No dia 14 de julho, nove dias depois de ter lançado o vídeo sobre a saga
do vampiro fada, a lista dos vídeos mais assistidos do canal já estava da seguinte
forma:
1. Não Faz Sentido – Crepúsculo: 2.329.414
2. Não Faz Sentido – Gente Colorida: 2.238.660
3. Não Faz Sentido – Justin Bieber: 2.212.493
4. Não Faz Sentido – Vida de Garoto: 1.932.141
5. Não Faz Sentido – Gente que escreve errado: 1.519.139
Nove dias foram o suficiente para colocar o vídeo de Crepúsculo no topo do
ranking do canal, superando vídeos que já estavam no ar havia mais de 4 meses.
Analisando a lista de forma mais consciente, é notória a percepção de que os
temas adolescentes eram, sem dúvida, as maiores atrações do canal, muito embora
a quinta posição fosse ocupada com um vídeo sobre educação e nas outras
posições do TOP 10 figurassem vídeos de teor sério. Isso já não me preocupava
tanto, embora tenha sido fundamental na hora da imprensa definir o meu tipo de
trabalho, mas isso é leitura para um dos próximos capítulos.
Minha vida mudou drasticamente nesse período, por diversos fatores. Primeiro
por conta da explosão de audiência fora dos âmbitos internéticos que Crepúsculo
havia me proporcionado. Um número absurdo de pessoas me parava nas ruas e
meu Twitter explodiu de seguidores. Na época, como as grandes estrelas da TV e
da música ainda não tinham invadido o microblog, eu entrei no TOP 10 de maior
número de seguidores do Brasil, algo totalmente inimaginável quatro meses antes.
Em segundo lugar, foi em julho que o canal Não Faz Sentido ultrapassou
oficialmente o canal Mas Poxa Vida, do meu amigo PC Siqueira, e tornou-se o
maior canal do YouTube brasileiro em número de assinantes e média de
visualizações por vídeo (uma ressalva importante: existe um brasileiro que mora
nos Estados Unidos desde os 9 anos de idade, chamado Joe Penna, que já era um
fenômeno internacional da internet com seu canal MysteryGuitarMan. Contudo,
como seus vídeos são em inglês e, por isso, seu público é do mundo inteiro, o
canal não entra no ranking de canais brasileiros, de língua portuguesa).
Em terceiro lugar e o mais importante de todos, julho foi o mês em que
oficialmente larguei todas as minhas atividades profissionais para me dedicar
única e exclusivamente à minha carreira e ao meu canal no YouTube. E tudo
começou a dar certo. Contudo, mesmo no auge de tudo dando certo e eu
começando a ganhar uma quantia considerável pelos anúncios que o YouTube
colocava em meus vídeos (aqueles banners e vídeos publicitários que tanta gente
odeia), nasceu a primeira preocupação séria com o futuro profissional.
Passei a seguir Joe Penna (o MysteryGuitarMan que citei acima) no Twitter e,
para minha surpresa, ele me seguiu de volta. O Joe era, na época, um dos maiores
“youtubers” do mundo, saía na imprensa americana e era considerado
provavelmente o maior talento técnico de toda a internet mundial. Isso porque
seus vídeos eram absolutamente inovadores, ele utilizava de técnicas de edição
para criar músicas com objetos inusitados e fazia verdadeiros clipes com
qualidade hollywoodiana. Nunca imaginei que alguém daquele tamanho poderia
me seguir no Twitter, que dirá que eu poderia conversar com ele no dia a dia.
Mas foi o que aconteceu.
Motivado por tê-lo como meu seguidor, enviei uma mensagem privada para
Joe falando da minha admiração pelo seu trabalho e pelo orgulho que sentia em
saber que ele era brasileiro. Ele me respondeu falando que assistia aos meus
vídeos e estava muito feliz em ver o Brasil crescendo no YouTube através do
meu trabalho e do PC Siqueira (nos EUA o YouTube já era uma ferramenta
profissional havia pelo menos 3 anos, mas no Brasil foi somente comigo e com o
PC que a coisa começou a ser mais séria).
Aquela troca de mensagens virou uma troca de endereços de MSN e, quando
percebi, já estávamos conversando sobre a vida e o mundo da internet. Joe
acabou gostando ainda mais de conversar comigo pois era uma oportunidade para
ele praticar seu português, enferrujado após tantos anos nos EUA. Já para mim
era algo surreal, pois ele havia sido uma das minhas maiores fontes de inspiração
quando decidi começar a fazer vídeos e definitivamente alguém que eu admirava
muito mais que a esmagadora maioria dos artistas por aí. Conversamos sobre sua
vida, sobre o fato de ter ido morar nos Estados Unidos, sobre ele ter largado o
curso de medicina para se dedicar ao YouTube (“Uau! Eu também acabei de
largar minha carreira de Designer Gráfico para viver disso também” – grandes
merda, o cara largou Medicina) e sobre o futuro.
Ele abriu meus olhos para um fator de fundamental importância para o meu
futuro. Relato abaixo o diálogo, mais ou menos como me lembro:
Felipe: “Cara, o que você pensa em fazer mais pra frente?”
Joe: “Eu quero ser diretor, o YouTube pra mim é uma forma de me aperfeiçoar
e mostrar meu trabalho.”
Felipe: “Você não pretende viver de YouTube?”
Essa ideia parecia absurda na minha cabeça. Joe Penna fazia vídeos para
milhões de pessoas. Sua média de visualizações era superior a 3 milhões por
vídeo e ele já tinha diversos contratos de publicidade assinados. Em outras
palavras: estava ganhando muito dinheiro.
Joe: “O que eu faço é limitado, as pessoas vão cansar em algum momento. Eu
faço músicas e dirijo os clipes, agora está bombando, mas o que será que vai
acontecer daqui a dois anos?”
Eu não tinha pensado nisso. No auge da minha felicidade com o Não Faz
Sentido, não percebi que o meu projeto também tinha prazo de validade, como
tudo na vida. Afinal, se Friends e Seinfeld não duraram para sempre, como eu
poderia achar que o Não Faz Sentido duraria?
O Joe fazia músicas criativas com clipes incríveis, eu fazia vídeos
incorporando um personagem de óculos escuros que reclamava e argumentava
contra as coisas. Quem teria paciência para ficar vendo aquele mesmo
personagem por tanto tempo, com tantos vídeos seguidos? Eu estava chegando ao
meu auge, no topo da barra de estatísticas, mas nada poderia me assegurar de que
aquela seta não começaria a se inclinar para baixo e de que veria meu projeto
começar a cair no ostracismo. E, quando isso acontecesse, como eu reagiria? Não
poderia perder a essência do projeto, ou seja, não poderia começar a sair catando
assuntos polêmicos com o único objetivo de ter audiência. Não tinha feito isso até
aquele momento e esse era provavelmente o motivo de tamanho sucesso, as
pessoas percebiam que eu não estava sendo falso em meu discurso, não estava
aproveitando a onda para aparecer. Embora de fato a onda estivesse me levando
para a frente, eu não fazia com esse intuito. O que aconteceria se essa onda
começasse a morrer?
Sabia que estava garantido por um tempo considerável, a menos que realmente
começasse a perder a essência e fazer vídeos muito ruins para meu próprio
público. Desde que mantivesse aquilo que vinha fazendo, era provável que
pudesse manter o Não Faz Sentido rentável e com muita audiência por mais
alguns meses, mas eu não poderia correr o risco de perder tudo, como já havia
acontecido em minha vida em outras oportunidades.
Pensei em algumas possibilidades diferentes. Eu poderia utilizar o YouTube
como uma alavanca para minha carreira de ator. Poderia criar outros projetos na
internet. Poderia juntar o dinheiro que conseguisse e abrir uma loja de cachorrosquentes.
Mas eu nunca gostei de cachorro-quente.
Optei pela primeira opção. Decidi que, a partir daquele momento, passaria a
buscar coisas novas para minha carreira como ator. Hoje em dia percebo que a
decisão foi um erro, mas absolutamente necessário para que eu pudesse
amadurecer como nunca. Veja bem, meu sonho sempre foi ser ator, do tipo
tradicional, teatro, TV e cinema. Até aquele momento não existia a carreira “ator
de internet” e eu não considerava essa possibilidade. Seguindo um sonho de
criança, optei pelo errado, achando que era o certo. Contudo, se pudesse voltar no
tempo, garanto a vocês, teria seguido o mesmo caminho, pois foi errando que
aprendi.
Alguns poucos dias se passaram, e eu, provavelmente com medo após o
sucesso inacreditável do vídeo sobre Crepúsculo, me abstive de gravar novos
vídeos. Imagine a pressão em cima do vídeo seguinte àquele que tinha atingido
uma proporção totalmente fora de qualquer padrão para um vídeo brasileiro. A
expectativa que os fãs criariam em cima do próximo precisava ser atendida com
um conteúdo à altura e, por isso, segurei.
Não lembro exatamente o dia, mas, numa tarde, enquanto olhava os números
do vídeo de Crepúsculo subirem ainda mais vertiginosamente, meu celular tocou.
O número era privado. Atendi, relutante, imaginando ser alguma operadora de
telefonia ou cartão de crédito tentando me oferecer alguma coisa sem graça que
só ocuparia meu tempo.
Era uma mulher do Multishow, canal da TV fechada brasileira que você
provavelmente conhece.
– Aqui é a Susana. – Não era Susana, minha memória é consideravelmente
fraca para nomes. – Trabalho no Multishow para o Christian Machado.
– Ah, oi, Susana, que legal. – Fingi conhecer o tal Christian Machado. Sou
uma pessoa péssima para qualquer nome em geral, mas no meio artístico você
normalmente tem que fingir que conhece fulano ou cicrano, sob o risco de te
acharem prepotente por não conhecer alguém tão óbvio. Sou incapaz de lembrar
quantas vezes depois tive que acenar positivamente e elogiar o trabalho de
alguém que nunca vira na vida, só para não me queimar nesse meio repleto de
pessoas egocêntricas e superficiais (o que não reflete a personalidade do
Christian, citado acima).
– Então, Felipe, estou ligando para saber se você pode vir aqui na sede do
Multishow para ter uma reunião com o Christian, ele quer dar uma palavrinha
com você.
Não sabia quem era, mas você pode reconhecer a importância de alguém
quando não é ele quem liga para marcar as próprias reuniões. Aceitei na hora,
agendando para alguns dias depois, o que não ajudou em rigorosamente nada a
minha ansiedade. Se alguém da TV te liga e marca uma reunião, tenha a
inteligência de pelo menos perguntar do que se trata, ou você passará alguns dias
tendo crises estomacais perante a possibilidade de uma grande oportunidade. E o
pior, como ela me ligara de um número privado, eu sequer poderia retornar para
perguntar.
Tudo parecia uma coincidência inacreditável. Poucos dias depois de decidir
que iria passar a investir na minha carreira de ator fora da internet, alguém do
Multishow me liga. Todas as possibilidades varriam meu cérebro de um lado para
o outro. Eles poderiam estar ligando para me oferecer um programa na grade,
poderiam querer que eu aparecesse em um episódio de algum programa já
existente, poderiam querer me entrevistar em algum outro, ou poderiam querer
que eu passasse a receita do pavê da minha mãe (sério, o melhor pavê da
humanidade – embora eu achasse difícil que fosse isso).
Enquanto esperava pelo dia da reunião, encontrei a inspiração para gravar
outro vídeo e assim o fiz. Contudo, quero dedicar um capítulo especial só para
ele. Vamos avançar na história um pouquinho e, já nas próximas páginas, voltarei
para este ponto para contar a história do vídeo “Fiukar”.
O dia da reunião com o Multishow se aproximava e, ainda ansioso, o telefone
voltou a tocar. Número privado. Atendi na esperança de ser a mulher que havia
marcado minha reunião, sob a perspectiva de finalmente sanar minha dúvida e
diminuir minha ansiedade. Mas dessa vez era da Rede Record.
A ligação teve como recheio o primeiro convite para uma participação na TV
em toda a minha vida. Eu seria entrevistado pelo João Gordo (grande nome da
história da MTV que estava trabalhando no programa Legendários, do Marcos
Mion, na Record). A entrevista toda seria via internet, mas, durante o programa
na TV, João Gordo e eu apareceríamos duas vezes. Era uma ótima oportunidade
de mostrar meu trabalho para um público ainda mais diferenciado, o da TV
aberta.
Dois dias depois eu estava em um avião a caminho de São Paulo, sem acreditar
em como as coisas pareciam planejadas ao meu redor para fazer com que tudo
desse certo. Reunião no Multishow, entrevista em um programa da Record, o que
mais estaria por vir?
Cheguei à sala da produção do programa e, nesse momento, é importante
ressaltar que a TV é muito menos luxuosa do que se imagina. A sala da produção
e redação era absolutamente comum, com pelo menos vinte computadores e
pessoas escrevendo neles, algumas jogando ou vendo vídeos no YouTube. Eu
poderia ter acabado de entrar em um escritório de advocacia e não perceberia a
diferença. Ao fundo da sala estava o João Gordo, sentado na mesa e conversando
com o Mionzinho. Ao seu lado, uma jovem bonita e superarticulada também
falava sem parar. Aproximei-me e me apresentei, sem ter ideia de que aquela
jovem, de nome Andressa Bianco, se tornaria uma das pessoas mais importantes
da minha vida na época.
– E ae, moleque, tá fazendo sucesso aí na internet, hein?
É, o João Gordo conhecia meu trabalho. Embora isso não fosse tão
surpreendente, afinal ele poderia ter ficado sabendo porque eu seria seu
entrevistado, nada mais normal que ele fazer uma pesquisa sobre a pessoa que iria
entrevistar. De todo modo, era o João Gordo falando sobre meu trabalho e isso,
para qualquer pessoa da minha idade, era algo bem surreal. Aquele era o cara que
tinha levantado um tampo de vidro para jogar na cabeça do Dado Dolabella.
Sério, surreal.
Conversei com os três por um bom tempo. Descobri duas coisas interessantes:
que o Mionzinho tinha voz (ele nunca fala quando está ao lado do Marcos Mion)
e que a Andressa era uma das agentes dele e do próprio Mion. Ela trabalhava
para um escritório chamado agência DNA, que era responsável pelas carreiras de
grandes artistas, embora muito poucos e aparentemente selecionados a dedo. Era
uma agência diferenciada, que não focava nos lucros que um artista era capaz de
proporcionar mas, sim, em construir artistas verdadeiramente valiosos por suas
capacidades e projetos, um tipo de lugar em que eu gostaria de estar.
O que eu não sabia na época era que a Andressa não estava ali para dar
suporte ao Mionzinho. Tempos depois descobri que ela, ao saber que eu seria
entrevistado, foi com a cara e a coragem para a porta da Rede Record e implorou
para deixarem-na entrar, se apresentando como agente dele (o que realmente era,
mas não estava na lista para entrar e essas portarias são extremamente rigorosas).
Depois de muito debate, ela conseguiu e a grande razão de estar ali era o desejo
profundo que tinha de conseguir me levar para dentro da DNA, uma batalha
quase impossível visto que eu não tinha qualquer relevância artística além de um
canal de sucesso no YouTube, nada comparado, por exemplo, ao Bruno Mazzeo,
outro representado pela casa. A própria Andressa sabia da dificuldade que seria
convencer as duas grandes empresárias, Adriana Pires e Bruna Arilla, a me
colocar na lista dos menos de dez empresariados da época, todos muito
qualificados. Mas, enfim, eu não sabia de nada disso, somente da importância que
seria se eu tivesse a oportunidade de figurar em uma agência como essa.
Nos últimos minutos antes de entrar no set para ser entrevistado, Marcos Mion
entrou na sala e eu me afundei profundamente na cadeira. Explico: o Marcos
sempre foi um dos maiores ídolos de toda a minha vida. Seus programas: Piores
clipes do mundo, na MTV, e depois Descontrole, na Band, estiveram presentes
em toda a minha infância e adolescência. Isso sem falar das apresentações
antológicas que ele fazia para o prêmio VMB, da MTV. Por isso vocês podem
imaginar a minha cara quando ele apertou minha mão e disse que achava meus
vídeos “do cacete”.
Segui para a entrevista sentindo que andava sobre as nuvens. Na mesma noite,
João Gordo e Marcos Mion tinham mostrado que conheciam meu trabalho e o
segundo ainda dissera que achava “do cacete”, o alcance do Não Faz Sentido
tinha chegado à mídia e aquilo fazia com que meu estômago desse “parabéns”
depois de tanta ansiedade.
Como foi minha primeira entrevista da vida, não sabia muito bem como agir.
Decidi, erroneamente, utilizar os óculos escuros e interpretar o cara meio
revoltado que fazia nos vídeos. Se na época já tivesse uma empresária, uma
agente e uma assessora, elas teriam impedido isso, que ia totalmente de encontro
ao meu desejo de me desvincular da imagem do Não Faz Sentido e seguir uma
carreira fora dele. Mas, enfim, a entrevista foi um sucesso.
Contei toda essa saga com o Legendários para chegar até este momento, o do
fim da entrevista, quando Andressa finalmente me falou que iria tentar de todas as
formas me levar para a DNA. Aquilo era o céu, a maior oportunidade que eu
recebera até ali. Com uma empresária como a Adriana Pires eu poderia alçar voos
altíssimos e criar uma reserva financeira tendo que me preocupar muito menos do
que se eu tivesse que fazer tudo sozinho. Mesmo sendo um tiro no escuro e a
possibilidade de ela realmente me aceitar muito pequena, tive a certeza de que
daria certo. Não era possível que tanta coisa estivesse dando certo ao mesmo
tempo e aquilo daria errado. Parecia existir algum tipo de força ao meu redor
sincronizando os acontecimentos para que tudo estivesse no lugar certo, na hora
certa.
Conheci poucas pessoas na vida que tivessem um brilho tão grande e uma
força de vontade tão absurda quanto a Andressa Bianco. Ela acreditava tanto em
mim e no que eu poderia fazer que bateu de frente com a segurança da Record,
invadiu uma sala onde teoricamente não poderia estar, conversou por horas
comigo com o objetivo de captar tudo o que poderia sobre a minha personalidade
e, bem... Alguns dias depois, já no Rio de Janeiro, recebi uma ligação de São
Paulo.
– Felipe, aqui é a Adriana Pires, empresária da Agência DNA, tudo bom?
Sim, era a grande empresária da agência em que eu tanto desejava entrar.
– Menino, olha, eu tentei de todas as formas dizer pra Andressa que a gente
não poderia agenciar um garoto da internet que a gente não conhecia, mas ela
ficou do meu lado uns três dias seguidos insistindo em que eu visse um vídeo seu,
e eu acabei assistindo a todos. Você pode almoçar comigo amanhã?
Depois descobri que a Andressa não só tinha ficado plantada ao lado da
Adriana com o notebook na mão pedindo para ela me assistir, como ela também
havia escrito uma carta gigantesca assumindo toda a responsabilidade de me
agenciar e prometendo que cuidaria de mim dia e noite, diminuindo a quantidade
de trabalho que elas teriam e garantindo que não iriam se arrepender.
E, não, eu não tive qualquer tipo de envolvimento físico ou amoroso com ela.
A partir daquele dia até hoje a vejo como um anjo, que, em vez de genitália,
possui a parte lisa que nem um boneco Ken. Aliás, se você estiver pensando em
se envolver com a Andressa, saiba que se você a magoar eu te caçarei até o
inferno. Está avisado.
O almoço estava marcado e, curiosamente, seria no mesmo dia da reunião com
o Multishow. Sairia direto da sala do Christian Machado para o Baixo Gávea e o
almoço com a Adriana Pires. Em outras palavras, esse era o dia mais importante
da minha carreira até ali. Das duas, uma: ou eu teria um dia inacreditavelmente
fantástico, ou miseravelmente desapontador (o Multishow poderia estar querendo
apenas que eu aparecesse em uma entrevista – embora achasse difícil que
marcassem uma reunião pra isso – e a Adriana poderia querer apenas me
conhecer para depois dizer que daria uma ajuda mas não me agenciaria).
Mais uma vez tive uma daquelas noites de pouquíssimo sono, ainda mais
considerando que precisava estar na Barra da Tijuca de manhã cedo (meu
pesadelo, ter algo a fazer cedo no dia seguinte). Rumei para a sede do Multishow
cheio de possibilidades em minha mente. Após uma pesquisa no Google, tinha
descoberto que Christian Machado era ninguém menos que o diretor-geral de
produção artística do Multishow. Ou seja: fiz bem em fingir que o conhecia ao
telefone.
Christian se mostrou diferente dos executivos da TV que eu tinha em mente.
Sempre imaginei pessoas velhas de espírito, sem nenhum tipo de senso de humor
refinado e que riam de se acabar quando viam atores olharem para a câmera e
gritarem: “Humm, é mole?!” Isso definitivamente não tinha a ver com o Christian,
um homem relativamente novo que me recebeu de sorriso no rosto e me contou
um pouco de sua história.
A proposta foi simples, direta e espetacular. O Multishow estava de portas
abertas para qualquer ideia que eu tivesse. Simples assim. Eu deveria anotar todas
as ideias que pudesse para criar um programa no canal e eles analisariam. Em
suma, eles queriam que eu virasse um ator da casa e criasse projetos lá dentro. Era
a oportunidade que eu queria e da qual precisava para me desvincular da imagem
somente de um cara que critica coisas no YouTube e que só sabe fazer um tipo de
vídeo. Ainda tão importante quanto isso, o Multishow queria me contratar com
salário fixo e estabilidade durante 12 meses. Estabilidade, uma palavra que eu
jamais conhecera.
Disse ao Christian que reuniria todas as ideias que pudesse e me recusei a
negociar quanto seria meu salário. Disse a ele que naquela tarde teria uma reunião
com Adriana Pires para ver se eu passaria a ter uma empresária e, se desse certo,
a própria agência negociaria a questão salarial com ele. Por mais uma
coincidência absurda do destino, Christian sorriu de orelha a orelha:
– A Adriana é uma grande amiga minha há vários anos. – JACKPOT!
Agora só faltava a reunião com a Adriana.
Cheguei ao Baixo Gávea (ponto de encontro do Rio de Janeiro com diversos
bares e restaurantes) com a certeza de que a primeira reunião fora melhor que o
esperado, agora só faltava que tudo desse certo na segunda. Encontrei com a
Adriana ainda na rua, uma mulher loira e muito bonita, por volta de seus 35 anos,
absolutamente simpática e diferente do perfil autoritário e sabe-tudo, comum em
diversos empresários do meio artístico.
Sentamos em um restaurante ao ar livre, muito confortável, e começamos a
conversar sobre toda a minha trajetória. Em nenhum momento, em nenhuma
pausa, Adriana quis saber sobre dinheiro ou o que eu pretendia fazer para
enriquecer. A única preocupação dela parecia ser com o que eu faria com a minha
carreira, que direção deveria tomar, como superar os obstáculos e atingir aquilo
que gostaria de atingir. Aquilo me encantou.
– Bom, Felipe, preciso ser sincera. Eu achei seu trabalho incrível. É uma coisa
nova. Mas eu nunca trabalhei com nada de internet e, sendo mais sincera ainda,
estamos absurdamente atoladas com os agenciados que temos no escritório –
disse Adriana.
Meu estômago revirou; se ela não falasse um “mas” na frase seguinte,
certamente diria que não seria capaz de me agenciar.
– Mas...
Meu cérebro gritou diversos palavrões comemorativos.
– Nós ficamos tão impressionadas que estamos pensando em agenciá-lo. Vai
ser importante pra gente pegar alguém ainda numa fase tão inicial e poder ajudar
a montar tudo desde o zero. Só que preciso dizer que uma coisa ainda me
preocupa. Você fez vídeos superpopulares com temas adolescentes, como será
que os adultos irão te ver?
Pode parecer mentira, mas não é: antes que eu pudesse responder, nesse exato
momento, uma mulher por volta dos 40 anos aproximou-se da mesa.
– Com licença, desculpe atrapalhar, mas você é o Felipe Neto? Menino, sou
professora do ensino médio em uma escola aqui perto e precisei vir aqui te
parabenizar pelo que está fazendo. O seu trabalho está influenciando toda a
juventude brasileira. Você fala coisas nos seus vídeos que nós, professores,
tentamos falar a todo o momento mas nunca somos ouvidos. Aquele seu vídeo
sobre gente que escreve errado é sensacional. Continue assim, de verdade.
É claro que “influenciando toda a juventude brasileira” e outros elogios
desproporcionais eram exagero, mas aquilo era uma coincidência inacreditável.
No momento da pergunta sobre a forma como os adultos me veem, aquela pessoa
apareceu e deu esse relato fantástico. Quando olhei para Adriana, ela só sabia
sorrir.
– Então, vamos começar a trabalhar juntos? – perguntou.
Tudo estava se encaixando. Estava recebendo o suficiente para sobreviver com
o YouTube, havia aparecido na TV pela primeira vez, possivelmente teria um
programa no Multishow e agora era empresariado por um grupo fantástico. Se as
coisas continuassem a dar certo, em pouco tempo poderia sair da casa da minha
mãe e atingiria a independência financeira estável e segura com a qual tanto
sonhara desde a infância.
acesse o vídeo mencionado neste capítulo:
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