esse não é O livro do Boni.
Além disso, não acho que conhecer gente famosa seja algo tão importante assim,
mas esse tipo de acontecimento ajuda você, leitor, a compreender a insanidade
psicológica da minha vida na época.
É muito difícil não se perder quando as coisas começam a dar tão certo na sua
vida. Quando você se depara com as situações que eu vivi, é extremamente fácil
começar a acreditar no que as pessoas falam pra você.
Vamos colocar da seguinte forma: quando você começa a fazer sucesso, muita
gente começa a se aproximar, pois as pessoas querem congratulá-lo (que palavra
bacana) pelo seu trabalho e apoiá-lo, enquanto outras querem tirar uma casquinha
e puxar seu saco. Por conta disso, muitos começam a chamá-lo de “genial” e
“incrível”. É nesse momento que muita gente se perde, pois começa a acreditar
que é verdadeiramente genial e incrível. Levar-se a sério e caminhar por essa
estrada é o primeiro passo para arrebentar a cara no muro. Eu precisava conversar
com meus pais diariamente, além dos meus amigos, para que meus pés não
saíssem do chão e pudesse continuar a trilhar meu caminho sabendo que nada
estava ganho, que eu não era genial e ainda tinha muita coisa a fazer para poder
verdadeiramente atingir um equilíbrio emocional e financeiro para que minha vida
pudesse ficar estável. Meu pai continuava a ser um alicerce psicológico, sempre
frio e calculista, enquanto minha mãe equilibrava mais o meu emocional.
Lembro-me bem de ter contado a história do William Bonner para meu pai, que
não se mostrou nem um pouco impressionado, apenas preocupado, seguindo na
conversa com uma série de conselhos importantes exatamente sobre não deixar
que isso me subisse à cabeça. Afinal, o fato de o William Bonner gostar do meu
trabalho não significava absolutamente nada, ele era um ser humano como
qualquer outro que acompanhava o Não Faz Sentido. Mas, porra, era muito legal.
E, sim, eu pedi para que ele falasse “boa noite”.
Saí da reunião com a Globo muito feliz. Um novo desafio brotava à minha
frente. Agora eu não apenas tinha a pressão de continuar a fazer o Não Faz
Sentido, como também gravaria um seriado para o Multishow (que seria definido
na semana seguinte e acabou estabelecido como um programa de treze minutos
que mostraria a vida louca de um “Felipe Neto” ator que queria conseguir um
programa na TV) e ainda por cima faria um quadro na Globo. Era muita coisa
para digerir. Muitos pontos que poderiam dar errado, mas também um gigantesco
combustível artístico, algo que eu jamais havia experimentado na vida. De
designer gráfico frustrado eu havia me transformado verdadeiramente em um ator
com alguma repercussão: dois programas para estrear na TV e mais de 50
milhões de visualizações no YouTube em apenas seis meses e somente 21 vídeos
publicados.
Com tudo isso acontecendo, logicamente senti ainda mais gás para gravar
novos vídeos do Não Faz Sentido. O que se tornava cada vez mais difícil,
contudo, era encontrar um tema interessante o suficiente para gerar um discurso
longo e que prendesse a atenção do público. A cada novo vídeo, essa tarefa
ficava um pouquinho mais árdua e mais me fazia lembrar que o Não Faz Sentido
não poderia durar para sempre. Era fundamental que eu pudesse criar novos
projetos que me trouxessem maior estabilidade e segurança a longo prazo, em vez
de basear minha vida somente no sucesso de um único canal que tinha tudo para
começar a cair a qualquer momento.
Em uma das minhas buscas por criar projetos que fossem mais sustentáveis,
considerei a ideia de criar um show de stand-up, estilo Rafinha Bastos e tantos
outros que se tornaram notórios no cenário brasileiro por ficarem no palco apenas
com um microfone contando piadas e fatos do cotidiano. Aliás, sob uma
perspectiva mais abrangente, o Não Faz Sentido sempre foi parecido com um
show de comédia stand-up, com a diferença de que havia uma caracterização, um
cenário e era filmado para o YouTube.
Quando manifestei meu interesse para Adriana, minha empresária, alguns
produtores começaram a entrar em contato. Aparentemente não faltariam ofertas
de casas de espetáculo e pessoas interessantes para transformar este projeto em
realidade, o que era um sinal claro de que eu poderia ganhar muito dinheiro se
decidisse escrever um show e rodar o Brasil em turnê. A explosão do Não Faz
Sentido era tamanha que muito provavelmente conseguiria vender milhares e
milhares de ingressos.
Cheguei a fazer as contas. Se realizasse 50 shows com uma lotação média de
500 pessoas (o que é pouco, considerando que stand-up vendia muito na época e
era realizado em grandes casas de shows), com mais ou menos 15 reais de
ingresso, ao todo eu poderia tirar mais de 150 mil reais em uma turnê. Poderia ser
ainda mais se a lotação dos lugares fosse maior e o valor dos ingressos um pouco
mais alto (o que normalmente era). Sendo otimista, com uma média de 750
pessoas e 25 reais o ingresso, daria mais de 450 mil reais.
Pensei nisso durante dias, comecei a escrever alguns números, mas, enfim, em
uma manhã de sábado (mentira, foi um dia qualquer, mas “manhã de sábado”
sempre soa bacana quando se está lendo um livro), percebi que a única razão pela
qual estava considerando fazer um show de stand-up era o dinheiro. Quando essa
ficha caiu, desisti de vez. Sabia, como artista, que qualquer coisa que eu decidisse
fazer pensando apenas no dinheiro não resultaria no máximo da minha
capacidade, pois não conseguiria dedicar meu corpo e alma. Quando se trata de
stand-up, com vários shows em várias cidades, é impossível seguir em frente se
realmente não tiver paixão pela coisa. Mesmo sabendo que estava virando as
costas para muito dinheiro, larguei mão de todo o projeto, decidindo que somente
faria apresentações em teatro se realmente sentisse que era algo pelo qual eu
acordaria feliz. Não apenas para colocar dinheiro no bolso.
(um parêntese: mais ou menos um ano e meio depois da decisão de não fazer
stand-up, acabei de fato indo para o teatro, como integrante convidado em um
show de improviso chamado Avacalhados, durante mais ou menos dez
apresentações. Não fazia estardalhaço na divulgação, mas quase todas lotaram e
foi uma experiência maravilhosa, indescritível e que carrego no coração até hoje.
Ganhei, ao todo, algo em torno de mil reais. Se tivesse que escolher de novo,
escolheria os mil reais da vida que tive com essas apresentações em vez de
centenas de milhares que poderia ter ganho com meu stand-up.)
Ao final das semanas em que fiquei voltado para o pensamento de realizar
stand-up, uma coisa boa surgiu. Ao desistir da ideia, revi alguns dos textos que
havia escrito para o show e percebi que um deles poderia resultar em um bom
vídeo do Não Faz Sentido. Era um texto simples, que eu havia escrito no
aeroporto após mais um rotineiro atraso de voo. O texto falava sobre como todo
mundo está sempre com pressa, sempre querendo ganhar tempo, desde a
escovação de dentes até a masturbação – traçando um paralelo com o passado,
quando não se tinha escovas automáticas e sites de vídeo pornô.
Duas coisas interessantes foram ressaltadas por mim na época em que o vídeo
foi ao ar. A primeira delas foi o fato de que percebi que, mesmo aos 22 anos, já
existia um gigantesco abismo entre a minha geração e a geração de grande parte
do público do Não Faz Sentido, os adolescentes. Eu havia crescido em um
mundo sem celular, com internet discada (era necessário esperar meia-noite para
conectar a fim de pagar apenas um pulso telefônico) e sem sites pornô. Era
interessante analisar isso, pois me indicava que, a cada ano que passasse, maior
seria o distanciamento do meu cotidiano com o cotidiano do público
infantojuvenil, outro indicativo alarmante para o futuro do Não Faz Sentido.
A segunda coisa interessante foi que esse vídeo, que recebeu o título de
“Pressa, correria, fila, aaaah”, era o primeiro vídeo do Não Faz Sentido escrito
com o único intuito de fazer rir, sem necessariamente expor uma crítica ou uma
ideia. Era bastante diferente dos outros vídeos publicados no canal e poderia
resultar em uma falha de proporções épicas. Afinal, antes deste vídeo eu jamais
tentara apenas ser engraçado, o que sempre resultava em um argumento-escudo
de “não é um vídeo de comédia”. Agora não mais.
Para meu alívio, o resultado do vídeo foi fantástico e até hoje é um dos vídeos
com maior índice de aceitação da história do canal. O mais interessante, contudo,
foi que a faixa etária que mais comentou o vídeo, principalmente nas ruas, foi a
de pessoas entre 18 e 25 anos, um público difícil, que possuía uma leve tendência
a rejeitar o Não Faz Sentido por este ter se tornado uma febre tão grande entre
adolescentes e seus pais. É aquela velha questão: quando se tem 18 anos, você
quer mostrar que já é adulto, o que resulta na imediata rejeição de qualquer coisa
que seja muito comentada entre pessoas mais novas. Pois bem, o vídeo “Pressa,
correria, fila, aaaah” gerou maior impacto com esse público. Era quase como
mágica. Eu atirava para um lado e acertava no outro, tentava uma coisa e sem
querer resultava em outra. Sem planejamento, o Não Faz Sentido crescia como
nunca entre adolescentes, adultos e agora “jovens-adultos”. Acredito que, se eu
tivesse tentado planejar, estudar e traçar minhas ações baseado em público-alvo,
teria errado espetacularmente.
Agora uma pausa para o fato mais interessante sobre o vídeo em questão, algo
que entrou para a história não só do Não Faz Sentido como da minha vida.
O vídeo já tinha sido gravado e eu estava em casa, de madrugada, editando.
Corta cena aqui, corta cena ali, junta pra cá, pega essa expressão acolá. Quando a
janela do finado MSN Messenger apitou. Era PC Siqueira.
“Fala, mano.” Como sempre, PC falando “mano”.
“Fala ae, cara, to editando vídeo novo aqui.”
“Beleza, to editando também. To pensando em botar umas mensagens
subliminares.”
Meus olhos brilharam com a ideia. Eu sempre achei genial qualquer artista que
brinca com seu público com algum tipo de mensagem subliminar.
Na mesma hora dei a ideia de fazermos juntos. O PC decidiu mexer com o
maravilhoso filme Clube da Luta, enquanto eu decidi que iria um pouco além.
Criado em casa extremamente católica, aprendi muito sobre a Bíblia (fiz
catecismo, parte da Crisma, fundei um grupo de estudos bíblicos aos 13 anos,
entre outras coisas). Na realidade, aprendi tanto que comecei a questioná-la
(novidade). Passei a ler todo tipo de material disponível sobre teorias que
pudessem me dar razões para não acreditar que Deus fizera uma aposta com o
Demônio (Leia sobre Jó), ou mandara Moisés assassinar mulheres e crianças
apenas por acreditarem num Bezerro de Ouro, ou na chacina do dilúvio, ou em
tantas outras atrocidades do Antigo Testamento. Não conseguia acreditar mais em
um Deus que condenava ao Inferno os homossexuais, que era onisciente mas
parecia tomar sustos o tempo todo, enfim, na altura dos meus 16 anos, soltei a
chocante revelação de que não acreditava mais em nada daquilo e que viveria de
acordo com meus próprios princípios. Isso não significava negar a existência de
Deus, mas quanto mais estudava a Bíblia, mais me fechava na convicção de que
não gostaria de viver tendo tudo aquilo como guia espiritual.
Um adendo necessário. Para mim, o maior horror em torno da Bíblia é o que
ela é capaz de gerar nas pessoas no sentido da rejeição ao próximo. Embora tenha
muitas passagens sobre amor e aceitação, o ser humano muitas vezes não é capaz
de absorvê-las e normalmente julga de forma cruel qualquer pessoa que ouse
questioná-la ou admitir que não a leva como verdade. Você que está lendo, por
exemplo, sei que há grandes chances de você ter torcido o nariz para minha
própria existência, simplesmente por ter dito que não acredito na Bíblia. É muito
comum e já sofri casos absurdos de preconceito por dizer o que penso sobre o
assunto, mas já me acostumei. Só peço que, se este for o caso, não pense que saio
por aí gritando sobre como a Bíblia é errada ou tentando converter as pessoas
para deixarem de segui-la. Apenas vivo minha vida fazendo o bem e, enfim, por
que estou falando tudo isso?
Ah, sim! Por conta das mensagens subliminares. Pois bem, enquanto pensava
no que colocaria, lembrei do principal motivo pelo qual havia abdicado da crença
na Bíblia: o tal do “Diabo”. Após anos vivendo sob o medo da existência de um
bicho chifrudo com rabo tentando levar as pessoas para o Inferno, percebi que
isso não soava nada diferente das histórias fantásticas da mitologia grega e, em
suma, uma forma extremamente inteligente de controle social que resultara em um
pensamento absolutamente errado: “Não vou fazer isso, pois Deus está olhando e
o Diabo também.” Descobri que era muito mais inteligente e prazeroso seguir as
regras do simples certo e errado: “Não vou fazer isso, pois vai prejudicar alguém
e eu não quero que outra pessoa seja prejudicada.”
Resultado? Resolvi colocar uma mensagem subliminar satânica no vídeo
“Pressa, correria, fila, aaaah”. Contudo, optei por colocá-la de forma praticamente
invisível, para ver se traria algum resultado. Não queria chocar, causar polêmica
ou aparecer, apenas queria ver até onde isso poderia ir. Será que alguém
conseguiria ver a mensagem? Será que alguém iria de fato acreditar que eu era
satanista e havia vendido minha alma ao demônio? Será que era tão fácil assim
manipular pessoas através de uma brincadeira que mexesse com a fé?
Aos 3 minutos e 7 segundos do vídeo, escrevi a mensagem “Seguidores de
Satã”, em tamanho mínimo, no canto inferior direito, em apenas 1 frame do vídeo
(para se ter ideia, 1 segundo de vídeo é composto por 24 frames), além disso,
deixei a mensagem quase transparente, com opacidade apenas de 10%. Era quase
humanamente impossível conseguir ler o texto.
Assim que o vídeo foi ao ar, fiquei monitorando os comentários para ver se
alguém conseguiria perceber, mas nos primeiros dias nada aconteceu.
Aparentemente eu conseguira esconder a mensagem o suficiente para ninguém
pegá-la e eu já dava a brincadeira quase por encerrada, quando alguém finalmente
percebeu.
Bastou uma pessoa para a coisa toda virar uma bola de neve. No dia seguinte
alguém fez um vídeo e publicou no YouTube, revelando para o mundo que eu
era satanista. O vídeo trazia música macabra, congelamento da imagem na hora
em que a mensagem aparecia e ainda mostrava uma resposta minha numa
entrevista. Quando me perguntaram se eu escrevia roteiro ou improvisava,
respondi: “Tudo é escrito, planejado e roteirizado. Menos os palavrões, estes são
ideias do meu cão: Lúcifer.” Pois é, mesmo com essa resposta nitidamente
sarcástica, muitas pessoas foram incapazes de perceber que era uma brincadeira.
A coisa toda começou a tomar uma proporção inimaginável. Os vídeos
relatando meu satanismo começaram a crescer e tiveram mais de 1 milhão de
visualizações. Pouco tempo depois comecei a receber relatos de pessoas
evangélicas dizendo que seus pastores haviam instruído aos pais que não
deixassem seus filhos assistirem aos meus vídeos, pois eu tinha pacto com o
Demônio. Uma moça contou que seu pastor chegou ao cúmulo de dizer que eu
fazia parte do Apocalipse.
Tudo isso me rendia infinitas gargalhadas. Obviamente não há nada pior para
se dizer a um jovem que “não assista isso”. As visualizações voltaram a se
multiplicar e a mensagem rodou o Brasil. Enquanto alguns acreditavam que eu de
fato fizera um pacto com o Belzebu, a grande maioria gargalhava, sabendo que
eu apenas tinha feito isso com o objetivo de brincar com o público. Era muito
interessante analisar a facilidade disso tudo. Em uma noite tediosa, depois de falar
com o PC por MSN, coloquei um microtexto invisível “Seguidores de Satã” e
pouco tempo depois muita gente espalhava pelo país que o motivo do meu
sucesso era o pacto que eu havia feito com Satanás. Ou seja: Chupa, Xuxa!
Aliás, se você tocar meu vídeo sobre Crepúsculo de trás para a frente, ouvirá a
mensagem “o Diabo é meu pastor e nada me faltará”. Vai lá, tenta. Mas tem que
assistir ao vídeo todo de trás pra frente.
Enfim, embora a brincadeira tenha dado certo, quase perdi o contrato com a
Wise Up, pois não é muito interessante para uma marca se associar com um cara
considerado satanista. Mas, graças a Deus (haha), o Flávio, presidente da
empresa, entendeu a brincadeira e seguiu em frente com o que concordamos,
dando um leve esporro em forma de conselho, mais ou menos um “nunca mais
faça uma coisa dessas”.
É interessante analisar como as pessoas levam a sério qualquer um que tenha
um holofote sobre si, seja este holofote grande ou pequeno, desde o Brad Pitt até
um mísero vlogueiro carioca. Espera-se muito de qualquer um que seja
considerado “figura pública”, mas eu não queria que ninguém esperasse nada de
mim. Era foda ter de ficar lidando com as consequências dos meus atos, por
menor que fossem. Cansei de publicar coisas no meu Twitter que resultavam na
Adriana me ligando três minutos depois, preocupada com o que aquela bobeira
que eu havia publicado poderia resultar. Cada vez menos as pessoas esperavam
que eu desse opiniões ou falasse o que pensava, pois no Brasil pessoas públicas
normalmente não têm essa permissão, devem agir de forma politicamente correta,
sempre boa-praça, com sorriso no rosto respondendo entrevistas da forma mais
babaca possível. O Rafinha Bastos tem um termo maravilhoso para isso, ele
chama de “lucianohuckização dos artistas”.
Todo mundo no meio artístico precisa parecer que é perfeito, irreprimível, e
isso me deixava bastante puto. Até mesmo quando algum escândalo acontecia
como, por exemplo, um ator da Globo com problemas sérios com drogas e a
própria emissora ia lá e inventava alguma história para acobertar o caso. E, se as
pessoas descobrissem, colocava o cara no Faustão pouco tempo depois para falar
sobre como usar drogas é errado e como ele havia se recuperado (o que
normalmente eram palavras vazias, porque pouco tempo depois a mesma pessoa
poderia estar internada de novo). Tudo bem que é bacana passar a informação
contra as drogas, mas também é interessante que o público possa ver seus ídolos
da forma como verdadeiramente são, e que suas quedas possam funcionar como
um incentivo muito maior para a não utilização da droga, em vez de um
depoimento fajuto no Faustão.
Com tudo isso passando pela minha cabeça, o telefone tocou e mais uma vez
apareceu a mensagem “número privado”. Novamente uma ligação de uma
emissora de TV, a própria Globo, passando o convite para o ponto alto da minha
carreira até então: eles queriam que eu fosse entrevistado pelo Jô Soares.
Aceitei, desliguei o telefone e liguei para a Adriana.
– Oi, Fê – atendeu ela.
– Dri, fudeu.
Obviamente ela entrou em pânico na mesma hora achando que eu havia, sei lá,
declarado publicamente que era a reencarnação de Jesus ou algo parecido mas,
mesmo após a notícia de que se tratava do Jô, ela também ficou preocupada.
Tudo isso porque eu continuava não sendo muito bom em entrevistas. Embora
estivesse melhorando, continuava sendo alvo de algumas alfinetadas e tinha uma
forte rejeição por parte da imprensa. O problema é que agora a entrevista não
seria para a MTV, uma revista ou o Pânico na Rádio, era o Jô Soares. Dar
vexame no Jô poderia causar um estrago imensamente maior que qualquer falha
minha em qualquer outro tipo de entrevista. Isso não só pelos milhões que
assistem ao programa, mas também porque provavelmente minha entrevista iria
para o YouTube e seria assistida por outras centenas de milhares, talvez até
milhões. Se o resultado fosse extremamente ruim, provavelmente viraria um vídeo
viral da internet, onde todos veriam minha total incapacidade de lidar com a
pressão da coisa. Para um cara famoso por falar tudo o que pensa no YouTube,
não seria nada bom ter esse tipo de repercussão negativa.
– Fê, vamos fazer o seguinte: no dia da entrevista você vai vir mais cedo aqui
pro escritório da agência e nós vamos treinar sua performance em entrevistas –
disse Adriana, por telefone.
Concordei na mesma hora. Se tinha uma coisa que a Adriana e a Bruna sabiam
fazer era me preparar psicologicamente para determinadas situações, o importante
era só eu não estragar tudo.
Viajei para São Paulo no dia da entrevista, após mais uma noite praticamente
sem dormir. Ao chegar no escritório da agência DNA, já estava tudo montado.
Uma câmera posicionada diretamente para uma cadeira, com a Adriana sentada
em frente, pronta para começar. Sentei e esperei.
– Fê, o que eu vou fazer aqui é tentar te pressionar de todas as formas, te
alfinetar, pra ver como você se sai e o que você responde. Vou tentar transformar
suas respostas em coisas contra você, então, não me odeie, tá?
– E pra que é a câmera? – Eu já suava por todos os lugares.
– Vamos filmar e depois analisar suas respostas e ver o que podemos melhorar.
A ideia toda era genial. Durante mais de quatro horas ficamos sentados
fazendo uma simulação de entrevista na qual a Adriana tentava ser a mais filha da
puta que ela conseguia. Eu me saía mal, respondia a coisa errada e imediatamente
ela ou a Bruna me corrigiam, instruindo qual era a melhor forma de responder ou
driblar a pergunta em questão.
Lembro-me bem de uma na qual fui particularmente mal.
– Felipe Neto, você se considera um formador de opinião?
– Não, eu acho que cada um deve buscar pela própria formação de opinião e,
com isso, estabelecer os próprios parâmetros de vida. Não busco dizer o que cada
um deve pensar ou fazer, apenas digo aquilo que trato como verdade pra mim.
– Ok, corta – disse Bruna.
Eu achei que tinha dado uma resposta incrível. Imaginei que ela me daria
parabéns mas, em vez disso, tomei um esporro.
– Fê, você tem 22 anos. Se você dá essa resposta cabeça estilo cantor de MPB
chapado de maconha, sabe o que sai na revista no dia seguinte? “Felipe Neto
filosofa em suas respostas.” O jornalista já fica incomodado porque, em vez de
você dar um material jovem e útil pra ele publicar, você fica respondendo que
nem um velho pseudointelectual. O jornalista não vai gostar, o público não vai
gostar e você também não vai gostar. Então vou perguntar de novo: Felipe Neto,
você se considera um formador de opinião?
– Não fico pensando nisso. Gosto de apenas falar o que penso de uma forma
interpretada e servir de influência para as pessoas que querem formar as próprias
opiniões.
– Então você não pensa nas consequências do que diz, é isso?
– Não, eu...
– Fê, de novo, para de pensar demais. Desliga essa tua necessidade de querer
parecer inteligente, deixa isso pra mais pra frente. Agora você precisa mostrar que
é, sim, inteligente mas que também é divertido, sacana e alfinetador.
– Tá bom.
– Felipe Neto, você se considera um formador de opinião?
Respirei fundo.
– Acho que não, imagino que todo mundo seja capaz de saber que Restart não
é música e que Crepúsculo não é livro. Ou será que alguém não sabia disso
ainda? Eu só falo o que todo mundo já sabe – respondi fazendo cara de curioso.
Elas riram. E eu consegui chegar mais perto do tom certo que deveria ter.
Essa era a dificuldade. Eu tinha apenas 22 anos, mas algo dentro de mim
queria desesperadamente mostrar que tinha alguma bagagem cultural e intelectual.
O problema é que eu não poderia ficar dando respostas mega inteligentes, assim
como não poderia parecer arrogante, nem responder as perguntas de forma a me
levar a sério demais, mas também não poderia me levar a sério de menos ou cairia
no escracho. Não deveria dizer que sim nem que não em alguns casos, enquanto
em outros eu deveria me impor e alfinetar aqui e ali. Tinha que brincar comigo
mesmo, mas não permitir que passassem por cima de mim nas perguntas. Enfim,
era um pesadelo sem fim.
Ao final das várias horas em que ficamos treinando, eu havia decorado
inúmeras formas de driblar determinadas perguntas, bem como formular respostas
ácidas em tantas outras. Porém, mais que decoreba, eu tinha chegado em um tom
muito mais próximo daquele que deveria ter em entrevistas. Treinamos não
apenas respostas, como também postura, entonação, posição e olhar. Além disso,
estudamos diversas entrevistas que deram certo no Jô, bem como outras que
deram totalmente errado.
No final da tarde, enquanto dirigíamos rumo aos estúdios da Globo, repetia
para mim mesmo as lições aprendidas na aula. Basicamente pensava “brinque e
se divirta, brinque e se divirta” e “ninguém quer ver um cara chato que tenta
parecer inteligente”.
Chegamos ao estúdio, fomos para o camarim, enfim, toda a rotina préprograma
de TV. Na altura em que fui para o estúdio e sentei para aguardar o Jô
chamar meu nome, já suava cântaros. Para piorar a situação, tive de me separar da
Bruna e Andressa (que tinham ido me acompanhar). Em vez disso, sentei ao lado
de umas modelos que aparentemente sempre participavam da plateia do Jô (com
qual intuito? Vai saber).
Antes de ser chamado tive de assistir aos 40 minutos de entrevista com o Ed
Motta, músico que sempre admirei e que se mostrou muito humilde pessoalmente.
Quando perguntei se ele estava nervoso, disse: “Agora não. Eu tava antes,
quando tive que cantar.” (Sim, o cara com duzentos anos de carreira ainda ficava
nervoso antes de cantar no Jô, como eu não poderia estar?)
Tic, tac.
Tremor involuntário no joelho. Você já teve isso? É uma merda. Começa a
tremer o joelho e, se você não controlar, passa para o queixo, que também
começa a bater levemente. Sentia minhas costas empapadas de suor, mesmo
naquele estúdio gelado. Estava chegando a hora. Eu poderia sair dali com uma
grande entrevista, ou sacaneado duramente em rede nacional, na TV aberta,
virando piada para milhões de pessoas.
– Ele ficou famoso pelos vídeos postados na internet. Felipe Neto, cadê você?
– disse Jô Soares.
Não sei que força ainda restava nos meus joelhos, mas consegui levantar e eles
não cederam. Pode parecer que estou exagerando, que estou dramatizando só
para a história ficar mais interessante, mas, depois dos fiascos que eu tinha tido na
imprensa, depois do Pânico na Rádio, eu estava um caco, com os nervos
completamente insanos. Ouvi um “boa sorte” da modelo que tinha se sentado ao
meu lado (estava tão nervoso que praticamente nem liguei pra sua existência).
Reuni um último suspiro e fui na direção do Jô.
A primeira frase que saiu da minha boca foi um desastre. Como a plateia gritou
muito quando me sentei (se você estava lá nesse dia, muito obrigado), o Jô
começou com uma brincadeira.
– Bem, o sucesso entre a plateia feminina já está bem estabelecido aqui.
O que eu poderia responder?! A última coisa que eu esperava era isso. Até
porque o Jô se equivocou, os gritos não eram de mulheres, eram do público mais
jovem em geral, que não estava ligado à questão estética e, sim, ao que o Não Faz
Sentido representava e que ainda era uma novidade muito comentada,
extremamente popular. Minha resposta foi:
– Ai, ai, ai.
Na mesma hora em que as palavras saíram da minha boca, senti vontade de
socar minha própria cara. Quem fala “ai ai ai”???
Para meu alívio, a plateia riu e, melhor ainda, o próprio Jô riu. Vendo que eu
estava nitidamente constrangido, ele perguntou:
– Você é tímido?
– Não, eu tava muito nervoso na verdade.
– Por quê? – perguntou ele com uma voz extremamente doce.
– Porque... Eu to no Jô – respondi.
A partir daí a coisa virou instantaneamente. O Jô pediu para a banda tocar uma
música romântica para me acalmar. Em seguida o Alex trouxe um drinque
extremamente gay e eu me acalmei.
A entrevista foi ótima. Não foi perfeita, mas foi muito boa. Respondi de forma
séria a algumas questões, mas fiz diversas piadas e a plateia deu boas risadas em
vários momentos. Falamos sobre os vídeos, sobre Crepúsculo, sobre a banda
Cine, sobre a internet como um todo. O Jô foi absolutamente maravilhoso
comigo. Riu das brincadeiras, riu dos pedaços dos vídeos do Não Faz Sentido
(que a Globo deixou passar, mesmo com palavrões pesados) e ao final da
entrevista a plateia fez o famoso “aaaaahhhh”, o que me deu vontade de sair dali
e abraçar todas as pessoas presentes. Tudo o que outros artistas tinham dito sobre
o Jô estar velho, ranzinza e chato, nada daquilo foi verdade comigo, muito pelo
contrário, ele não só foi absolutamente simpático como me elogiou em vários
momentos e se mostrou extremamente atualizado não só sobre meus vídeos mas
sobre a internet de um modo geral.
De ponto negativo ficou somente o fato de que eu não mantive uma postura
adequada. Pernas cruzadas em calças um pouco apertadas, misturadas ao drinque
colorido e com canudo vermelho me fizeram parecer extremamente efeminado,
mas isso estava longe de ser um problema. Afinal, pessoas acharem que eu sou
gay sempre esteve presente em minha vida.
Saí de lá sabendo que tinha dado um importante passo em minha carreira. Não
só tinha aprendido de vez como agir em entrevistas como muitas pessoas, desde a
plateia até a produção, disseram que aquela tinha sido a melhor entrevista do dia
(o Jô grava poucas vezes por semana e faz inúmeras entrevistas de uma vez só).
Quando o programa foi ao ar, o sucesso foi estrondoso. As mídias sociais
fervilharam e meu nome ficou no topo dos trending topics mundiais mais uma
vez. Em pouco tempo, mais de 1 milhão de pessoas já tinham assistido à
entrevista no YouTube e, depois de algumas semanas, soube de uma pessoa lá
dentro da Globo que minha participação havia rendido um dos maiores ibopes do
ano para o Programa do Jô. Dificilmente poderia ter sido melhor que isso.
O Programa do Jô foi um marco em minha vida. Não apenas pelo bom
desempenho em si, mas até mesmo por uma questão temporal. Antes do Jô, eu
era apenas o moleque vlogueiro, sonhando em criar algo novo, ansioso e
desesperado em entrevistas, tendo crises nervosas inesperadas e perdido na
relação com as mulheres e as festas disponíveis.
Após o Jô, contudo, parece que tudo começou a mudar. Meus pés pisaram o
chão com mais força do que nunca, outros projetos começaram a acontecer e em
pouco tempo eu estava em um relacionamento sério com uma mulher
maravilhosa, a Maddu Magalhães. Bastaram mais alguns treinos e meu problema
com entrevistas também foi embora.
Em novembro de 2010 lancei mais dois vídeos. O primeiro continha uma
publicidade contratada da Pepsi, no qual eu falo sobre “Pessoas metódicas”,
aquelas pessoas cheias de manias, normalmente irritantes. E o segundo vídeo
sobre “Preconceitos”, no qual abordo diversos temas de preconceito em si e
condeno o pensamento de que Deus é contra os homossexuais (o que gerou uma
imensa polêmica, pois foi a primeira vez em que toquei no assunto “Deus” dentro
de um vídeo do Não Faz Sentido).
Em dezembro saí da casa da Dona Rosa e fui morar com a Maddu Magalhães,
que tinha vindo morar no Rio de Janeiro após vários anos morando em Porto
Alegre. Alugamos uma quitinete minúscula no bairro Catete, o que fez com que
minha vida ficasse muito mais fácil por não precisar perder muito tempo
trafegando do Buraco do Padre para outros lugares.
Durante esse período gravei meu primeiro programa para o Multishow,
chamado Será que Faz Sentido, que trazia cenas de humor mostrando um “Felipe
Neto famoso da internet que agora queria ter um programa de televisão”. Apesar
de hoje considerar que o programa não ficou bom, foi incrível ter o primeiro
feedback de um público totalmente diferente, o da TV a cabo. Ele foi ao ar no dia
11 de dezembro de 2010 e marcou bastante o final do ano.
2010... O ano mais insano de toda a minha vida. O ano em que saí de designer
e ator frustrado morando nos fundos da casa da mãe, para ator com mais de 68
milhões de visualizações no YouTube, um programa no Multishow, alvo de
diversas revistas e entrevistado no Jô, com um quadro de humor sendo gravado
para a Rede Globo. Tudo em apenas 8 meses. Foi o ano também em que saí do
total tédio e frustração para a felicidade extrema, seguida pela perda total da
própria cabeça, afundamento no mundo das festas e mulheres, inconsistência
psicológica por conta da pressão desse universo etc. Mas terminei o ano seguro,
mais estável, com os pés no chão e em um relacionamento sério, abandonando de
vez o mundo das festas, álcool e curtição.
O que será que 2011 poderia proporcionar? Será que seria mais um ano de
muitas conquistas ou ficaria marcado como o ano em que tudo acabou?
acesse os vídeos mencionados neste capítulo:
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