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sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Fiukar



O dia era 20 de julho de 2010, quinze dias após a publicação do vídeo
sobre Crepúsculo, que já rompera a barreira dos 3 milhões de acessos. A pressão
do vídeo lançado havia resultado em uma barreira criativa no meu cérebro.
Qualquer que fosse o tema escolhido, dificilmente seria capaz de atingir um
público tão grande quanto toda a polêmica envolvendo a saga do vampiro
celibatário. Tudo havia se encaixado magicamente para o sucesso daquele vídeo:
o tema, o fato de ninguém no Brasil ter exposto uma opinião contrária à saga de
forma tão veemente e, principalmente, o lançamento do filme Eclipse. Seria
impossível encontrar um conjunto circunstancial tão forte quanto esse, mas não
havia escolha, eu precisava gravar outro vídeo ou o canal correria o risco de
começar a cair.
Motivado pela boa notícia do Multishow, comecei a vasculhar os temas que
me incomodavam à época. Até que me lembrei de um.
No dia 15 de junho, pouco mais de um mês antes, havia feito uma breve
viagem a São Paulo e, com tempo para gastar, fui conhecer PC Siqueira
pessoalmente pela primeira vez. Fomos a uma Starbucks, sendo os dois
alucinados por café, e em seguida ele me recebeu em sua casa para conversarmos
sobre a vida de maneira geral e, principalmente, sobre o YouTube. Foi nesse
mesmo dia que gravamos o primeiro vídeo juntos para o canal Mas Poxa Vida
(canal do PC). Uma curiosidade da qual me orgulho: esse é até hoje o vídeo mais
assistido da história do canal.
Na época, o YouTube brasileiro era praticamente dominado pelos vídeos dos
canais Não Faz Sentido e Mas Poxa Vida. A popularização do formato ainda não
tinha se estabelecido, embora já começasse a dar resultados, algumas milhares de
pessoas já começavam seus vlogs inspiradas principalmente por nossos projetos,
o que resultava em certo orgulho e, por que não dizer, uma leveza de arrogância.
Poucas pessoas reconhecem a importância que PC teve para o cenário do
YouTube. Ele foi o primeiro brasileiro da história a começar um canal e a eleválo
a grandes proporções, sem deixar a peteca cair. Antes dele, alguns casos como
Ronald Rios e Guilherme Zaiden tentaram o mesmo, mas o primeiro não atingiu
um grande público e o segundo desistiu por motivos que até hoje são
inexplicáveis, embora eu me arrisque a dizer que foi pela pressão que tanto já citei
aqui neste livro.
Eu possuía uma forte admiração pelo PC, pois sabia que o seu projeto havia
sido um dos principais combustíveis para que eu decidisse começar o meu, mas
não era um sentimento recíproco. Motivado por preconceitos dos quais sempre fui
alvo, PC achava que eu era algum tipo de “carioca surfistinha babaca de papai
rico”. Precisei de pelo menos dez conversas longas para que ele pudesse ver que,
na realidade, éramos muito parecidos.
Enfim, fato é que eu estava em sua casa quando a conversa aconteceu:
– Porra, mano, eu tenho muito fã babaca – disse o PC.
– Babaca como?
– Ah, mano, eu faço uns vídeos nada a ver e vem um monte de menininha
idiota ficar pedindo pra casar comigo, uma porrada de adolescente babaca.
Eu sabia bem qual era a sensação. Por mais que a gente criticasse adolescentes
que ficam gritando que amam seus ídolos, acabávamos sendo alvo do mesmo tipo
de comportamento. Expliquei a ele que o mesmo acontecia comigo, ao que ele
respondeu:
– Porra, eu poderia ficar elogiando, mimando, falando que amo, aí eu vou lá e
posto uma coisa meio depressiva no Twitter e ainda acham que eu sou um cuzão
só porque não sou igual ao Fiuk.
Essa sempre foi uma característica que compartilhei com o PC. Nunca fomos
de ficar elogiando fã, passando a mão na cabeça e se aproveitando deles a fim de
render bons frutos para nosso trabalho. No Twitter sempre prezamos pela
sinceridade, doesse a quem doesse. Era muito comum tuitarmos coisas como:
“Quem fica pedindo vídeo novo todo dia: não enche a porra do saco. Eu vou
gravar quando quiser e não porque vocês tão pedindo.” Muitos fãs não estavam
acostumados com esse tipo de comportamento por parte de um “ídolo”. Para eles,
o normal era o sujeito agir de forma carinhosa o tempo inteiro, mostrando a
importância de suas existências.
Não fazíamos isso só porque queríamos pagar de “falsos rebeldes” na internet.
Não planejávamos as coisas de modo a poder conquistar mais fãs de acordo com
nossa imagem e, para ser sincero, acho que essa característica foi fundamental
para que tantas pessoas criassem uma identificação conosco. Muitos fãs
percebiam que éramos pessoas como outras quaisquer: acessíveis e atingíveis.
Falávamos publicamente sobre inseguranças e momentos de tristeza. Muitas
vezes até mesmo ligávamos a webcam ao vivo e conversávamos com o público,
da nossa maneira, levando ainda mais nossa realidade para dentro das casas dos
fãs. Xingar “fãs babacas” (como PC os categorizou) virou um clichê todas as
vezes em que nos propúnhamos a interagir com eles. Mas nada disso era
planejado, estávamos somente sendo nós mesmos, sem tentarmos fingir uma
personalidade ou impressionarmos as pessoas através de algo construído por uma
assessoria de imagem. Contudo, essa não era a realidade de muitos artistas jovens
ao redor do Brasil.
– Quem é Fiuk, cara? – perguntei ao PC.
Foi nesse momento que conheci Fiuk pela primeira vez. Na época, ele não
estava em Malhação e era famoso por ser o filho do Fábio Junior e ter uma banda
teen. Milhões de meninas já derretiam seus corações pela persona que ele
representava, embora eu não conseguisse entender muito bem o motivo.
– Tu nunca viu o Twitter do Fiuk, mano? – É difícil ter uma conversa comigo
sem eu falar a palavra “cara” e mais difícil ainda falar com o PC sem ouvir a
palavra “mano”.
Foi então que o PC abriu o Twitter do Fiuk e meu queixo caiu.
Não foi a aparência do Fiuk que me incomodou, não foi a música, não foi o
nível de interpretação. Foi a forma como ele tratava as fãs. Suas tuitadas pareciam
ter saído de um livro de “piadas prontas”. Ele postava coisas do tipo: “Mooreeess,
só passei aqui pra dizer que amo todas voceeess”; “Suas lindas tão lindas vocês
são a razão deu existir”; “Minhas mores vocês são todas minhas namoradas.”
Naquele instante tive um acesso de gargalhada imaginando como seria se o PC
Siqueira agisse igual ao Fiuk. Se você não conhece o PC, busque uma imagem
no Google e tentem imaginá-lo com esse tipo de personalidade. Um dia ainda irei
convencê-lo a passar o dia inteiro tuitando coisas do tipo.
Fato é que, depois das gargalhadas, aquilo começou a me causar certo
desconforto. Ao voltar para casa, descobri que não era apenas o Fiuk que se
comportava daquela maneira. Luan Santana conseguia ser ainda pior nesse
quesito, fazendo juras de amor de uma forma totalmente abobalhada. Os
integrantes do Restart repetiam a mesma forma de agir, bem como os da banda
Cine e outros jovens artistas da época que tinham conseguido atingir certa
notoriedade. Parecia uma regra: após atingir o sucesso, transforme-se num babaca
quando for falar com os fãs.
O pior de tudo é que esse tipo de atitude rendia resultados. Sem a capacidade
de atingir e se manter no sucesso por conta de suas qualidades artísticas, esses
ídolos se utilizavam desse tipo de comportamento para conquistar fãs, que
ficavam desesperadamente apaixonadas, manipuladas por frases planejadas por
seus assessores, de uma falsidade sem tamanho. Por meio dessas fãs eles
conseguiam ainda mais projeção, principalmente em função dos prêmios da
música conquistados pela votação popular. Enquanto fãs de bandas como Skank
votavam uma vez e fechavam a página, as fãs desses artistas montavam mutirões,
passavam 24 horas acordadas votando sem parar, criavam contas com CPF falso,
reuniam-se em torno da idealização de um cara bonitinho que supostamente as
amava.
É importante ressaltar que não me refiro apenas a um ídolo que diz “eu te amo”
para os fãs. Michael Jackson fazia isso e, para mim, ele foi o maior gênio da
música de todos os tempos. Contudo, Michael não ficava constante e
incessantemente repetindo o mantra do “eu te amo, vocês são lindas, quero casar
com vocês” e muito menos recebia prêmios e se tornava um ícone tendo como
única característica relevante esse tipo de comportamento. É a mesma
comparação que costumo fazer quando falo sobre as roupas coloridas. Bandas
como Ramones e Beatles também já usaram calça laranja e camiseta azul piscina,
mas o que saía de seus instrumentos era imensamente superior ao traje utilizado e
eles não dependiam disso para obter sucesso. E acho que nem preciso entrar no
mérito dos trajes de Freddie Mercury. Enfim, sigamos em frente.
Voltando ao dia 20 de julho de 2010, enquanto pesquisava sobre que tema iria
falar no meu próximo vídeo, lembrei-me de tudo isso e fui buscar um
aprofundamento no tema. A cada página que visitava, mais aquilo me
incomodava. Eram vídeos do Luan Santana em seus shows, tuitadas do Fiuk,
depoimentos da banda Restart. Enfim, se você pesquisar hoje garanto que ainda
tem muito material das antigas para render boas gargalhadas.
Para piorar, um novo termo estava bombando nas mídias sociais: “Família
Restart.” O termo, criado pela banda, buscava designar seus fãs dentro de uma
nomenclatura que rendesse ainda mais orgulho. Os meninos e meninas gritavam a
plenos pulmões: “Não mexe com a família Restart!” e “A Família Restart é minha
vida!”
Muitas vezes parei para me perguntar: “Cara, por que você se incomoda com
essas coisas?” E inclusive já ouvi essa pergunta algumas vezes ao longo dos
últimos anos. Sim, é verdade, nenhum deles estava me causando mal algum. O
Fiuk nunca escreveu uma música me chamando de broxa. Eles estavam lá,
fazendo seus trabalhos em suas músicas e eu, por algum motivo, sentia um forte
incômodo pelo modo como eles agiam.
Abrindo a sessão de terapia, é óbvio que a minha frustração artística era um
dos fatores determinantes para que eu sentisse raiva. Sempre tive o sonho de ser
ator, esfreguei o rosto na madeira do palco mais vezes do que posso contar e
sempre soube que minha chance de sair dali para fazer algo realmente notável era
de uma em um milhão. Ver artistas com pais famosos virando mega celebridades
com uma qualidade (que eu considerava) pífia de trabalho era, sem dúvida, um
incômodo. Em termos práticos, o argumento “você tem inveja do Fiuk” não
estava longe de ser verdade. A questão é que não era uma inveja de tudo que ele
tinha, mas uma raiva de ver que, na minha concepção, ele não merecia,
principalmente pela forma como tratava as fãs e pelo resultado que aquilo rendia
para suas premiações e destaque na mídia. Mais uma vez atento para o fato de
que tento ser sincero, não importa sobre o que seja, é mais do que natural traçar
esse raciocínio sobre o que despertava minha raiva na época, mesmo que isso
possa resultar em você me achar mesquinho. Obviamente essas são coisas que eu
consigo enxergar hoje em dia, mas na época esses artistas só me irritavam e ponto
final.
Comecei a elaborar o vídeo naquela mesma noite e tomei a decisão que
mudaria para sempre minha vida.
Decidi que iria criar um nome para esse tipo de atitude dos ídolos, a de ficar
repetindo que amavam as fãs e dizer que eram suas namoradas. Na busca por um
verbo para definir esse tipo de comportamento, deparei-me com a possibilidade
de utilizar o nome do próprio Fiuk, pois o som ficava perfeito: “fiukar.”
Veja bem, eu poderia ter escolhido “luansantanizar”, ou “luanar”, ou
“restartar”, mas nenhum desses nomes soava bom, o primeiro era muito grande, o
segundo parecia título de música da Calypso e o terceiro parecia ação de video
game. Então fiquei com “fiukar”.
O resultado disso foi que todos acharam que meu vídeo falava única e
exclusivamente do Fiuk, o que não é verdade. O vídeo fala sobre o
comportamento, que pode ser encontrado nas falas de diversos artistas. Nunca foi
meu objetivo fazer um vídeo para xingar o Fiuk, isso seria estupidamente infantil.
Diferentemente do Justin Bieber e das inúmeras piadas ao seu redor, Fiuk não
possuía características idiotas o suficiente para eu embasar um vídeo inteiro na
sua existência. Errei no roteiro, dando a impressão de que eu estava atacando
única e diretamente o filho de Fábio Junior. Digo “errei” porque, por mais que a
mensagem tenha sido passada, poucas pessoas perceberam que ela também se
referia a outros ícones.
Comecei o vídeo com o seguinte:
“Fiukar. Do latim: Aurelius fiuknemous. Ato ou efeito de agir como um
verdadeiro retardado, para iludir uma penca de adolescentes igualmente
retardadas, de modo a deixá-las com as coxas úmidas pensando que são amadas
por um ídolo babaca.”
Enquanto recitava esse parágrafo, fingia estar lendo um dicionário, que na
verdade era o livro O gene egoísta, do Richard Dawkins. Hoje, vendo isso, dou
risada ao perceber o quão idiota foi segurar o livro de Dawkins. Parece uma
tentativa idiota de parecer intelectual, como se ler Dawkins fosse uma grande
coisa. Na realidade, a razão de ter utilizado um livro foi para não ter que decorar
o texto. Na página aberta estava um recorte de papel com tudo que eu precisava
dizer. Tcha-nam!
Continuei o vídeo argumentando a manipulação dos ídolos sobre seus fãs,
comparando suas atitudes com a mesma usada no adestramento de cães.
Enquanto que para o cão você dá um prêmio (biscoito) pelo bom comportamento,
para o fã, o ídolo fazia juras de amor em troca de votos e gritos desesperados,
condicionando a massa para sempre reagir dessa forma quando ouvissem o “eu te
amo”.
Cito abaixo um dos trechos que ficaram mais marcados no Não Faz Sentido:
“O seu ídolo NÃO te ama. Exatamente, ele não te ama, sabe por quê?
Primeiro, porque ele não te conhece e, segundo, porque ele não tem motivo
nenhum pra te amar. Se você ama alguém porque essa pessoa te segue, ou se
você ama alguém porque essa pessoa vota em você, ou se você ama alguém
porque essa pessoa tem um pôster seu colado na parede, você tem probleminha!”
Foi nesse vídeo que a expressão “você tem probleminha” acabou ficando
marcada para sempre no Não Faz Sentido. Acabei repetindo em diversos vídeos,
mas depois decidi parar por ter começado a achar chato pra cacete as pessoas
ficarem repetindo essa frase toda vez que me viam. E também porque comecei a
achar a própria frase um tanto quanto idiota.
Em um espasmo de raiva, acabei improvisando outro trecho que foi muito
repetido:
“Esse é o jeito mais fácil de conseguir fã: mentindo pra ele. Eu quero ver você
conseguir fã falando a verdade, cuzão.”
Em outro momento, disse:
“Eu não amo nenhum de vocês. A menos que você seja a minha mãe.” –
Minha mãe assistia aos meus vídeos – “Eu não amo meus fãs, eu não conheço
99,9% dos meus fãs. Mas aí entra o detalhe: isso não significa que eu odeie os
meus fãs. Existe esse conceito no Brasil, se você não trata seu fã falando que ama
e blábláblá, significa que você tá tratando mal o seu fã. Não, caralho! O que você
tem que exigir do seu ídolo é que ele te trate como gente, isso inclui,
principalmente, não mentir pra você, não te iludir e não te tratar como um
babaca.”
Mais para o final, veio a frase que fechou o vídeo com chave de ouro e virou
bordão entre muitos jovens da época.
“Na próxima vez que um desses ídolos falar que te ama, responde pra ele
assim: AMA PIRU, MANO!”
Não faço ideia do que me motivou a criar o trecho acima, que hoje me soa
bastante infantil, mas fato é que funcionou e muito. Nas semanas seguintes a frase
“ama piru, mano” apareceu inúmeras vezes nas redes sociais. Um fã do Não Faz
Sentido chegou a gravar um show do Luan Santana em que, após o próprio dizer
“amo vocês”, outro cara gritou: “AMA PIRU, MANO!” Não sei se o vídeo ainda
está no YouTube, mas foi bastante engraçado ver a raiva das pessoas ao redor.
Lancei o vídeo no dia seguinte, com a consciência tranquila, sabendo que tinha
feito algo de que podia me orgulhar, com uma mensagem importante por trás da
revolta. A mensagem de tentar levar um pouco de consciência para a massa
jovem que idolatrava e evidenciava ídolos que não mereciam aquilo que
recebiam. Sabia que o sucesso de audiência do vídeo de Crepúsculo era
praticamente inatingível, mas estava me sentindo confiante de que conseguiria
algum resultado entre os jovens com o vídeo sobre a fiukagem.
Agora imaginem o som de uma explosão nuclear. Foi isso que ouvi durante os
cinco dias que se seguiram ao lançamento do vídeo. Foi tudo muito rápido, tão
rápido que é difícil lembrar todos os detalhes, tão rápido que resultou em erros de
minha parte.
O vídeo se alastrou na velocidade da luz e em dez minutos meu nome estava
novamente em primeiro nos trending topics mundiais. Mais uma vez as fãs,
bêbadas de ódio, empurraram o vídeo pra frente, mostrando para todas as pessoas
que conheciam na tentativa de me afetar com seus xingamentos. Contudo, dessa
vez, a coisa vinha com uma força totalmente diferente.
Muitas das fãs que comentavam não estavam me xingando, mas sim dizendo
que o vídeo tinha feito elas perceberem muita coisa que não tinham percebido
antes. Os namorados e amigos lotavam a caixa de comentários com mensagens de
apoio, o Twitter fervilhava e eu ganhava novos seguidores em uma velocidade
impressionante.
Diferentemente do vídeo sobre Crepúsculo, no qual eu criticava uma saga,
dessa vez eu estava mostrando algo importante bem na frente das pessoas que
serviram como alvo do vídeo. Algo absolutamente óbvio, mas que muitos eram
incapazes de enxergar pelo estado de cegueira causado pela idolatria. A Família
Restart, contudo, permanecia com sangue nos olhos, principalmente por eu ter
dito, em determinado momento: “Família é o caralho!”
Fui dormir feliz com o resultado. No primeiro dia o vídeo ultrapassou os 300
mil acessos e meu nome permanecia em primeiro lugar como o assunto mais
comentado no Twitter do mundo inteiro.
O problema veio no dia seguinte.
Ao acordar, assustei-me ao perceber que em nenhum momento meu nome saiu
da primeira posição dos trending topics mundiais do Twitter, algo que nunca
tinha acontecido antes. O vídeo ganhava uma força impressionante, até que
descobri uma das principais razões. O próprio Fiuk tinha assistido ao vídeo e
postado algo em seu Twitter.
Corri para ver, motivado pelo relato dos fãs na minha caixa de mensagens.
Deparei-me com a seguinte mensagem pública do Fiuk:
“Ae @felipeneto, vc é mto bom cara! Só não mexe com quem ta quieto. É
triste ter q falar mal dos outros p/ fazer sucesso. Mas ficou engraçado.”
Duas coisas me deixaram atônito com a mensagem. A primeira foi o fato de o
Fiuk não só saber quem eu era como também me achar “mto bom”. Até então eu
sabia que o Mion e o João Gordo me conheciam, mas imaginava que a razão
disso seria o fato de que eu era um entrevistado do programa. Dessa vez foi a
prova cabal de que o vídeo realmente estava nas casas de pessoas bastante
midiáticas e que qualquer crítica que eu fizesse provavelmente seria vista pelo
próprio alvo, se ele fosse brasileiro.
A segunda coisa foi a forma como ele me alfinetou, com o famoso “morde e
assopra”, ou seja, “vc é mto bom” seguido de “só não mexe com quem ta quieto”
e depois “é triste ter q falar mal dos outros p/ fazer sucesso” seguido de “mas
ficou engraçado”. Típica resposta de alguém treinado por uma assessoria de
imprensa para sair como mocinho em qualquer debate público.
Esse foi o momento em que cometi o maior erro de toda a minha carreira.
Sempre que sou perguntado sobre o pior momento do Não Faz Sentido, cito esse
exato momento como principal exemplo.
Movido pela impulsividade e falta de experiência, aliadas à raiva, resolvi
respondê-lo.
“O Fiuk é tão genial que conseguiu usar o mesmo argumento das suas fãs de
11 anos” – respondi, referindo-me ao “não mexe com quem ta quieto” –
“Exemplo de como lidar com público-alvo, a gente vê por ali” – adicionei em
seguida, citando o slogan da Globo.
Eu não só respondi ao Fiuk de forma pública como também citei a Rede Globo
dentro da crítica. Eu iria pagar por isso mais tarde.
Não satisfeito, continuei:
“Mas relaxa, @Fiuk, eu sei q precisei falar mal dos outros pra fazer sucesso.
Azar o meu, não nasci com papai famoso.”
Fiuk rebateu:
“@felipeneto q azar. Nem com papai famoso e nem talentoso. Rsrsrs.”
Não sei o que me fez rir mais na época, se foi o fato de ele dizer que eu não era
talentoso depois de ter dito na tuitada anterior “vc é mto bom” ou o fato de ele rir
com “rsrsrs”. Acabei encerrando a discussão da seguinte forma:
“@Fiuk Talento? Você falou de talento? Desisto mano. Boa sorte ae...!
AHuhaUhUAhuHAu”
Sentiram minha risada de macho?
Enfim, esse foi o momento mais infeliz de tudo que fiz desde que comecei o
Não Faz Sentido e já já explicarei o motivo.
Fato é que eu tinha ido longe demais, mas não fazia ideia disso. Na minha
cabeça, aquela era apenas uma discussão idiota motivada pela raiva e
impulsividade, mas somente uma discussão insignificante. O problema é que não
era. Esqueci completamente do tamanho do Fiuk para a imprensa brasileira e
ignorei o fato de que o Não Faz Sentido já estava com números o suficiente para
ser conhecido por muita gente.
As horas que se seguiram foram extremamente complicadas. Não lembro quem
foi o primeiro, o Ego, a Quem, ou a Contigo, só consigo lembrar que em poucas
horas a notícia da discussão estava na esmagadora maioria dos veículos de fofoca
do país, aqueles que eu tanto odiava e dos quais já tinha falado mal. O pior, a
maioria das matérias era escrita de forma a deixar Fiuk como o mocinho da
história, o herói incompreendido e atacado pelo vilão da internet, aquele garoto
destruidor de lares e famílias. Algumas das matérias ocultavam as respostas de
Fiuk, dando a entender que eu tinha feito tudo sozinho na tentativa de humilhá-lo
publicamente e, pasmem, sem motivo.
O motivo de a imprensa agir dessa forma era óbvio, eu tinha mexido com o
queridinho da fofoca, responsável por movimentar milhões de reais com suas
notícias incríveis de “Fiuk posta foto depois da academia”.
Foi aí que tudo começou a desandar dentro da minha cabeça. Em primeiro
lugar, comecei a me sentir um lixo por estar vendo minha foto postada em sites de
fofoca, ainda mais que a maioria das fotos vinha com a foto de Fiuk ao lado. Eu
tinha contribuído para esse tipo de mídia, estava ajudando a fomentar esse veículo
que considero tão banal para o ser humano. Ao lado do Fiuk. Minha foto, meu
nome, fofoca.
Em segundo lugar, foi a primeira vez em que percebi que a mídia pode acabar
com a sua imagem se ela quiser. Claro que nada dura para sempre e em uma
semana as pessoas esquecem, mas ver todo o caso manipulado daquela forma na
hora de virar notícia me fez muito mal pela primeira vez.
Terceiro, muitas pessoas começaram a achar que eu fazia tudo de propósito,
que eu era um “attention whore”, disposto a fazer o que fosse preciso para ter
meus minutos de fama. Se você leu o livro até aqui, espero que tenha conseguido
captar que isso ia de encontro a muitos dos meus ideais. Ver meu nome
aparecendo em sites de fofoca me causava dor de estômago e era a última coisa
que eu queria. Ver pessoas presumindo que eu tinha planejado tudo e que não
passava de um caça-manchete era demais pra minha cabeça.
Por último, veio a percepção de um fato: o Não Faz Sentido tinha ficado
grande demais, ainda mais agora, motivado pelos milhões e milhões de acessos
dos leitores de sites de fofoca que leram a matéria e viram meu vídeo. Por um
lado, isso era ótimo, afinal significava mais alcance, mais público, mais realização
do projeto, mas, por outro lado, vinha uma realidade difícil: qualquer brasileiro
que eu criticasse eventualmente ficaria sabendo.
Veja bem, não é que eu tivesse medo daquilo, mas a coisa toda muda de figura
quando você sabe que seu alvo irá lhe assistir. Imagine ter a chance de, no grupo
de amigos do trabalho, criticar o desempenho do colega do outro departamento.
Agora imagine fazer isso sabendo que a empresa inteira ficará sabendo cada
palavra do que você disse. Imagine ainda que aquele colega provavelmente é
muito querido do chefe. Era mais ou menos como eu me sentia, sendo o “chefe”,
nesse caso, a imprensa.
Ok, a metáfora não foi das melhores, mas eu não tomei muito café hoje.
As matérias promoveram o vídeo de forma violenta. Três dias depois o vídeo
já batia 1 milhão de visualizações e meu nome ainda se mantinha como assunto
mais comentado no Twitter do mundo inteiro. Pela primeira vez fiquei com medo
de algo que nunca havia sequer me preocupado antes: ser processado. Se Fiuk me
processasse e eu perdesse, já era. Quanto valia a imagem do Fiuk para o sistema
judiciário? A Xuxa tinha vencido um processo acima de 2 milhões de reais contra
o programa Pânico! E eu não tinha um canal de TV para se responsabilizar por
mim.
Coincidência ou não, naquele mesmo dia alguém inventou que o Fiuk tinha
decidido me processar. Congelei na cadeira. Em pouco tempo o termo “Fiuk
processa Felipe” foi para primeiro lugar nos trending topics mundiais, deixando
meu nome em segundo. Uma comunidade no Orkut foi criada com o título: “Fiuk
processou Felipe Neto” e no mesmo dia bateu mais de 200 mil membros.
Gelado na cadeira, com medo de que aquilo fosse verdade, percebi que um
fenômeno incrível estava acontecendo. As pessoas estavam divulgando a notícia
do processo, mas, em vez de defenderem Fiuk, estavam me defendendo. Na
descrição da comunidade do Orkut, lia-se:
“Fiuk processou Felipe Neto por um vídeo. Por quantas músicas devemos
processar Fiuk?”
As pessoas da internet não tinham acreditado na versão manipuladora das
revistas e sites de fofoca, tinham ido atrás, assistido ao vídeo e visto a briga no
Twitter. Ao ver o vídeo, passaram a me defender com unhas e dentes,
condenando Fiuk de forma violenta por sua decisão de me processar.
Fui dormir naquela noite com o medo de ter que responder judicialmente pelo
meu vídeo e, pior ainda, saber que aquilo seria notícia dos sites de fofoca por
bastante tempo se acontecesse. Minha vontade de ver meu nome nesses sites era a
mesma de chamar o Anderson Silva pra porrada.
Não sei ao certo se Fiuk planejava me processar ou não, mas no dia seguinte a
coisa tinha saído do controle. Os xingamentos ao Fiuk entupiam as redes sociais,
era ataque para todo lado e a comunidade chegou a 400 mil membros. Até que,
no final da tarde, Fiuk postou no Twitter:
“Quem inventou a história do processo? É uma coisa tão pequena, não iria
fazer isso. Relaxa galera!”
Pequena a coisa não era. Na altura, o vídeo já beirava os 2 milhões de
visualizações e todas as capas de fofoca do país traziam meu vídeo para quem
quisesse ver. Nossos nomes permaneciam pelo quarto dia seguido como um dos
assuntos mais comentados no Twitter do mundo inteiro. Mas isso foi o suficiente
para que eu pudesse destravar o esfíncter. Ele não iria me processar. O que nunca
saberemos é se ele decidiu não me processar desde o início ou se foi depois de
ver a repercussão monstruosamente negativa quando as pessoas acreditaram que
ele iria fazê-lo.
Se você foi o responsável pela invenção do boato, muito obrigado.
Depois disso a coisa toda começou a perder a força. Todos os mesmos sites de
fofoca postaram mais uma notícia – “Fiuk revela que não irá processar Felipe
Neto” – e a maioria das notícias dava a entender que ele era um santo
misericordioso, mas isso não me afetou. Somente o fato de ver meu nome mais
uma vez aparecendo em tais sites.
O vídeo continuou subindo, tornou-se um dos maiores fenômenos de audiência
do canal e recebi o apoio de muitas pessoas. O problema é que toda essa história
tinha gerado uma consequência impossível de ter sido prevista.

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