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sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Do Não Faz Sentido á Parafernalha



Mesmo após duas semanas do vídeo “Preço Justo”, um dos
assuntos em pauta na internet ainda era a questão dos impostos em produtos
eletrônicos importados. Ainda se ouvia falar do vídeo em vários cantos e até
mesmo nas ruas eu era surpreendido com gritos de “PREÇO JUSTO NESSA
PORRA” enquanto andava tranquilamente. Aliás, se você foi um dos que fez
isso, saiba que uma vez quase fui atropelado por conta do susto. Não é legal gritar
para alguém quando essa pessoa está atravessando a rua. Principalmente quando
essa pessoa é muito inteligente e está atravessando fora da faixa.
Com o começo de maio de 2011, o Não Faz Sentido foi temporariamente
varrido da minha cabeça, pois dois grandes acontecimentos estavam para
começar. O início oficial do escritório da Parafernalha e a estreia do quadro de
humor no Esporte Espetacular, da Rede Globo. O segundo não me causava
muito nervosismo, principalmente pelo fato de que, em minha mente, estava
muito claro que a Globo era apenas algo temporário que serviria para eu adquirir
a experiência de produzir conteúdo para um público completamente diferente e
me estabilizar financeiramente com um bom salário. A Globo não era meu futuro,
a Parafernalha sim. Embora muita gente tenha dito na época que essa forma de
pensar era simplesmente idiota.
“Cara, coloca sua cabeça na TV, lá você pode crescer e garantir sua vida, essa
Parafernalha pode não dar em nada”, lembro claramente dessas palavras, ditas por
uma pessoa do ramo do entretenimento e cujo nome prefiro não mencionar.
Eu não acreditava nisso. Sabia que poderia fazer muito mais através da internet
do que a TV jamais possibilitaria que eu fizesse. E as inúmeras reuniões com
executivos da emissora me fizeram concluir cada vez mais que eu estava
pensando da maneira certa. Muitas das ideias eram vetadas, adaptações eram
feitas na maioria dos roteiros e dificilmente alguma coisa era aprovada sem antes
passar por uma série de regras. Na TV aberta não se pode sequer fazer um humor
onde a pessoa precise ler algo, como uma tela de celular ou uma placa na rua. Se
qualquer conteúdo escrito é mostrado, na mesma hora é preciso ter uma dublagem
em cima, falando o que está escrito, o que mata completamente qualquer tentativa
de piada visual com palavras.
“Você precisa entender que muita gente que assiste à TV aberta não sabe ler”,
tinha explicado o executivo responsável pelo meu quadro. A justificativa era
válida, mas a forma de pensar, na minha visão, não era (e não é) inteligente.
A coisa que eu mais ouvia na Globo era justamente a de que “é necessário
agradar à massa, precisamos fazer conteúdo para as classes C e D”. Mas a pouca
experiência que eu já havia adquirido com o Não Faz Sentido e com o
planejamento da Parafernalha me indicava que o pior caminho para se fazer
humor é justamente tentar agradar a determinado grupo específico, em vez de se
preocupar somente com o que é considerado verdadeiramente engraçado e
divertido, seja para qualquer idade, raça e classe social.
É mais ou menos assim. No momento em que o Não Faz Sentido deu certo e
começou a virar uma febre entre os adolescentes, se eu seguisse a filosofia da TV
aberta em geral, teria ficado somente e para sempre nos temas juvenis, pois aquilo
me rendia o dinheiro que eu havia conquistado até então. Dez anos se passariam e
eu ainda estaria explorando o mercado que deu certo, sem abrir a visão para os
lados em busca de novas alternativas. O Não Faz Sentido ficaria repetitivo, sem
alma e totalmente voltado para números de acessos. Jamais teria feito vídeos
como “Preço Justo”, “Políticos”, “Preconceito”, entre tantos outros. Essa é a
metodologia da TV aberta para muitas coisas. E, no período de 2010 em diante, o
foco inteiro da Globo estava voltado para as classes C e D. Novelas sobre
empregadas domésticas, Zorra Total passado em um metrô (depois mudado para
um cabaré meia boca), programa Esquenta! voltado claramente para a massa,
entre inúmeros outros programas e atrações. O resultado disso era nítido, o
público jovem, que na classe C já estava mais conectado que entrada USB, não
suportava mais a Rede Globo, bem como as outras emissoras. Poderia até assistir
(pois a Globo conseguiu algo inacreditável, associar “assistir à TV” com “ligar na
Globo”, mesmo que a pessoa odeie), mas, sempre que possível, aquele mesmo
jovem ia até as redes sociais e começava a tripudiar sobre a programação da
emissora, deixando claro que não guardava qualquer tipo de admiração pelo
trabalho realizado.
Para piorar, foi mais ou menos nesse período que a Globo começou a lutar
contra as mídias sociais, proibindo seus apresentadores de falarem sobre Twitter,
Facebook e, principalmente, YouTube (embora este não seja apenas uma mídia
social). A Globo não queria fazer parte desse mundo novo, pois, dentro de seu
pensamento extremamente capitalista, qualquer outro site era um concorrente da
Globo.com. Uma forma de pensar que afastava cada vez mais os jovens.
A dinâmica e a velocidade do jovem não tinham mais qualquer identificação
com o método repetitivo e desgastado da Rede Globo, principalmente no humor.
E por isso o futuro dos meus empreendimentos no ramo do entretenimento
poderia ser ainda mais promissor. Uma revolução poderia estar realmente perto de
acontecer. Algo que não acontecia desde a migração da rádio para a TV.
Ao mesmo tempo, eu não odiava (e não odeio) a Globo ou qualquer outra
emissora. Muito pelo contrário, sempre tive grande admiração pela TV. Foi a TV
que despertou meu sonho de ser ator, que alimentou minhas fantasias
adolescentes, até mesmo as pornográficas (pois é, amigos, na minha adolescência
não existia essa história de site pornô, tinha que esperar meia-noite para assistir ao
Perfumes de Emanuelle na Band). O SBT, na década de 1990 e início de 2000,
era algo maravilhoso. Não apenas eu como todos os meus amigos ficávamos
absolutamente ligados para conferir programas como Carrossel, Chiquititas, TV
Cruj, Um Maluco no Pedaço, Eu, a Patroa e as Crianças, entre muitos outros. A
própria Globo tinha uma programação interessante, na época em que Malhação
era excelente e tínhamos ótimos desenhos disponíveis. Foi a época também de
Pokémon no programa da Eliana, uma febre televisiva que marcou uma geração.
Ter um quadro na Globo era também a realização de um sonho adolescente.
Meus parágrafos acima podem dar a entender que eu guardo algum tipo de
rancor ou raiva da emissora, mas a verdade é que sou muito grato por tudo que
vivi ali dentro. Apesar de não concordar com práticas da empresa e com a
metodologia de como conduzir o humor, admiro vários outros aspectos.
Principalmente a capacidade de realizar programas como Profissão Repórter,
Programa do Jô, Altas Horas, muitas minisséries, o futebol e até mesmo a
genialidade por trás de uma ou outra novela, como aconteceu em Avenida Brasil
que, apesar de não me atingir, foi um fenômeno admirável de se estudar. Oi oi oi.
Controvérsias à parte, eu sabia que tinha dois possíveis caminhos à minha
frente. Poderia me dedicar de corpo e alma à TV e seguir por uma jornada mais
fácil ou poderia utilizar essa dedicação em novos empreendimentos que
utilizassem a internet para causar algum tipo de revolução do entretenimento no
Brasil. Eu já estava na TV, já tinha um programa no Multishow (com outro para
vir), estrearia na Globo na semana seguinte e sabia que ali poderia morar minha
vida mais tranquila. Ao mesmo tempo, minha impulsividade e loucura berravam a
todo o momento que eu deveria focar na web, mesmo indo contra quase todos os
conselhos da época. E minha impulsividade e loucura sempre vencem.
Por isso, dia 15 de maio de 2011, abri a porta do escritório da Parafernalha
pela primeira vez e sentei em minha nova mesa, ao lado do João Fernando e do
Leonardo Luz. Aquele foi o dia em que minha carreira como executivo
oficialmente começou. E só conseguia pensar em uma coisa: ser executivo e não
ter que trabalhar de terno era bom pra cacete.
Curioso analisar que as coisas que eu tanto condenava cismavam em cruzar
meu caminho. Criticava as modas adolescentes, acabei me tornando uma.
Criticava a TV, acabei indo para dois canais diferentes. Criticava os executivos e,
agora, também havia me tornado um. Se as coisas continuassem assim em breve
eu estaria usando calças laranjas e cantando sobre beijar meninas em baladas.
Lembro bem do primeiro dia de escritório da Parafernalha. Éramos uma
produtora de vídeos para a internet, mas nossa equipe contava apenas com um
roteirista e um programador. Não havia diretores, editores, produtores, nem
mesmo o equipamento havia chegado ainda. Em outras palavras, não dava para
fazer muita coisa. Por isso, focamos em ideias, todas as ideias possíveis. O Leo
começou a cuidar das mídias sociais, montamos um website temporário que dizia
“A Parafernalha está nascendo” e eu comecei a gerar burburinho pelo Twitter.
Imediatamente muitas pessoas começaram a tentar adivinhar o que viria por aí e
muitas ficaram animadas por saberem que se tratava de algo que havia surgido em
função do Não Faz Sentido.
Eu e Nando (como chamamos o João Fernando Sangenetto, nosso
programador) nos debruçamos no planejamento do site e passei os dias seguintes
desenhando as telas, enquanto ele programava e gerava o banco de dados. O
menino provava a cada dia que era extremamente capaz e, mesmo com apenas 18
anos, era um gênio da programação. Foram dias divertidos, o início do início, a
realização de um sonho. Muitas risadas, todos unidos em volta da concretização
de algo do zero, uma sensação que todos deveriam passar ao menos uma vez na
vida. E um pensamento começava a martelar minha cabeça: um dos grandes
motivos do sucesso do Não Faz Sentido havia sido a sorte, baseada na época em
que o projeto foi criado. Será que eu seria capaz de criar um novo projeto, do
zero, e dar a ele o sucesso que o outro foi capaz de obter? Dessa vez seria em um
cenário de YouTube totalmente diferente, com diversos canais já fazendo algum
sucesso e uma exigência muito maior por parte do público. Aquela seria a prova
de fogo se eu realmente tinha uma visão diferenciada para projetos de
entretenimento na internet para os jovens ou se o Não Faz Sentido tinha sido, de
fato, apenas um caso de sorte.
Os dias foram passando e no dia 22 de maio meu quadro no Esporte
Espetacular estreou com tremenda repercussão positiva, tanto por parte interna da
Globo quanto por parte do meu público da internet. Adicionando um pouco da
pegada do YouTube, o quadro era formado por pílulas de dois minutos
satirizando situações esportivas por mim e pelo Fábio Nunes. O resultado me
impressionou e a informação interna que tivemos foi a de que, nos momentos em
que o quadro foi exibido, a audiência do Esporte Espetacular subiu, o que era
uma conquista impressionante.
O lado curioso de ter estreado na Globo foi o de que um novo público
totalmente diferente passou a conhecer meu trabalho. Meu porteiro começou a me
zoar toda vez que me via, os taxistas começaram a me reconhecer com muito
mais facilidade e, curiosamente, semana passada, um mendigo aproximou-se de
mim e disse: “Ae, tu não é aquele maluco que fazia aquela parada de humor lá na
Globo?” Não faço a menor ideia de como o mendigo assistia televisão. Talvez ele
não fosse mendigo nessa época. Vai ver ele ficou tão deprimido com meu quadro
que perdeu o rumo da vida. Vai saber.
Contudo, a reação drástica que eu pensava que iria acontecer acabou não
acontecendo. Poucas foram as pessoas que se pronunciaram publicamente contra
o quadro, ou que me chamaram de “vendido” por ter ido para a Globo. O público
parecia estar mais receptivo a novos projetos, principalmente depois da minha
entrada no Multishow e das campanhas publicitárias.
Uma observação curiosa: aquela foi a primeira e única vez em que assisti ao
meu próprio quadro ao vivo na televisão. Reuni a família, fiz um café da manhã e
assistimos todos juntos. Nunca mais. Acordar cedo no domingo nunca foi algo
presente em minha vida. Aliás, acordar cedo nunca foi algo presente em minha
vida.
Quando junho começou, a Parafernalha começou a ficar séria. Os
equipamentos de filmagem chegaram, o site já estava quase pronto e finalmente
trouxe para a equipe o primeiro responsável por direção e edição dos vídeos:
Osiris Larkin, um editor de mão cheia que já tinha trabalhado na edição dos meus
quadros na Globo, no Multishow e recentemente tinha se demitido,
principalmente pelo desejo de ser mais do que somente editor. Seu grande sonho
era poder dirigir seus próprios filmes e a Parafernalha foi a realização perfeita.
No dia 16 de junho de 2011, o primeiro vídeo do canal Parafernalha foi ao ar,
um momento histórico da minha vida e da empresa. O vídeo, escrito por mim,
mostrava a vida de um homem solteiro morando sozinho. O ator que
protagonizou o vídeo foi o próprio Fábio Nunes, meu companheiro de quadro na
Globo. Nele, ilustrávamos situações como: cheirar as cuecas para ver qual pode
ser reutilizada, nunca arrumar a cama, virar um chef na arte de preparar um miojo
nojento e cheio de gororobas, ter a liberdade de assistir pornô na TV da sala e,
por fim, perceber que era muito mais feliz na casa da mamãe.
Com muita dúvida no ar sobre o que aconteceria com a Parafernalha, se teria
forças para ganhar vida própria ou não, comemorei muito quando o vídeo foi
provando que sim, nós éramos capazes de criar algo grandioso.
Minha influência na internet só servia até certo ponto. Meu alcance no Twitter,
Facebook e no próprio YouTube não era o suficiente, sozinho, para gerar milhões
de visualizações em qualquer projeto que fosse. Nem mesmo o Twitter da Lady
Gaga, com 37 milhões de seguidores, é capaz disso. A internet é pautada, muito,
pela força do próprio conteúdo, não pela divulgação dele. Obviamente você pode
comprar visualizações, colocando seu projeto em evidência em todas as partes
patrocinadas do YouTube e Facebook, mas seria necessário um caminhão de
dinheiro para fazer isso em todo vídeo da Parafernalha. Eu não tinha um
caminhão de dinheiro, não tinha investidor, não tinha nada além da minha paixão
e da dos novos integrantes da Parafernalha.
Mesmo assim, o vídeo “Morar Sozinho É...” ganhou vida própria. Nos
primeiros dias já bateu mais de 200 mil visualizações e continuou crescendo.
Quatrocentos mil, 600 mil, 1 milhão de visualizações em duas semanas. Eu estava
longe de ser capaz de gerar todo esse tráfego sozinho, o que provava que a
Parafernalha tinha nascido da melhor forma possível, gerando sua própria rede de
fãs e “viralizando” seu primeiríssimo conteúdo postado. O número de inscritos
começou a disparar, o burburinho nas redes sociais sobre o nascimento de um
novo canal de humor no YouTube tornou-se evidente. Nosso primeiro objetivo
tinha sido atingido.
O Não Faz Sentido não tinha sido, afinal de contas, um puro golpe de sorte.


acesse o vídeo mencionado neste capítulo:

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