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sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Dublagem e preço justo



Com o início de março, eu me via cada vez mais concentrado no
planejamento da Parafernalha e na leitura de todos os livros possíveis sobre o
mundo dos negócios, as técnicas de liderança e as manobras para sobrevivência
de uma start-up. Além disso, passava horas e horas dos meus dias gravando o
programa do Multishow e novos quadros de humor para o Esporte Espetacular.
Minha agenda era insana, o trabalho motivador, mas de repente comecei a sentir
uma incrível angústia.
O Não Faz Sentido não era atualizado desde o dia 28 de janeiro e, embora o
vídeo sobre Carnaval e micareta ainda estivesse fazendo muito sucesso graças ao
período festivo, uma sensação de peso no estômago tornava-se cada vez mais
presente. Meu grande problema, contudo, era por conta do severo déficit de
atenção de que sofro, que se manifesta de maneira agressiva quando se trata de ter
a obrigação de fazer algo que não estou com vontade de fazer. A realidade era
que o Não Faz Sentido, pela dificuldade envolvida e a falta de tempo, havia se
tornado algo que eu não conseguia ter paciência para realizar. O resultado era a
mais absoluta procrastinação, muito embora eu tentasse, a todo o momento,
pensar em um novo tema que pudesse se tornar um vídeo interessante.
Os dias se passavam. O projeto “Parafernalha” começava a ganhar corpo.
Mesmo sem ainda ter se tornado realidade, duas pessoas já haviam sido précontratadas:
Leonardo Luz, um amigo de longa data que era bom com roteiros, e
João Fernando Sangenetto, o irmão de um conhecido que parecia ter talento com
programação de websites. Eles acabariam por se tornar os dois primeiros
integrantes da Parafernalha.
Fui à procura de um escritório, rodei diversos lugares até perceber que a
melhor opção seria uma minúscula sala no Largo do Machado, bem à frente de
uma estação do metrô. O espaço era apertadíssimo, apenas vinte metros
quadrados, mas era onde eu começaria meu grande sonho, mesmo que isso
significasse passar mal por falta de ar em um ambiente que não conseguiria
suportar com tranquilidade mais de 4 pessoas.
Enquanto a papelada de locação começava a ser arrumada e eu planejava todo
o investimento que seria necessário para os próximos 36 meses, tive a ideia do
próximo vídeo do Não Faz Sentido, enquanto assistia a algum filme na Rede
Globo. O filme era dublado (como tudo na TV aberta) e aquilo me inspirou para
o próximo tema de vídeo do canal. A dublagem brasileira.
O tema sempre havia me incomodado, desde a época em que eu administrava
o site de seriados IsFree.TV. À época, uma grande bomba havia acontecido
quando o canal da TV fechada, FOX, decidiu colocar quase toda a sua
programação dublada, gerando uma grande revolta entre os fãs das séries que
eram exibidas em sua programação. Porém, contra todos os indícios que pareciam
claros para nós, reles mortais que não estamos nos bastidores do mundo da TV, a
ideia deu certo. Com a entrada em massa da Classe C (principalmente da “nova
classe c”) no mundo da TV fechada, a demanda para a programação dublada
cresceu consideravelmente e a FOX beneficiou-se da decisão.
O que acabava deixando os fãs, como eu, mais putos ainda.
O grande problema nunca foi os dubladores em si, mas a grande tragédia que
era cometida quando uma obra quase perfeita, como o filme Gladiador, era
passada para a versão dublada. No país do politicamente correto e com a
preocupação imbecil de que entretenimento deve ter função socioeducativa, todos
os termos mais pesados dos filmes são cortados, palavrões são deixados de lado e
palavras completamente estapafúrdias entram na trama, como “os tiras estão
chegando”. A dublagem acaba empobrecendo muitas obras e somos obrigados a
engolir um conteúdo que nem mesmo os próprios dubladores sentem-se
plenamente satisfeitos em realizar.
Tudo isso também ajudou a fortalecer ainda mais a ideia de que entretenimento
não pode ter palavrão. Todos os filmes transmitidos no Sessão da tarde ou até
mesmo no Tela quente têm sua linguagem totalmente adaptada. Um “this is
fucking serious” (isso é sério pra caralho) acaba virando um “isso é sério pra
caramba”, não esquecendo, é claro, quando os executivos decidem nos premiar
com um “isso é sério pra dedéu”.
Com a ideia na cabeça sobre o que iria criticar, um grande problema surgiu à
minha frente. Um problema com o qual eu não havia lidado antes, algo que eu
sabia que iria acontecer a qualquer momento e já estava tentando me preparar
para isso.
Em todos os outros vídeos do Não Faz Sentido, eu era um completo outsider,
ou seja, estava de fora, criticando e condenando as coisas que observava
literalmente de fora pra dentro. Quando critiquei as bandas Restart e Cine, não
fazia ideia de quem eles eram pessoalmente, muito menos que o vídeo chegaria
realmente até eles. A mesma coisa com Fiuk, Preta Gil, entre tantas outras
personalidades ou temas específicos.
Dessa vez, contudo, eu já tinha me tornado inteiramente um insider. Já
conhecia inúmeras celebridades e artistas, tinha virado amigo de pessoas que
antes nem imaginava que viria um dia a conhecer e, pior ainda, fui apresentado a
inúmeros executivos de vários setores diferentes do entretenimento. Presidentes
de rádios, inúmeros executivos da TV, dos estúdios de música, das produtoras de
cinema, de grandes marcas anunciantes. Enfim, em termos mais simples e diretos,
eu estava fudido.
Por quê?
Porque eu não era mais apenas “carinha que critica as coisas”. Agora tinha
contato com as coisas que viria a criticar. Quase todos os temas brasileiros que
viesse a atacar estariam provavelmente atingindo alguma pessoa que eu conhecia
pessoalmente. Isso poderia atrair inúmeros inimigos poderosos que poderiam
fechar inúmeras portas para minha carreira artística.
Foi nesse momento que tremi levemente na base. Foi também nesse momento
que pessoas começaram a achar que a razão pela qual eu não estava gravando
vídeos era que agora eu era um “global” e não poderia mais criticar as coisas.
Mais uma vez atento para outro problema sério que temos no Brasil, outra
babaquice do politicamente correto que impera no nosso meio artístico: ninguém
tem o direito de falar merda nenhuma.
Recentemente, no momento em que escrevo este parágrafo, ocorreu o Oscar
2013. Antes de acontecer a premiação, uma das atrizes indicadas, Jennifer
Lawrence (linda, maravilhosa, incrível – amor, não fica com ciúmes), foi
convidada para uma participação no programa de humor Saturday Night Live. Lá,
ela fez um monólogo cômico sacaneando todas as outras indicadas ao Oscar de
melhor atriz. Eis o discurso:
“Jessica Chastain – Indicada por A Hora Mais Escura – ou melhor, Jessica que
não vai ganhar o Oscar enquanto eu estiver de olho! Em A Hora Mais Escura
você capturou Bin Laden. Mas, em Inverno da Alma, eu peguei um esquilo e
depois eu o comi!”
“Naomi Watts – Indicada por O Impossível – Você estava em O Impossível.
Sabe o que é mais impossível? Você me superar na noite do Oscar!”
Até aí tudo bem, mas o melhor veio para as duas últimas indicadas.
Quvenzhané Wallis, uma menina de 9 anos que se tornou a mais jovem indicada
da história, e Emmanuelle Rica, uma atriz francesa de 85 anos. Eis o que Jennifer
disse:
“Quvenzhané, o alfabeto ligou. Ele quer as letras dele de volta.”
“Emmanuelle Riva, uma senhora francesa de 85 anos? Acho que consigo
superá-la.”
Sabe quando esse discurso seria aceito no Brasil? Absolutamente nunca. Pelo
menos não até o presente momento em que escrevo este livro. Qualquer artista
brasileiro que se prestasse a sacanear colegas de trabalho publicamente seria
tratado como arrogante, de fazer brincadeira de mal gosto, não merecedor de
qualquer conquista. Aqui os artistas devem sempre esconder suas opiniões,
pensar o tempo inteiro que qualquer nesga de crítica publicada pode gerar uma
gigantesca bola de neve, que fechará portas para suas carreiras e colocará o
público brasileiro contra eles.
Nesse momento, era assim que eu me sentia. Com meu discurso quase todo
montado para sacanear o universo da dublagem, contive-me em pensamentos
sobre o fato de que eu conhecia pelo menos cinco grandes dubladores do
mercado brasileiro. Além do fato de que eu mesmo sempre tive o interesse de um
dia me tornar dublador de filmes de animação (vale ressaltar que a crítica ao
mundo da dublagem era inteiramente sobre os filmes e seriados sem animação,
pois sou um grande apreciador da dublagem brasileira para esse gênero). Fazer
esse vídeo provavelmente significaria fechar esta porta para sempre.
Este foi um dos primeiros momentos em que senti a real pressão de criticar
algo do universo do qual agora eu fazia parte. Muito por isso, considero que o
vídeo “Regras da dublagem” foi um marco decisivo para o Não Faz Sentido.
Pensei muito em não fazê-lo, pensei em parar de vez de condenar questões que
envolvessem o universo brasileiro da arte. Mas eu não poderia fazer isso. Com
risco ou sem risco, não poderia deixar que o fato de me tornar um insider
prejudicasse o conteúdo do canal. O Não Faz Sentido precisava manter a mesma
pegada, caso contrário eu me submeteria, de fato, ao termo “vendido”, omitindo
minha opinião com o único interesse de me beneficiar pela negligência.
Tive uma ideia melhor. Se era para tirar um sarro do universo da dublagem,
então tentaria ir além, incorporando o estilo americano de fazer humor. Decidi
convidar dois grandes dubladores para participarem do vídeo. Guilherme Briggs,
dublador de personagens como Buzz Lightyear, Freakazoid, Optimus Prime,
Superman, entre muitos outros. E Mabel Cezar, dubladora de personagens como
Luluzinha, Jay Kyle (da série Eu, a Patroa e as Crianças), Jessie (de Toy Story
2), entre muitos outros.
Pensei que o fato de satirizar o mundo da dublagem com participações
especiais de dois dos maiores dubladores do Brasil poderia mostrar que é possível
fazer um humor crítico no cenário brasileiro contando com a própria autozoação
dos “alvos”. Ambos toparam na hora, o que imediatamente me deixou bastante
animado com o resultado final.
Para o Guilherme, coloquei uma rápida participação, onde ele me dublaria na
frase: “Que criança nunca se perguntou quem diabos é Herbert Richers?” Já para
a Mabel preparei algo ainda mais especial. No meio do vídeo, uma voz do além
começaria a me sacanear. O diálogo ficou assim:
– Felipe Neto – começava Mabel.
– Ih, caraio.
– Tá me ouvindo?
– Deus?
– Não. Se eu fosse Deus, te chamaria de filho bastardo que deu errado. E não
de Felipe Neto.
– Ih, caraio.
– Quem você pensa que é pra falar de dublagem, hein rapazinho? Sabia que a
vida de dublador é muito sofrida? A gente é criticado muitas vezes por coisas que
a gente não tem culpa! Mas você, como atorzinho de circo de rodeio, não podia
entender essas coisas.
– Opa, circo de rodeio não, eu sou ator de peças de segunda linha, mais
respeito! – Nesse momento aproveitei para me autosacanear com a crítica que
recebi da revista Veja.
– Eu vou te ensinar uma lição, rapazinho.
–Ah, é? E o que você vai fazer? Você é uma voz! Dubladora, vozinha do
além! Você vai me xingar de sacripanta? Nem falar palavrão você pode! Vai falar
que esse vídeo é uma tolice?
– Eu não posso falar palavrão no estúdio. Mas é com muito prazer que eu
deixo aqui o meu eterno VAI TOMAR NO CU, Felipe Neto.
– Ih, caraio.
Considero que a participação da Mabel foi uma das coisas mais incríveis que já
coloquei no Não Faz Sentido. Mais do que simplesmente brincar com a
autozoação, deixei marcado para sempre a voz da Luluzinha falando “vai tomar
no cu, Felipe Neto”. Isso não tem preço.
Melhor ainda, o vídeo conteve uma inserção patrocinada da Wise Up. No
momento em que eu começo a falar sobre as pessoas precisarem aprender inglês
(o que considero uma necessidade básica de estudo), imediatamente coloco a
recomendação da Wise Up. Considero esse um grande passo para o YouTube
brasileiro como um todo, pois, diferentemente de outras inserções publicitárias
que já havia feito, esta foi a primeira vez em que um anunciante (no caso, a Wise
Up) decidiu que não interferiria em absolutamente nada do produto final. Eu tive
100% de liberdade criativa, sem necessidade de pré-aprovação do roteiro ou até
mesmo do vídeo. Ele foi ao ar exatamente como foi feito, com palavrões, críticas
ácidas e a Luluzinha me mandando ir tomar no cu.
Enquanto agências e clientes morriam de preocupação (e ainda morrem) sobre
o fato de suas marcas ficarem associadas a um discurso politicamente incorreto, a
Wise Up simplesmente se desligou de qualquer preocupação e o resultado foi
incrível para a própria marca.
Enfim, o vídeo foi ao ar, carregado de críticas ácidas, bem como informações
pertinentes que muitas pessoas desconheciam, como o fato de que são os próprios
estúdios que proíbem a maioria das coisas que faltam na dublagem brasileira (para
se ter uma ideia, há estúdios que proíbem até mesmo que na dublagem tenha
expressões como “nossa” ou “meu Deus”, com o argumento de que são
expressões religiosas).
E foi aí que a merda aconteceu.
Os dois primeiros dias foram fantásticos para o vídeo. Imediatamente
ultrapassou a barreira do primeiro milhão de visualizações. Tudo caminhava
maravilhosamente bem, quando de repente... Tudo desandou.
Dois dias após o vídeo estar no ar, Guilherme Briggs me telefonou.
Música de suspense...
Ok. Não precisa de música de suspense. A verdade é que o Guilherme estava,
como posso dizer? Desesperado. Em sua explicação, ele disse que não sabia que
o vídeo ficaria tão pesado e que deveria ter pensado melhor quando topou
participar, pois agora estava com muito medo do que poderiam fazer com a sua
carreira.
Tentei argumentar, dizendo que o vídeo não estava tão pesado assim, muito
pelo contrário, pois eu isentava os dubladores o tempo inteiro e colocava a culpa
nos estúdios e nos executivos que tomam as decisões. O que eu esqueci, contudo,
é que eram esses executivos que pagavam o salário do Guilherme. E subestimei a
capacidade dos executivos brasileiros de se considerarem acima do bem e do mal.
Infelizmente, o simples fato de o Guilherme ter apenas falado uma única frase no
vídeo poderia resultar em uma tragédia na sua carreira.
Ao mesmo tempo em que explicava, Briggs pedia desculpas o tempo inteiro,
dizendo que não queria me prejudicar nem o Não Faz Sentido e inclusive repetia
que o vídeo tinha ficado bom (apesar de discordar de um ou outro ponto), mas
que ele não poderia correr esse risco.
Não teve jeito. Jamais poderia colocar a carreira de um amigo em risco. Na
mesma hora, mesmo já somando mais de 1,8 milhão de visualizações, tirei o
vídeo do ar. Disse, em seguida, a ele:
– Cara, eu nunca quis te prejudicar, você sabe. Por favor, faça o que for
preciso, pode escrever um post no seu blog detonando meu vídeo, falando que eu
te enganei, o que for preciso. Pode jogar a culpa pra cima de mim. Fala que eu
pedi que você mandasse sua participação sem falar que era para um vídeo, não
me importo, desde que você fique isento de qualquer risco.
Claro que o Guilherme, sendo uma das pessoas mais doces que já conheci na
vida (além de um dos melhores profissionais em seu ramo), não fez isso, mas
concordou que precisava se pronunciar, caso contrário poderia se dar mal. No dia
seguinte, publicou em seu blog um texto em que dizia não concordar com o teor
do vídeo do Não Faz Sentido. Afirmou que sabia que sua voz seria usada no
vídeo, mas que não tinha noção do roteiro.
Na mesma hora liguei para Mabel, a outra dubladora que participou do vídeo.
Contei toda a história, mas o caso dela era bem diferente. Enquanto o Guilherme
tinha apenas feito uma participação em voz, a Mabel tinha ido além e me xingado
(“vai tomar no cu, Felipe Neto”). Com isso, sua participação no vídeo não
assinava embaixo do discurso do vídeo em si, apenas me sacaneava. Justamente
por isso, Mabel disse que não tinha problema algum e permitiu que eu reenviasse
o vídeo com sua participação. Removi a parte do Guilherme e recoloquei o vídeo
no ar, perdendo todas as quase 2 milhões de visualizações que já haviam sido
atingidas.
Com o vídeo republicado e a declaração do Guilherme postada em seu blog, as
mídias sociais fervilharam com acusações de que eu havia enganado Guilherme
Briggs. Alguns mostravam-se apenas decepcionados, enquanto outros
aproveitavam a oportunidade para me descascar de todas as formas possíveis,
deixando claro que sempre souberam de como eu era mau-caráter e manipulador.
Muitas pessoas torcem para que aquelas que ganharam algum destaque caiam.
São essas pessoas que, na primeira e menor oportunidade que enxergam,
começam a fazer presunções e atacar de forma veemente, para que mais e mais
pessoas acreditem naquela verdade. A evidência traz consigo muito ódio, muita
inveja, muita energia negativa. Nesse dia, recebi tudo isso em larga escala.
Fiquei absolutamente calado, pois era melhor eu sair como vilão na história do
que correr o risco de prejudicar a carreira de um grande amigo e alguém por
quem muito torço. Foi difícil. A vontade era explicar para todo mundo que aquilo
só estava acontecendo porque muitos dos executivos do Brasil não permitem que
seus artistas estejam associados a qualquer material opinativo, muito menos a um
que critique seus próprios trabalhos, mas tive de reunir todas as forças cósmicas
de paz de espírito presentes no universo para me segurar de fazer um
pronunciamento. Acho que tomei uns cinco banhos nesse dia.
Digo que esse foi um exemplo de erro cometido na história do Não Faz
Sentido, pois resultou em algumas perdas consideráveis. Perder 2 milhões de
visualizações não é algo que possa ser subestimado, principalmente por contar
uma propaganda da Wise Up. No final, o número mostrado como resultado final
acabaria sendo o do segundo vídeo postado no canal, não o somatório. Além
disso, todo esse acontecimento serviu para que eu percebesse cada vez mais que
tinha me tornado, de fato, um cara de dentro do sistema, que eu tanto criticava.
Agora a coisa era muito mais difícil. Qualquer palavra mal colocada poderia
resultar em uma gigantesca pilha de merda. Pessoas poderiam sair prejudicadas,
eu poderia tomar um processo milionário, ou inúmeras portas poderiam ser
simplesmente fechadas na minha cara. Até hoje nunca fui chamado para qualquer
participação de dublagem, mesmo após ter manifestado nas redes sociais que
gostaria de um dia participar de um filme de animação ou um desenho de TV.
Não acredito que essa porta se abrirá novamente. Afinal, mesmo tendo perdido as
primeiras 1,8 milhões, o vídeo hoje já soma mais de 3,5 milhões de visualizações.
O tempo passou, o assunto morreu. Mais uma vez a internet provou que as
histórias terminam tão rápido quanto começam. Poucos dias depois já estava
novamente debruçado no planejamento da minha empresa. O Leo e o Nando, os
dois primeiros funcionários da história da Parafernalha, já esperavam ansiosos o
dia em que o trabalho começaria. Mas ainda faltavam alguns detalhes importantes
para o início das operações e eu não poderia tratar esse negócio como algo
leviano que poderia ser feito de qualquer maneira, era a aposta da minha vida e
muito dinheiro estava em jogo, praticamente tudo aquilo que eu havia acumulado
com o sucesso do Não Faz Sentido. E, quando você estuda e descobre que quase
60% das empresas criadas no Brasil fecham nos primeiros cinco anos de
existência, seu cérebro começa a entrar em pane. Aliás, grande parte do meu
estudo nessa época foi justamente em tentar descobrir as razões pelas quais os
empresários mais cometem erros que resultam no fechamento de seus negócios.
Muitas vezes é tão importante aprender onde não errar quanto onde acertar.
Um dos maiores erros que descobri, por exemplo, não teve nada a ver com o
mundo dos negócios em si, mas serve como exemplo do quão difícil é planejar
qualquer tipo de coisa de modo preciso. O telescópio Hubble, logo depois de ter
sido enviado para o espaço, constatou um enorme problema: todas as imagens
enviadas chegavam fora de foco e inúteis. Foi então que os cientistas descobriram
que um dos espelhos do telescópio tinha sido fabricado com as bordas cerca de
2,2 mícrons mais planas que o esperado (um fio de cabelo costuma ter de 60 a 80
mícrons). Por causa de um erro telescópico, o prejuízo causado para o conserto
foi de quase 1 bilhão de reais.
Ao longo da minha vida empresarial cometi alguns erros que custaram
dinheiro, embora não tenha sido nem perto de 1 bilhão de reais (por isso ainda
não precisei me prostituir). Contudo, a história do telescópio sempre fica na
minha cabeça quando preciso tomar alguma decisão cirúrgica dentro dos meus
empreendimentos. Às vezes, uma simples palavra mal colocada para determinado
funcionário pode resultar em um prejuízo na escala de centenas de milhares de
reais. E eu não tinha dinheiro o suficiente para calcular o risco de perdê-lo.
Seguindo a premissa de um de meus ídolos, Chapolin, “meus movimentos
precisam ser friamente calculados”.
Esse período seguinte ao vídeo sobre dublagem também foi marcado pelo
maior índice de gravações do quadro do Esporte Espetacular, além do término da
minha mudança para meu novo apartamento, em Laranjeiras, onde passei a morar
com a Maddu. Mas como ninguém está interessado em saber sobre a minha
mudança e nem eu estou afim de escrever sobre isso fica aqui apenas a presença
de um parágrafo inútil que espero que não seja cortado pelo editor deste livro, que
é o Raphael Draccon, um grande amigo autor de best-sellers maravilhosos no
mundo da fantasia da literatura brasileira. Puxada de saco básica pra que o
parágrafo fique aqui. Vamos em frente.
Com o turbilhão de acontecimentos, mais de um mês se passou. Período em
que terminei a mudança, gravei uma boa frente de cenas para a Globo, fiz
reuniões no Multishow para definir o programa novo (sim, eles quiseram outro
programa), finalizei a locação do escritório da Parafernalha (YAY! Agora
finalmente tínhamos um espaço físico) e machuquei a nádega direita em um
pedaço de metal que resultou numa cicatriz que tenho até hoje. Achei que essa
última informação era importante para este livro.
Em meados de abril de 2011, surgiu a ideia do vídeo seguinte do Não Faz
Sentido.
Já estava começando a mobiliar o escritório da Parafernalha. O que não era
muito difícil, visto que só cabiam quatro mesas, quatro cadeiras, um frigobar e
quatro pessoas passando mal. Contudo, a maior dor de cabeça vinha pela parte de
equipamento.
Embora ainda não tivesse contratado a equipe, a Parafernalha seria uma
produtora de vídeos, logo precisaria de equipamentos de filmagem. Câmera,
microfone, gravador de áudio, equipamento de iluminação, entre muitas outras
coisas, até mesmo uma mochila para carregá-los chega a custar mais de 500 reais.
E foi justamente na hora de fazer a checagem de preço que surgiu a ideia do
vídeo.
– Amor, olha isso – chamei a Maddu para ver a tela do meu computador. Abri
então dois sites, com a mesma câmera à venda.
– Esse é o site brasileiro. A câmera custa mais de 5 mil reais.
Então abri o site americano, onde a mesma câmera custava algo em torno de
mil e duzentos dólares.
– Cacete, amor, você deveria fazer um vídeo sobre isso – ela disse.
Era exatamente o que eu estava pensando.
Quando fui pesquisar sobre o assunto mais profundamente, vi escândalos
absurdos em relação aos preços dos produtos, principalmente eletrônicos,
vendidos no Brasil, com relação aos mesmos produtos vendidos no exterior. O
maior problema era, como sempre, a altíssima carga de impostos. Era tanto
imposto que ficava difícil encontrar um estudo que realmente conseguisse reunir
com precisão tudo que ia para o governo quando você comprava uma câmera por
5 mil reais. Fato era que o valor chegava a mais da metade.
Aquilo me indignou profundamente. O argumento principal era de que os
impostos eram colocados para que os produtos ficassem mais caros que os
produtos nacionais, incentivando as pessoas a comprarem somente o que fosse
fabricado no Brasil. O problema é que quase todos os eletrônicos que compramos
não possuem qualquer concorrente brasileiro, o que nos deixa com a única opção
de pagar uma fortuna para os cofres públicos, dinheiro este que, como todos
sabemos, acaba indo para o bolso de algum político corrupto, enquanto apenas
alguns centavos retornam em forma de educação, saúde, transporte, saneamento
ou manteiga de amendoim (é um absurdo não termos manteiga de amendoim de
graça).
A maior indignação veio depois que constatei que, praticamente para todos os
produtos eletrônicos comercializados, o Brasil era o país com os valores mais
caros de todo o mundo. Embora os outros países também colocassem impostos
sobre esses produtos, a esmagadora maioria deles o fazia de forma sensata,
deixando um iPad com preço de iPad, em vez de ficar com o preço de uma
aeronave intergaláctica.
Para se ter uma ideia de como funciona o governo brasileiro (ou pelo menos
funcionava, se você estiver lendo em 2020 eu espero que nossos governantes já
tenham tomado vergonha na cara), um carro fabricado no Brasil custa mais caro
no próprio Brasil do que no México. Exatamente. O carro é fabricado aqui,
exportado para o México, passa pelas tarifas mexicanas e ainda assim é mais
barato comprar o carro brasileiro lá do que aqui. Esse é o governo que nós temos
em relação a impostos sobre produtos.
Steve Jobs, falecido fundador da Apple e um dos maiores gênios do mundo
dos eletrônicos (se não o maior), deu a seguinte resposta quando foi perguntado
sobre investir numa fábrica no Brasil: “Não podemos nem exportar os nossos
produtos com a política maluca de taxação superalta do Brasil. Isso faz com que
seja muito pouco atraente investir no país.”
Com uma profunda pesquisa em mãos, fui atrás de um amigo que comandava
o jornal Brasil 247, um dos maiores veículos on-line de notícias do país. Contei a
ele sobre minha intenção de montar algum tipo de projeto que pudesse mudar
essa situação no Brasil.
“Cara, faz um abaixo-assinado” foi sua resposta.
Nunca fui de acreditar que um abaixo-assinado poderia resultar em muita coisa
nesse país, mas ao mesmo tempo me vi impulsionado pelo projeto Ficha Limpa,
que começou como um abaixo-assinado e resultou num projeto de lei que ajudou
a melhorar nosso sistema político. Foi nessa hora que a coisa começou a ficar
complicada.
Eu não tinha condição de iniciar um projeto de lei. Não sou político, não tenho
grandes conexões políticas e não poderia dedicar minha vida a esse projeto.
Contudo, poderia fazer o que o Não Faz Sentido faz de melhor: vomitar a
informação e gerar o interesse de milhões de pessoas sobre o tema.
Por isso, decidi que faria um manifesto. O manifesto “Preço Justo”, onde
coletaria assinaturas on-line e levaria para nossa presidente Dilma, no peito e na
coragem, mesmo que isso não representasse rigorosamente nada.
O objetivo não era criar uma nova lei ou gerar uma emenda de qualquer tipo.
O maior objetivo seria informar, engajar o público em torno de um problema que
a maioria desconhecia, mostrar a todos o absurdo cometido pelo nosso governo
quando compramos qualquer tipo de eletrônico, seja um celular ou um filme em
DVD (no momento em que escrevo este livro, DVDs ainda são populares). E ver
o que poderia resultar dessa informação passada para o público.
Junto com o Brasil 247, montamos o site para coletar as assinaturas,
contratamos um servidor absurdamente pesado que pudesse segurar o número de
acessos e eu fui para a frente das câmeras. Mentira, da câmera, só tem uma, nunca
teve duas.
Claro que sabíamos que levar as assinaturas para a Dilma seria absurdamente
complicado, quase impossível, mas valia a tentativa. Na pior das hipóteses, não
seríamos recebidos e o vídeo não causaria uma mudança diretamente, mas pelo
menos teríamos informado e gerado a discussão sobre o problema. Isso, por si só,
já era o suficiente.
CABUM!!!
Tentei fazer um som de explosão para explicar o que aconteceu com o vídeo
assim que foi ao ar.
Para começar, o servidor absurdamente pesado que havíamos contratado para
coletar as assinaturas não foi o suficiente. O site acabou saindo do ar por várias
horas e tivemos de colocar um ainda mais potente, o que resultou em uma perda
de assinaturas significativa. Mesmo assim, o resultado era algo assustador.
O vídeo “viralizou” numa escala inacreditável. As pessoas se viam surpresas
com a informação, pois aparentemente muito poucas sabiam dos preços dos
produtos fora do Brasil. Na cabeça de milhões de pessoas, os valores cobrados
aqui eram os valores cobrados no mundo inteiro. O choque foi grande ao
descobrirem que, se fossem americanos, poderiam comprar um eletrônico por
valores quase três vezes menores do que são obrigados a pagar no país em que
vivem.
O número de assinaturas começou a crescer de forma assustadora. Dez mil, 20
mil, 30 mil. Ao final do terceiro dia, já havíamos coletado mais de 330 mil
assinaturas. Como era necessário confirmar o CPF, muitas pessoas ficavam com
medo, mas mesmo assim não era o suficiente para frear o crescente número de
indignados com a situação. O tema virou debate em inúmeros fóruns,
comunidades no Orkut, página do Facebook, postagens no Twitter – por um
período considerável só se falava sobre “preço justo” e os valores absurdos que
temos de pagar no Brasil.
Um grande debate foi iniciado. Algumas pessoas atacavam, defendendo a
taxação como forma de sobrevivência do mercado nacional, mesmo sabendo que
não existia qualquer indústria brasileira dentro dos segmentos apresentados.
Outros diziam que não deveríamos debater isso e, sim, a fome, mesmo sabendo
também que eu não era Jesus Cristo e precisava falar de temas que gerassem
identificação com meu público e com a realidade das classes envolvidas com a
internet. A maioria defendia, demonstrando sua indignação e estudando mais a
fundo o tema apresentado. O assunto “imposto” virou o grande centro das
atenções durante algum tempo, gerando matérias na imprensa, textos imensos em
veículos especializados em economia e até mesmo blogs de respeito trazendo
especialistas para explicar o assunto.
O principal objetivo do “Preço Justo” foi atingido. O vídeo soma quase 7
milhões de exibições e é, até hoje, o mais comentado da história do Não Faz
Sentido, com quase 100 mil postagens de usuários, além de uma taxa de
aprovação de 99% do público do YouTube. Por isso, considero o “Preço Justo”
como um dos projetos de maior sucesso da história do Não Faz Sentido.
Algum tempo depois, algumas conquistas começaram a aparecer.
Uma medida foi tomada pelo governo para a redução drástica de impostos em
tablets, o que viabilizou que diversos aparelhos do segmento ficassem totalmente
acessíveis para o povo brasileiro. Obviamente não podemos dizer que isso
aconteceu apenas por conta do “Preço Justo”, mas, alguns dias depois da medida
ser anunciada, um jornalista do jornal Brasil 247 perguntou a Paulo Bernardo,
ministro das telecomunicações, sobre a importância do manifesto Preço Justo.
“Fizemos o que vocês pediram” foi a sua resposta.
O movimento foi pauta de matéria no Globo News, exemplificando como a
internet pode ajudar a mudar o país. A Isto É também deu destaque, mostrando
que o Brasil está perto de entrar na era “preço justo”. Além de diversas outras
matérias importantes.
Claro que a redução dos preços dos tablets passou longe de ser o principal
objetivo da campanha. Infelizmente, o governo não deu continuidade e até o
momento os impostos continuam, mesmo com o “Preço Justo” ainda
reverberando em alguns cantos, depois de anos. A presidente Dilma negou-se
veementemente, através de seus assessores, a ter qualquer contato com o
manifesto e, por isso, nossos planos de entregar as assinaturas foi por água
abaixo. Contudo, o objetivo principal foi cumprido. Um grande número de
pessoas se informou, pesquisas foram feitas, medidas foram tomadas, nosso
ministro se pronunciou e o “Preço Justo” marcou definitivamente um assunto
importante na mente de parte da nossa população.


acesse os vídeos mencionados neste capítulo:

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